quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Dogmatismo, relativismo e ceticismo

Como é possível que certo filósofo ou certa escola de Filosofia se auto proclame como verdadeira, como tendo razão, quando se sabe que há outras escolas e muitos outros filósofos com posições inteiramente diferentes?!
Filósofos necessariamente caminham por diversas trilhas, suas ideias e conceitos diferem, por isso mesmo há que reconhecer a validade de outros modos de pensar e conceituar.
Em ciência, isso é impossível. Quando há impasses e contradições, é preciso solucionar a dúvida com novas observações e experiências. Os testes são imprescindíveis.
Ora, em Filosofia, tal não se dá, impossível testar ideias e posições teóricas diferentes para avaliar qual está correta. Ter razão entre filósofos, é o mesmo que dar razões, expor seu ponto de vista, suas ideias e argumentos de modo tal que se possa compreender e avaliar a consistência de seus conceitos, o poder de abertura e incitamento a novos modos de pensar, se seus questionamentos instigam a reflexão e a crítica, quer dizer, se certo filósofo não se arvora como única opção, como único caminho.

Logo, a História da Filosofia representa um leque de escolas e de filósofos que se contrapõem, mas não se anulam mutuamente. Quer dizer, o dogmatismo, isto é, a pretensão de que suas ideias e seu sistema filosófico prevaleçam sobre os demais, é prejudicial, acaba com o filosofar, além de impedir a missão crítica da Filosofia.
Tomemos um exemplo: Aristóteles, criticou o mundo das ideias de Platão por duplicar sem necessidade entes da realidade, e propôs voltar-se às causas dos seres, suas essências e propriedades, perfeitamente acessíveis ao conhecimento humano. Em nenhum escrito Aristóteles defendeu dogmaticamente suas propostas. Isso ocorreu na Filosofia Cristã, há um só caminho, o das verdades que são dogmas, incontestáveis: existência de um Ser Superior, alma imortal, espírito superior ao corpo carnal e em pecado.

Pois bem, se o dogmatismo cerceia a reflexão, defendê-lo implica que cada filósofo terá sua própria e única razão. O relativismo apregoa que há múltiplos caminhos e várias alternativas na História da Filosofia, sem via única. Problemas: se todos os filósofos valem igualmente, optar por um ou outro seria indiferente uma vez que as escolas filosóficas se equivalem. Se tudo é relativo, essa mesma afirmação também o é, e o relativismo se auto anula. 
Porém há outro modo de considerar o relativismo, válido e interessante. É o de entender que sem a inserção em uma cultura, em uma época histórica e em certa sociedade, não há como estudar, avaliar e/ou eleger certa escola de pensamento e certo filósofo, preferir um a outro implica em não isolar um de outro. Assim, ser relativista seria defender que cada pensador tem sua própria perspectiva, e isso salva o relativismo do paradoxo de considerar que todos valem igualmente, o que conduz à indiferença e ao ceticismo.

E o ceticismo? Filósofos céticos como Górgias na Antiguidade, em alguma dose Sócrates, certo ceticismo da dúvida cartesiana, o de David Hume, em certo sentido o ceticismo de Wittgenstein: seriam esses tipos de ceticismo autodestrutivos? Quer dizer, como duvidar de tudo sem anular seu próprio argumento cético?
Para escapar dessa aporia, o cético só fulmina a verdade para deixar um rastro de possibilidades. Górgias exercita a capacidade de argumentar; "Só sei que nada sei" socrático, leva à busca de saber; a dúvida cartesiana serve justamente para eliminar a dúvida inicial; o de Hume conduz à atitude de cautela, e o ceticismo de Wittgenstein restabelece os limites da dúvida para situações em que ela faz sentido.

Assim se alimenta o filosofar, para que a Filosofia viva é preciso apenas que a deixemos respirar.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Qual é o valor da Filosofia para o grande público?

Filosofia está na moda?
Parece que sim, pelo menos para certos círculos, publicações e divulgação na internet. Entre os mais famosos e requisitados, estão Luiz Felipe Pondé e Leandro Karnal.
O primeiro se vale do tom agressivo, contestador de tudo o que normalmente se pensa, de valores reconhecidamente pertinentes, talvez com a intenção de provocar, de escandalizar, de reverter expectativas. Assim, se vocês consideram válida a beleza é melhor afastá-la ou bani-la, pois prejudicaria a igualdade, afirmou ele em texto recente. Ao mesmo tempo afirma que beleza é imprescindível, pois, "não seria verdade o que dizem: mulheres bonitas são caçadas a pauladas (sic!) no mundo corporativo", e outras tiradas do gênero. Seu objetivo: chamar a atenção, especialmente de desavisados que aceitam considerações desse tipo. Recheia o texto com vários pensadores, põe lá Dostoiévski, tenta impressionar pela sua cultura, e dá-lhe desancar o que ele considera como o pensar banal, normal, evidente do comum das pessoas.
Atinge o público, faz valer a missão da Filosofia? 
Nem um nem outro, levar as pessoas a pensar, rever seus valores, renovar seus critérios nada tem a ver com escandalizar ou reverter expectativas.
Mas, enfim, tudo bem que ele, Pondé, prossiga com suas "filosofadas", seus textos afinal, são publicados!

E quanto a Leandro Karnal, este é mais cauteloso. Começa suas falas num outro tom, mais conciliador, sempre citando algum filósofo para respaldar suas reflexões e considerações sobre o que melhor ecoa aos ouvidos do público ávido por pensamentos que acalentam, acalmam, ressaltam o que as pessoas têm de melhor. "Viaje para dentro de si" é preciso viajar sempre, já dizia Platão. Mas as viagens precisam instigar algo na vida das pessoas, transformá-las para melhor, não se acomode dentro de sua casa, saia e veja o mundo, etc., etc.
Numeroso público de Karnal 
Essas considerações penetram na mente e no coração, sim, é isso mesmo, compreendi o que o filósofo aconselhou, gostei de ouvir esses sábios ensinamentos.
Novamente, tudo bem que Karnal prossiga com essas lições de filosofia as quais, afinal, encontram um público cativo e com sede de algo diferente, não propriamente a auto-ajuda, nem doutrinamento político e nem a doutrina das religiões.

Isso beneficia ou prejudica a Filosofia, a dos pensadores clássicos, a que se ensina nas escolas, nos cursos superiores?
Considerar que o papel da Filosofia é escandalizar ou tranquilizar mentes e corações prejudica. Não que o academicismo não seja igualmente prejudicial, pois o jargão filosófico afasta aqueles que gostariam de aprender algo com os grandes pensadores.
Beneficiaria, até certo ponto, seria a contribuição para o debate em torno ao papel da Filosofia na sociedade atual, mesmo que para isso cometam equívocos. 

A Filosofia não pode servir de chicote e nem de paliativo.
A Filosofia deve possibilitar discernir, conceituar, avaliar, levar o pensamento aos seus limites.
A Filosofia é representada pelos próprios filósofos, não em um desfile rápido e incompreensível de suas ideias, mas de modo a que essas ideias possam ser compartilhadas, sem distorção, com aproximações cuidadosas e fiéis às suas propostas.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Cinco questões fundamentais da Filosofia

Há cinco questões fundamentais que a Filosofia se propõe a colocar, busca responder ou mesmo deixa em aberto:

- Sobre o Ser, tudo o que há, que existe, que subsiste, que aparenta ser, ou que é o que aparenta; e pode esta questão ser posta  de outro modo: o que são os fenômenos, acontecimentos, coisas, objetos? Eles possuem um cerne, uma essência que é sua marca de identificação? Cabe perguntar também o modo como vieram a ser, o modo como atualmente são, como serão ou deixarão de ser. Exemplo: para Aristóteles em sua Metafísica há substâncias essenciais (o que não pode faltar ao ser) e seus acidentes, o modo como existem no tempo, no espaço, neste ou naquele lugar, deste ou daquele modo, enfim, suas variações.

- Sobre o conhecimento, como conhecemos, como atingimos o que nos cerca: pela percepção? sensações? intelecto? O que nos vem à mente, ao nosso saber, depende de ideias, de conceitos, da linguagem? Ou retratamos as coisas exatamente como elas são, tal como se a mente fosse um espelho? Necessitamos de um tipo de rede (proposições, atos de fala, construções sociais) que, lançada à realidade a torna cognoscível? Ou a realidade em si é conhecida tal qual ela é e não como nós a representamos?

- Sobre o bem e o mal, o sentimento ético/moral de que há atitudes comprometidas com o bem e que abominam o mal, para em seguida perguntar? Mas, o que é bem? E o que é mal? Quem os distingue? Sob quais critérios consideramos boa a ação ou a condenamos? Precisamos de alguém superior e detentor de um código para distinguir bem de mal? Quem pode punir? Somos sujeitos a uma lei eterna e receberemos recompensa ou castigo? Ou nós mesmos somos livres e responsáveis por nossos atos?

- Sobre a verdade, alguém a detém? Trata-se de uma questão de critérios? Quais seriam? A coerência, a comprovação? Como provar ou comprovar? Há juízos corretos, e os que passam por corretos, mas que mudam com o tempo e as sociedades? Verdade pronunciada em nome de quem ou do que? Se a verdade é desejável e benéfica, como podem os enganos, a mentira, a ilusão, o auto-engano prevalecerem muitas vezes? O que significa "verdade"? Integridade? Possibilidade de verificação? Ater-se a um credo ou crença? 

- Sobre o sentido da existência: há pleno sentido para os que obtêm resposta em um mestre, uma doutrina, uma religião, um partido político? É preciso um ideal, mas como chegar a esse ideal, ou melhor ainda, há mesmo um ideal? A plenitude pode provir de realizações pessoais? Da família? Dos laços de amor e afeto? Do trabalho? Do projeto de vida no qual as pessoas se engajam? Do poder da esperança para os que sofrem? E quando não há perspectiva e a vida não tem sentido algum como concluem os céticos?

É possível que nenhuma dessas questões seja proposta por um sem número de pessoas, nesse caso a própria condição humana acaba por ser negada, alienada e rejeitada.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Michel Houellebecq critica filósofos franceses

Em entrevista à revista Época (14 de novembro 2016) o escritor francês Michel Houellebecq, polêmico como sempre, enaltece os escritores e desanca com os filósofos franceses da segunda metade do século 20. Afirma que Sartre e Camus nada mais têm a dizer, e que Derrida, Lacan, Deleuze e Foucault são incompreensíveis, suas frases são "bizarras" e sem "nenhum sentido".
Já ele próprio se julga grande escritor. De fato ele é o mais lido, premiado e traduzido novelista da França. Li duas de suas obras "Les particules élémentaires" e "La carte et le territoire". São interessantes, fazem refletir sobre nossa sociedade, os sentimentos humanos enraizados e que nos perturbam, como sexo, arte, política, destino das nações, França em especial.
Nasceu em 1958, prêmio Goncourt em 2010, cultiva imagem "dégoûtante".

Entretanto, escrever ficção o autoriza a tratar desse modo filósofos que fazem parte de uma geração influente com suas ideias e conceitos?
Ninguém nega que a leitura desses filósofos seja difícil. Filosofia não é fácil, difere e muito da literatura, que conduz o leitor para situações imaginárias, cujo ritmo e conteúdo atrai e necessariamente encanta, surpreende, prende a atenção, provoca sentimentos e sensações diversas.
No caso de Houellebecq, vêm à tona, amor, intriga, como a modernidade enfrenta questões políticas, éticas, científicas, como progresso pode também ser decadência. Definitivamente, escritor interessante e com enorme talento. Talento tão grande quanto sua soberba e orgulho, desprezo pelo que não lhe diz respeito. Considera-se merecedor do Nobel de Literatura, "não vejo na França quem possa estar mais bem colocado do que eu para isso". A cada vez que se depara com dificuldade para entender não só filósofos, também escritores e análises da política hoje, afirma que para de ler.

Voltemos à sua crítica aos filósofos. Ao mesmo tempo em que critica a obscuridade deles, enaltece os intelectuais. Ora, filósofos não seriam igualmente intelectuais? Segundo ele próprio, são os intelectuais que ampliam a discussão, disseminam suas ideias, ideias essas que têm poder e precisam de divulgação. Por acaso filósofos não fazem exatamente isso? Ah, ressalva Houellebecq, os intelectuais não podem ser acadêmicos nem pesquisadores!
Tudo bem, então de onde extraem suas poderosas ideias?

Se os filósofos são difíceis, incompreensíveis, é porque são filósofos. A escrita filosófica é conceitual, pode ser simplificada para se tornar mais acessível até certo ponto. Mas não é compatível com a Filosofia esfarelarem-se pensamentos, noções, ideias, conceitos. 

Em certo sentido, pode-se concordar com o escritor, muito do que os filósofos acima citados produziram é de fato ininteligível e/ou inacessível. E é justamente por isso mesmo que aqueles e outros tantos devem e podem ser criticados. Sim, pois deve-se poder questionar e obter respostas para: o que tal filósofo quis dizer? Qual é sua mensagem? A que conclusões o pensamento de tal ou tal filósofo conduz? E em que medida isso importa? 
Se o filósofo não responder a essas questões, lixo para ele. Nesses casos, Houellebecq tem razão... 

domingo, 6 de novembro de 2016

Kant, o transcendental a priori e o papel da experiência

Talvez a mais notória contribuição de Kant para a Filosofia, especialmente a Metafísica e a Teoria do Conhecimento, seja o que ele próprio chamou de "Revolução Copernicana". O sujeito e suas propriedades formais e a priori são as condições necessárias para haver conhecimento.
Quer dizer  que todo e qualquer objeto ou situação fora do sujeito, tudo o que está na realidade, só é atingível por meio de propriedades formais da razão, que são transcendentais e a priori. Mas não se trata da mente individual e subjetiva, ao modo de Descartes e sim formas puras do entendimento, não pessoais, não obtidas por meio da experiência.
A experiência tem um papel fundamental, mas não funciona sozinha pondo na mente ideias obtidas única exclusivamente pelo contato dos sentidos com o mundo externo, como para o empirismo de Locke.
A experiência, para Kant, seria caótica se não fossem as faculdades da intuição que organizam o material recebido pela experiência. Essa faculdade de pensar, de intuir por meio da sensibilidade, põe ordem no caos empírico. "Intuição" justamente é essa capacidade de conhecer objetos de modo a priori, isto é, são as condições da sensibilidade que põem os fenômenos todos a serem conhecidos, no tempo e no espaço.
A razão é soberana e imprescindível, o uso puro da razão funciona dentro dos limites da experiência, portanto, nada de idealismo platônico, nada da Metafísica tradicional que impõe de fora para dentro tudo o que em si mesmo existe, sem que o sujeito intervenha.
Não é possível ir além dos limites da sensibilidade, além do tempo e do espaço.
Os únicos juízos ou formulações que garantem certeza, são os juízos sintéticos a priori, as representações do espírito sobre os fenômenos empíricos.

Diferentemente dos juízos empíricos sintéticos obtidos pela experiência, por isso a posteriori, por exemplo, que todos os corpos são pesados, que o pão alimenta, que é preciso nadar para não se afogar, etc. etc., os juízos sintéticos a priori, não dependem da experiência, são necessários, absolutamente confiáveis também para situações futuras, são puros, são racionais. São eles que mostram à experiência o que vale como conhecimento seguro, suscetível de progredir.
Se o conhecimento se baseasse somente na experiência dos sentidos, o mundo exterior, que é mutável e que contém inúmeras facetas, seria inatingível e não se poderia obter conhecimento seguro. A experiência limita o mundo que conhecemos, mas ela não é possível sem a intervenção das formas puras a priori do entendimento. 

Conclusão: se a razão fornece os princípios do conhecimento seguro, a priori, confiável, cabe a cada indivíduo usar os aparatos da subjetividade, os princípios e propriedades da razão pura.
Quanto às questões da prática, dos juízos morais, são outros princípios que contam: a boa vontade, sua autonomia, a liberdade e o senso de dever moral. Quanto mais livre, mais capaz de exercer o dever moral.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Conceito de Filosofia em termos muito simples

Dia desses meu neto se machucou e perguntou se eu também era médica. Faz sentido, pois o avô paterno, seu pai e sua mãe são médicos. Como ele tem quatro anos, não permitiu que eu cuidasse do ferimento, pois que eu não era entendida no assunto...
Foi assim que ele ficou sabendo que minha profissão era professora, e de Filosofia. "Mas que é isso vovó?"
Iniciei minha carreira de professora aos dezenove anos, meus alunos cursavam o antigo Clássico, no Colégio Estadual do Paraná, onde eu estudara.
O colegial se dividia entre opções para CL (Línguas), CB (Biologia), CM (Matemática), e o curso em que eu me formara, CS (Ciências Sociais). Logo me apaixonei por Filosofia, e me tornei professora mesmo antes de me formar na UFPR no saudoso Curso de Filosofia (1968-1971). O melhor professor, que usava anotações pessoais e as expunha com clareza e sabedoria, foi Frei Raimundo Vier.
Assim, mirando-me nos professores, nos filósofos, nas suas ideias e conceitos, não parei de estudar o pensamento das grandes mentes iluminadas que nos inspiram desde os pré-socráticos até os atuais, Dewey, Rorty, Wittgenstein, Heidegger, Sartre, Foucault, Habermas e muitos outros.
Evidentemente, não poderia lançar mão deles para tentar explicar ao meu neto o que seria Filosofia...
Nada melhor do que ilustrar com exemplos e situações do cotidiano, pois por experiência própria sabia o quanto alunos, mesmo mais velhos, têm enorme dificuldade para abstrair, para sair do mais imediato e sensível, para o mais geral e inteligível.
O que é abstrair? O que é inteligível?
Considere essa situação: engatar uma questão na outra. Quem fez esse seu brinquedo? Onde ele foi feito? Como ele foi feito? Do que ele é feito? Como chegou até você?
Isso só para despertar a curiosidade, e as respostas, não importa, podem ser as mais divertidas e absurdas.
Depois, alargar o círculo das perguntas, onde você mora, onde você nasceu, antes de você nascer como era? Nada? Onde todas as coisas do mundo estão? Lugar, tempo, antes e depois, aqui e agora, levam a sair do sensível e local para ir um pouco adiante.
Por que disso e daquilo, justamente um recurso comum e extraordinário ao qual a maioria das crianças com três a quatro anos recorre. Por que esse menino está chorando? E você responde que não sabe.
"Não saber" e "saber", a crucial importância dessa ferramenta. Sabemos, afinal, o que sobre quais coisas?
Se a criança olha para você e faz cara de quem entendeu ou não entendeu, não tem problema. Ela já despertou para o fazer perguntas, uma espécie de diálogo platônico que exercita a inteligência e a vontade de saber.
Filosofia pode basicamente se resumir nisso: "vontade de saber", que implica: conhecer, indagar, usar conceitos, chegar a conclusões, entre elas a dos limites do que podemos saber. Ao mesmo tempo mostrar o que é inaceitável: coibir, proibir, cercear a liberdade de pensamento.
***
PS.: sobre o projeto do Ensino Médio: 
Seria muito proveitoso perguntar aos alunos que cursam o Ensino Médio se eles gostariam de poder optar entre disciplinas que contemplariam suas preferências e seu futuro profissional.
Duvido que eles abririam mão dessas escolhas... Aliás, alguém pelo menos leu o projeto de lei?

sábado, 1 de outubro de 2016

Três modelos para a Filosofia Social

Em qual desses modelos a sociedade atual se encaixaria?

Hobbes (1588-1670) viveu na época do absolutismo inglês, em sua obra mais famosa, O Leviatã diz que os homens agem por impulso, são ambiciosos e egoístas. Eles se esforçam para sair de situações desagradáveis, de tudo o que traz dor e sofrimento, em sua luta pela sobrevivência ou age e vence ou sucumbe e morre. Antes da constituição da sociedade, no estado natural, a guerra era de todos contra todos, o homem lobo do homem, vence o mais forte ou o mais astuto. O desejo de poder só acaba com a morte. Como não há garantia de deter o poder e os meios para viver, a luta se perpetua. O pacto pela paz visa o interesse de obter um poder absoluto, que mantivesse todos sob o comando do Estado. Ao soberano os súditos conferem toda a força e mando com relação à vida, à propriedade e a aplicação da justiça. Aceitar o poder soberano é o único modo de sobreviver.

John Locke (1632-1704) lançou as bases do pensamento liberal inglês, viu a Revolução Gloriosa (1689) derrotar o autoritarismo dos Stuart. O parlamentarismo e o governo constitucional adotaram os princípios da livre iniciativa, livre concorrência e liberdade de credos. O poder nasce do acordo entre partes, a propriedade, e tudo o que os indivíduos conquistam pelo trabalho, a eles pertence. A sociedade é formada para satisfazer necessidades e exercer ampla e livremente seus direitos.

Rousseau (1712-1780) preconiza a igualdade de todos, o povo como soberano em Do Contrato Social. Ao contrário de Hobbes, para Rousseau o homem no estado de natureza nada tinha de egoísta, como podia satisfazer todas suas necessidades, a natureza proporcionava tudo de que tinha necessidade, não havia comércio, guerra, competição.
A propriedade de bens e terras gerou desigualdade, e somente com a evolução da sociedade civil e a liberdade como um direito fundamentado em contrato é que surge a organização política. Os homens se dispõem a perder o que lhes cabe individualmente em benefício de todos, do corpo político. Nessa união de todos, cada um obedece a si, e permanece livre.

Hoje diríamos que Hobbes oscilaria entre o realismo (guerra, violência, milhares de refugiados, tráfico internacional de armas e drogas) e o pessimismo: a solução é manter todos sob a força outorgada a um poder absoluto?
Locke defende a propriedade, a liberdade e a constituição, fundamentos necessários e ameaçados por ditadores e pela imposição de um só credo, que pode levar ao terrorismo.
Rousseau, a utopia da igualdade exige abrir mão da propriedade, a liberdade possível é delegada à vontade geral. O próprio Rousseau afirmava ser difícil que um povo permanecesse em associação duradoura, seria preciso que o Estado fosse pequeno, cidadãos deveriam poder se conhecer, os problemas simples de resolver, igualdade apenas com pouco ou nenhum luxo.

Assim, democracia ainda que não perfeita, obediência à constituição, rigor da lei aos que dela fogem e estaríamos no melhor dos mundos.
Passo importante: eleição dos mais honestos e mais capazes, não à corrupção, simples assim. E, ao mesmo tempo, difícil.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

"Deus não está morto": equivocado e prejudicial

O filme de Harold Cronk (2014) chegou às telas de cinema no Brasil, mas sua fama vem dos meios digitais, Youtube, de canais pagos de TV e da Netflix.
A divulgação do mesmo se dá como rastilho de pólvora, inclusive nas escolas, nas diversas disciplinas e séries.
O problema grave e que pode passar despercebido, é que o mesmo não passa de um panfleto, e, como é bem dirigido, atores razoáveis e bem claro em seus objetivos, a mensagem do mesmo se torna ainda mais contundente e de fácil assimilação.
Cartaz do filme, panfletário
Em breves palavras, um professor de Filosofia recebe seus alunos no primeiro dia de aula, sala cheia, e se declara ateu, como grande parte de filósofos (até aí tudo bem) e obriga seus alunos a defenderem o ateísmo sob o argumento de que a ciência prova que Deus não existe. Grave, gravíssimo: as aulas de Filosofia não podem se prestar à defesa doutrinária pessoal, seja ela qual for!
Logo surge o rapaz que defenderá o cristianismo, a existência de um único Deus, e, também ele apoia seus argumentos em provas científicas.

Lamentável, pois a ciência se caracteriza por técnicas, provas, experimentação, leis sobre a natureza, evolução, teoria atômica, biologia, ecologia, etc. entre outros ramos de saber verificável e suscetível de erro e de reavaliação. Por isso mesmo é preciso atenção: a ciência não tem nada, absolutamente nada a ver com religiões, com provas sobre a existência ou a inexistência de Deus.
Deus, fé, divindades, Bíblia, Corão, crenças pertencem às várias e diversas religiões. Não se prova Deus por meio de teorias científicas e nem que Deus não existe por meio de teses da Física ou da Biologia, sob o risco de submeter as crenças, a fé, ao crivo da ciência. Ora, as ciências mudam, evoluem, uma teoria comprovada pode ser derrubada por outra, é o que se constata na história da ciência. O conhecimento científico pode ser usado na prática por indústrias, tanto a de armas como a farmacêutica, por exemplo.
As ciências resultam de esforços de pesquisadores para explicar o cosmo, a natureza, os organismos, não servem para provar nem que Deus não está morto, e nem que ele está morto.
Outro grave problemas do filme é dirigir a fé em Deus para o cristianismo, e certo movimento, o do cristianismo norte-americano, fundamentalista e levar o público a desacreditar e, pior, condenar outras religiões, como o islamismo, o que é um absurdo.
E culmina na morte do professor ateu, supostamente convertido ao ser atropelado e vê ressurgir outro mundo, acompanhado pelo som estridente de um conjunto gospel e um público que lota e delira em um estádio vizinho, com as canções laudatórias feitas para seduzir e convencer.

Quando Nietzsche decretou "Deus está morto" o fez em nome de um tipo de reflexão filosófica e não religiosa; quando Richard Dawkins escreveu "Deus, um delírio", o fez para mostrar que o ateísmo não é prejudicial, nem vai acabar com religiões ou com as crenças, seitas, rituais, fé, não rasgou a Bíblia. Seu intento foi mostrar que libertos de credos ou religiões nos voltaríamos para nós mesmos, nossa existência finita, autônoma, livre e pela qual apenas nós, homens e mulheres, somos responsáveis. É uma questão de decisão pessoal.
Ao passo que a mensagem do filme, claramente, é de doutrinação: se você for cristão, está do lado do bem e da verdade, se não for, está do lado do mal e da mentira.
É assim que começam a violência, a discriminação, o fundamentalismo, o pensar único, o fanatismo. Facilmente se chega à Inquisição, sim, mesmo em nossos dias: terrorismo radical declarado do Estado Islâmico, e o terrorismo disfarçado de certas seitas cristãs fundamentalistas nos EUA.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Pensamento crítico distorcido e a tese capenga do "golpe"

Que movimentos e organizações como UNE, MST, ANDES, certos artistas e vários grupos recrutados nas redes sociais tenham aderido à tese de golpe, é inaceitável, porém compreensível.
Que professores de Filosofia embarquem nessa onda, não só é inaceitável, como incompreensível.
Recentemente professores têm se defendido com o argumento de que estão lhes retirando o "pensamento crítico". Sem generalizar, não todos evidentemente, mas voltou a crescer o número dos que ouvem o canto da sereia e aderem à tese do golpe, sob a batuta do pensamento único que há décadas se plantou em certos meios universitários.
Mas quem lhes destituiu do pensamento crítico, sem aspas, forem eles mesmos. Como diria Kant, eles são os únicos responsáveis pela defesa de uma linha única, adotada e prestigiada, disseminada entre eles, e plantada em seus alunos. Não permitem que os outros pensem diferente,afinal, adotar o que seu mestre manda é tão mais fácil!
Os jovens, há muito ouvem apenas palavras de ordem, conceitos e velhos chavões como se representassem o pensamento crítico e este fosse único, como se toda a realidade social, política e histórica se resumisse em direita conservadora e esquerda revolucionária. 
Os pobres são oprimidos pelo "grande capital", justiça social apenas pelo socialismo.
Mas, o que seria o socialismo hoje? Como repartir igualitariamente bens, como eliminar bancos, financeiras, como produzir, viver e trabalhar sem meios para tal? Se são necessários saúde, educação, bem estar, capacitação, estudo, lazer, moradia, o Estado pode provir tudo? De onde o Estado e os governos obtêm recursos? Do trabalho, empresas e trabalhadores, um não existe sem o outro.
No momento se regozijam ao gritar que a democracia foi aviltada, que as eleições não foram respeitadas, Dilma foi eleita.
Sim, fazendo como o próprio PT preconizou, "o diabo", marketing que falseou, iludiu, amedrontou os mais pobres, de um lado, e de outro era preciso conservar as mordomias do poder, as falcatruas, o dinheiro desviado da estatais. Estatais golpeadas, governo sem rumo, recessão, desemprego.

Pensamento crítico da parte dos professores de Filosofia exige discernimento, abertura, estudo aprofundado e sério de filósofos os mais importantes. Quais seriam? Deem uma olhada em sua estante...
Restringir o pensamento crítico à adoção das teses de que houve golpe à democracia é distorcer o exercício do pensamento crítico. Antes de mais nada, por favor, leiam a Constituição, o direito à liberdade de pensamento, a possibilidade de destituir do cargo os que passam por cima de leis.
Em seguida, exponham aos seus alunos o(s) filósofo (s) e as teses filosóficas que ele (s) defende(m). Verão que não há um sequer com visão unilateral, nenhum deles falseia justamente a crítica, quer dizer, pensar, refletir, defender ideias e conceitos pelo uso da razão.
E, ao defender com argumentos seu pensamento, suas propostas, sabe que há outros que pensam diferentemente. Não irá ofendê-los, ouvirá o outro, e prosseguirá na defesa de sua visão, de sua escola. Não porque tenha certeza de que possui a verdade, mas porque é filósofo, ama o saber.

sábado, 27 de agosto de 2016

A fabricação de imagens nas redes sociais

Até Sísifo se sentiria mal com a avalanche de imagens de si próprio nas redes sociais.
Postar o que se faz, o beijinho, a comidinha sendo preparada, o sorriso, o muxoxo, as idas e vindas, lugar para onde a pessoa foi, onde está, o que está fazendo, a incansável e medíocre informação acerca de ninharias.
Todos precisam saber o que está acontecendo com todos, o tempo todo!
Fiz isso, fiz aquilo e publico, publico, publico...
Qual o real interesse? Exposição, publicidade, gracinhas, selfies até não mais poder, isso parece que satisfaz desejos e prazeres, que são momentâneos pois em seguida vem o esquecimento.
O anonimato, a impessoalidade, a discrição e a modéstia são substituídos pela exposição permanente, pelos egos, pelo exibicionismo, pelo enaltecimento de si.

Impossível condenar ou rejeitar o papel importantíssimo das redes sociais como informação relevante, como facilitação da comunicação, como meio de integração e de valores, entre eles a amizade.

Mas na maioria das postagens não é disso que se trata, e sim satisfazer a curiosidade, tratar do lugar comum como se fosse de grande importância, o que a pessoa é pouco importa, vale muito mais sua aparência para os outros.
A diferença entre ser e parecer se vê diante de um abismo!

Sem apelar para velhas dicotomias como a de que ser vale mais do que parecer, pois para a filosofia essa diferença é bastante problemática, entretanto, a contraposição entre um e outro ganha um novo patamar nas constantes atualizações nas redes sociais de tudo o que se fez, nada escapa, a privacidade deve e pode ser invadida.
A veracidade e a verossimilhança são dispensáveis.

***
Um exercício de imaginação: será que filósofos como Kant, Wittgenstein ou até mesmo Foucault usariam desses recursos? 
Kant almoçando? Wittgenstein postando fotos de sua cabana na Noruega? Foucault pesquisando nas bibliotecas?

Talvez eles indagassem: Qual o real valor das informações? A avalanche de imagens preenche o vazio existencial?

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Saber ganhar, saber perder

Há algumas lições a serem relembradas por ocasião das olimpíadas no Brasil, especialmente com relação às virtudes clássicas que Aristóteles listou em sua ética.
Entre elas a da coragem, coragem moral e coragem física. Quando o atleta persiste em seus treinos, e se ele tem vontade, determinação e capacidade para isso, quer vencer. Ele sabe que o risco é também perder.
Estes esportes e jogos remetem à Grécia Clássica, homens jovens (parece que as mulheres só começaram a "existir" no século XX) eram educados por meio de exercícios físicos, capacidade de lutar, e também intelectualmente. "Os deuses não concederam aos homens nenhuma das coisas belas e boas sem fadiga e estudos (...); se desejares ter um corpo forte, deves habituá-lo a obedecer à mente e exercitá-lo com fadigas e suores" (Xenofonte, Memorabilia).
Esses sábios conselhos resumem o modo como ginastas, esportistas e atletas agem, o grau de exigência de si, sua luta para superar dificuldades.
Um dos pontos fortes do modo grego de ser, de sua prática cotidiana, de sua ética, era o domínio de si mesmo, tão importante quanto a moderação, o meio termo.
E para obter o domínio de si, fundamental é a educação do jovem, a experiência com os revezes, com as dificuldades, a fim de se fortalecer. Nada disso vale sem a profunda reflexão, como perguntar: "o que eu penso, o que eu desejo, o que eu posso conseguir?"

Além do domínio sobre si mesmo, a outra virtude necessária ao atleta e sua educação/formação, é a coragem. Não entendida como bravata, como enaltecimento, e sim como o meio termo entre o medo e a confiança excessiva. A coragem, segundo Aristóteles em Ética a Nicômaco, é uma disposição do caráter, ela é nobre e nobre sua finalidade, distinta tanto do medo dos covardes, quanto do bravo que diz nada temer. Isso porque o corajoso enfrenta, suporta, se esforça mesmo diante de golpes dolorosos. Praticar a virtude da coragem é difícil, altamente compensado com o fim conquistado, e Aristóteles cita como exemplo os soldados e o atletas.
Tão importante quanto as virtudes do caráter, são as virtudes intelectuais, como a sabedoria e a compreensão, ou seja, saber avaliar e julgar. Se estas últimas virtudes acompanharem o atleta, tanto maior será seu valor. 

E hoje? Há pouca reflexão sobre o real valor da competição nos esportes e no atletismo. A cultura de um povo parece ora incentivar, ora relegar a segundo plano vencer em jogos e esportes.
Ao lado de tradição, se juntam incentivo e capacitação técnica, cada vez mais aprimorada.
Isso sem falar das políticas públicas, no Brasil praticamente inexistentes...

Quem sabe ganhar tem noção exata da medida de seus esforços e de sua capacidade.
Saber ganhar
Os que não sabem perder desconhecem a capacidade do(s) outro(s) e ignoram seus próprios limites.
Saber perder

PS: a torcida que vaia não se comporta como público educado para assistir e incentivar, vibrar e saber calar. Comporta-se como turba, como multidão ululante e ignorante.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Escola é para ensinar e aprender, nem com partido e nem sem partido

Há décadas os alunos que se formam nos cursos de licenciatura, em especial Pedagogia, Sociologia e História, devem se adequar a uma linha de pesquisa, a do marxismo, a da dialética, a gramsciana. 
Seus trabalhos, dissertações e teses seguem as noções de que a história é a dos oprimidos, que desde os gregos e romanos há uma divisão de classes sociais, e que o capitalismo é intrinsecamente prejudicial, deve ser substituído pelo socialismo, que os povos indígenas e os pobres representam a salvação da sociedade, que a exploração capitalista é a mãe de todos os males, que as lutas devem se pautar pelo banimento do capital, do investimento estrangeiro, que o FMI e a política norte-americana impedem que a pobreza seja erradicada, que a propriedade privada seja distribuída, que a escola seja o lugar dos ensinamentos de Paulo Freire.
Essa linha dura da esquerda se confronta com outra linha dura, a da direita. Ela prega o inverso: que igualdade nunca será alcançada, que as diferenças entre classes sociais são desprezíveis, que o indivíduo está acima das classes. Seu princípio é o do conservadorismo: Deus, pátria, família.

Ora, educar por uma ou outra dessas tendência não é educar, é influenciar segundo uma doutrina, um tipo de pensamento que evita o confronto com a história, com os acontecimentos, com as ideias. Impede o argumento, a liberdade que o professor deve exigir para si, a cabeça arejada, livre das amarras doutrinárias sejam elas a de que produzir é explorar, ou a de que basta empreender, investir, lucrar a qualquer preço.
Estudos sérios da história, da sociedade e da economia nacional e a história das sociedades como um todo, são raros, é preciso que novas gerações façam um esforço nesse sentido, E como? Por meio da pesquisa de fontes, checando a idoneidade delas, pelo estudo sério e comprometido com o aprendizado, e sempre com liberdade para criticar, para apontar eventuais erros, e, principalmente entender que não há a verdade.
O que move a história dos povos e nações não é exclusivamente o interesse econômico, nem os valores sacramentados da cultura branca, europeia, elitista.
O poder não tem dono, seja um partido político, sejam as classes superiores que impõem valores como se fossem intocáveis.
Somos povo, somos povos, somos diversos, nosso bem maior é a autonomia, a capacidade de decidir de acordo com princípios que passaram pelo crivo das leis, dos direitos, da liberdade de expressar ideias e valores, da discussão pública dos mesmos.
O descrito acima requer democracia, espaço público de discussão, a qual depende de informação, de conteúdo sério, de livre comunicação, de investimento na educação. A função primordial das escolas é formar pessoas aptas e educadas, e não gado a ser conduzido. Que os professores precisam vir capacitados a lidar com crianças, adolescentes e jovens, os quais não são rebanho a ser conduzido cegamente por uma ideologia ou doutrina. Que é preciso informar, capacitar, exercitar o poder de agir, de elucidar, de entender que em toda sociedade há fatores econômicos (trabalho, capital, investimento, produção), fatores sociais (educação, regras de convivência, possibilidade de ascensão social, liberdade de pensamento), fatores políticos (partidos, leis, direito, governo, a harmonia e o respeito entre os três poderes).
Professores não devem se submeter à bibliografia de seu orientador (linha de pesquisa de orientação marxista/gramsciana), nem devem ser submetidos a regras de conduta obrigatórias penduradas em sua sala de aula (proposta do movimento "escola sem partido").

terça-feira, 5 de julho de 2016

Filosofia como terapia contra as seduções da linguagem

A função terapêutica da filosofia pode ser entendida como consolo, solução às dúvidas, esclarecimento, limpeza da mente quando o filósofo nos conduz a um tipo de repouso da alma. Não aquele repouso que as religiões e a meditação alcançam, e sim o da tranquilidade que as reflexões acerca de nós, nossa vida, nosso ser, o sentido de nossa existência abrem novos caminhos, mesmo que não se chegue às respostas.
Se a filosofia sobretudo indaga, as religiões e a meditação transcendental sossegam, pois não devem gerar dúvida nem conflito.
Em compensação, as perguntas de estilo filosófico exigem muito menos da emoção e bastante do intelecto, da inteligência curiosa, do estudo dos mais eminentes filósofos, das próprias questões que muitas vezes postulamos.

Mas, se a filosofia como terapia for entendida no sentido de Wittgenstein, as exigências costumeiras da reflexão filosófica devem, ao contrário do exposto acima, ser elididas e no lugar de refletir sobre o ser em geral (metafísica), sobre nossa existência, sobre o conhecer, o saber, o que é o real, o que é verdade, certeza, Deus, o mundo, a totalidade dos seres, Witgenstein surpreende:
Não temos e nem precisamos desse tipo de problemática, nosso modo de vida, nossas formas de vida aprenderam a linguagem, a lidar com ela e simultaneamente com tudo o que nos cerca em nosso dia a dia. 
O filósofo vienense se debruça sobre o uso normal da linguagem, os jogos de linguagem e desse modo dissolve questões ao invés de resolvê-las.
(1889-1951)
O que é o ser? Faça a seguinte experiência: como você usa no trato da linguagem, que foi aprendida e que só faz sentido nesses usos, o verbo ser, ou o substantivo ser. 
Se você conversa com alguém e pergunta, o que é isso ou aquilo, se você ensina a uma criança a diferença entre seres vivos e seres inanimados, se você adverte que é preciso ser responsável, se você em uma aula de filosofia expõe a natureza do ser para certo filósofo, isso mostra que há diversos e diferentes usos do termo ser.
Desse modo, entendendo que o problemático uma vez contextualizado pelos usos habituais de jogos de linguagem, se dissolve, o que pode parecer inócuo e decepcionante, se transforma com a terapia filosófica de Wittgenstein. Ela pode significar um modo novo e interessante de encarar justamente, sua própria vida, seu destino, o que é inalcançável e que não poderemos nunca compreender (mistério que envolve o começo, as causas, a divindade, o fim de tudo, e muitas questões metafísicas) e dá-se então uma reviravolta no tipo de vida e de vivência: tristeza, alegria, frustrações, realizações, passam a caber em outro molde após a terapia. 
Reduzir as questões filosóficas ao modo cotidiano e mesmo banal de nossas formas de vida, significa aceitar que somos nós mesmos os produtores dos meios que nos levam àquelas questões. Quer dizer, sem a linguagem aprendida, sem os meios culturais nos quais ela se forja, não teríamos como alcançar inclusive a tranquilidade da reflexão filosófica, que mencionamos no início. Mas com uma nova visão, uma nova perspectiva, a nossa, a humana, tudo muda de figura.
"Mesmo o mais poderoso telescópio requer para seu uso a medida do olho humano".
"Um enigma filosófico surge quando se tem uma morfologia limitada dos usos da linguagem"
"Um conceito é uma técnica de uso de uma palavra" 
"Pensamentos que estão em paz, é a isso que a reflexão filosófica almeja"
(Wittgenstein)

quinta-feira, 16 de junho de 2016

O extremismo religioso, refúgio de covardes

Após o odioso massacre de Orlando, absurdo, preconceituoso e, especialmente cruel, cuja repercussão fala por si só, - houve o assassinato de um casal de policiais, na cidadezinha de Magnanville, região de Île de France, com apenas 6000 habitantes. Foi no dia 13 de junho (2016).
Trata-se também de radical islamita, Larossi Abdalla, que já havia sido preso por radicalização e que, na prisão insuflou rebeliões em prol de suas crenças e ideias absurdas, pregação de que somente sua seita tem razão, todos a ela devem se submeter, e morte a quem ousar ser livre, diferente, afirmar seu modo de vida e de pensamento.
O que surpreende, como grande parte dos moradores da pequena cidade foram unânimes em desabafar, é que não podiam compreender o ato, uma senhora chegou a observar, que se fosse em Paris, até seria esperado, mas porque ali? Como entender que alguém esfaqueie o casal, por serem policiais?! Larossi saiu deixando os corpos dos pais junto ao filho de três anos!
Os policiais franceses tomaram uma atitude, exigir do sindicato portarem armas o tempo todo e em qualquer lugar. 
Isso significa que um "lobo solitário", a mando do Exército Islâmico (Isis) venha a assassinar toda e qualquer pessoa, seja ou não uma autoridade, divirja ou não de sua "fé", pois nem mesmo muçulmanos estão a salvo, e essa pessoa pode estar em qualquer lugar. 
Outra questão: punir como, se o terrorista nasceu nos EUA ou na Europa, tem cidadania, estudou, tem família, como descobrir onde estão as células, quem são os aliciados, como detê-los?
Impossível!
Criar uma Guantánamo na França como se cogitou? Injusto e inviável, açodaria ainda mais os dispostos a tudo em nome de um exército de desvairados, que matam muito mais na Síria.
E que dizer da complacência e mesmo apoio financeiro da Arábia Saudita? Os xeiques nadam em dinheiro e luxo, fruto do petróleo, e devem rir dos atentados. 
Por que se calam os países atingidos pelo terrorismo e não condenam os mandatários da Arábia Saudita?!
Se o petróleo financia o radicalismo islâmico, que se busquem outros fornecedores, energia alternativa, ou outro meio. O terrível é deixar xeiques (note-se a omissão da Rússia), sabotarem os valores das culturas e civilizações onde há liberdade religiosa, política, onde mulheres podem estudar, as diversas religiões podem ser praticadas, onde cada indivíduo pode escolher seu modo de viver e de educar seus filhos.


segunda-feira, 6 de junho de 2016

Sobre cultura, sociedade e filosofia

Corações e mentes se inflamaram com a incorporação do Ministério da Cultura pelo Ministério da Educação. Dificilmente se vê toda uma classe de intelectuais, produtores culturais, artistas tão unidos em protesto por uma causa tão polêmica.
Até que ponto é necessário um ministério para firmar a importância da cultura? A quem interessa esse tipo de prestígio? No governo Dilma a verba para o MinC minguava mês a mês sem que artistas e seus seguidores protestassem...
Vejamos o que está em jogo: a volta de um ministério dedicado à cultura apaziguou os ânimos de muitos que sinceramente acham que o prestígio da cultura e da arte automaticamente automaticamente restaurado.
É preciso perguntar: qual é o papel da cultura na sociedade brasileira atual? Quais são os produtos culturais que requerem verba do governo federal? Como aplicar a lei Rouanet com critérios condizentes? Quem julga o projeto merecedor de verba?
Teatro, dança, música, literatura, cinema, preservação do patrimônio público e museus raramente interessam ao investidor privado (não é o caso em países desenvolvidos), a menos que haja retorno garantido, como em publicidade.
A iniciativa particular nos setores acima descritos, por exemplo, uma escola de balé ou de teatro, cobrará de seus alunos. Qual o alcance desses empreendimentos? Pouco, raro e caro.
Por isso, uma orquestra, como a do Teatro Guaíra em Curitiba, precisa de verba pública, no Brasil há pouquíssimos mecenas.
Somos um país dependente do governo. Não há iniciativa, luta e garra para obter patrocínio de empresas de um modo contínuo e que não dependa de subsídios.
Desse modo, a produção cultural se vê amarrada a certos apadrinhamentos, a certa política, a certos governos.

Ora, a abertura para atrair produtos de melhor qualidade, educar o público para apreciar e participar mais e com continuidade, engajar escolas, universidades, organizações não governamentais em projetos com alcance maior, é isso que faz a ponte entre cultura e sociedade. Sem esquecer que cultura é a identidade de um povo, sua marca. 


Um dos principais representantes da tribo Terena, afirmou com sabedoria: "Eu posso ser você, sem deixar de ser eu", quer dizer, a cultura dos índios pode assimilar produtos, sem que eles percam sua identidade.

"Cultura é como uma grande organização que assinala a cada um de seus membros um lugar onde ele pode trabalhar no espírito do todo", escreveu Wittgenstein.

Cultura não é, portanto, o pensamento oficial, não pode e nem deve passar pelo filtro de um partido político, de aprovação ideológica, ou pior, de disseminação de certa ideologia política. Esses filtros funcionam como trava à liberdade de criação, ao espaço para o pensar diverso, para a divergência, sem patrulha. Ainda Wittgenstein: "dogmas impedem a livre expressão de toda opinião, é como se eles fossem um peso atado às pernas que travam a liberdade de movimento".

Assim, se a cultura de um povo depender de seus ídolos, de seus apaniguados, de certos artistas com prestígio e com verba governamental, não é cultura. Esses "intelectuais" se aninham no poder, no dinheiro público, nas mídias sociais para, todo sorrisos, permanecerem com seu status.

Em sua dimensão filosófica, a cultura é muito mais séria e com resultados muito mais amplos: de que perspectiva o escritor, o cineasta, o cantor, o violinista da orquestra, a bailarina atuam?
A criação artística e cultural não nasce espontaneamente, precisa ser cultivada. E o que sustenta a produção de arte senão a própria sociedade educada, tanto pela educação formal, como pela informal? Não há cultura sem educação, nem educação sem cultura.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Universalismo X Contextualismo

Tomemos dois filósofos contemporâneos, Habermas, para argumentar pró universalismo, e R. Rorty, para argumentar pró contextualismo.
O pano de fundo de ambos é a modernidade, entendida no sentido histórico de época em que há uma separação entre arte, religião e política, e em que a moral e o direito são exercidos com base em princípios e não na autoridade de um governante supremo. Na modernidade surgem as empresas capitalistas, há uma regulamentação do trabalho, em que passa a contar a produtividade. Cidades se expandem e o comércio se internacionaliza. A ciência progride, e a educação adota critérios formais, como: avaliações, séries, didática, conteúdos programáticos, democratização e universalização.
Habermas considera que não vivemos na pós-modernidade, pois o projeto emancipatório não se esgotou, a liberdade e a democracia ainda são a chave para superação da opressão.
(1929 -vivo e atuante)
Ele critica essa postura derrotista dos pós-modernos, sem cair no pressuposto iluminista de que a razão liberta, de que o sujeito é autor absoluto de seu destino. Essas filosofias do sujeito, ou da consciência, começam e terminam no ego. Ora, o sujeito voltado para si, fica impedido de agir, de sair de si, sua razão se fecha. O novo modelo para Habermas é o da intersubjetividade, que é social, ativa, participativa. Não é possível confiar ingenuamente na razão e nem desconfiar dela por se ver submetida a forças, ao poder.
A crítica da razão não se faz sem que sujeitos se defrontem, se confrontem, estabeleçam para si regras em que ganhem autonomia, apostar na irracionalidade ou na negação radical impede que a própria racionalidade faça a crítica do mito, dos jogos de poder, da ideologia. Que racionalidade é essa?
A da razão comunicativa, aberta pela linguagem em seus atos de fala que possibilitam atingir verdade e objetividade, sem prescindir de veracidade e autenticidade pessoal, juntamente com a prática de normas acordadas pela sociedade democrática.
(1931-2007)
Para Rorty, entrar em diálogo comunicativo com os critérios a que todos os partícipes atendem, ou seja, a validação dos resultados da ação comunicativa que visa entendimento, encontra sérios obstáculos. A sociedade atual é plural, há permanente conflito e discordância, impossível que haja um critério universal para justificar todos os embates sociais e culturais. Para Rorty, as práticas de justificação e validação de juízos de valor são locais, o horizonte linguístico de comunidades é seu contexto, e é nele e com ele que se fazem afirmações e se as justifica. A linguagem, com a cultura, as crenças e os valores aceitos bastam para atender ao critério de coerência de nossas afirmações.

Qual dos dois filósofos tem razão?
A pergunta está mal colocada, não há que dar razão a um ou a outro e sim mostrar o quanto as duas perspectivas satisfazem o saber, isto é, se com elas a Filosofia se enriquece e abre novos horizontes.
Habermas não nega a importância do contexto social e cultural em que a razão comunicativa se exerce, pois ela depende da ação, da busca cooperativa da verdade, de argumentos. E esses são extraídos localmente, mas sua validação exige que o seja para todos, a verdade pode ser contestada, se as condições para ela são satisfeitas ou não, mas dela não se prescinde. 
Se olharmos para o conturbado mundo atual, então Rorty fornece certas chaves para entender que diálogos situados, contextualizados que sirvam à justificação podem prescindir da verdade, o conceito de verdade é supérfluo, o mais importante é a tolerância, a liberalidade, o antidogmatismo.

Ambos contribuem para o enriquecimento da Filosofia. E mais, uma posição não anula necessariamente a outra, tanto Habermas quanto Rorty condenam a violência, o terror, a alienação pelas forças imperativas do poder político ditatorial e do mercado sempre que seus efeitos se agigantam e fogem do controle de normas e das garantias do direito em sociedades democráticas.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

A ética da responsabilidade social e política

É possível ignorar e deixar passar em brancas nuvens acontecimentos próximos ou em locais distantes, relativos à vida social, à situação política, econômica e mesmo moral?
Infelizmente sim, para grande parte da humanidade que afirma: "não tenho nada a ver com isso..." e desligam sua consciência moral, política, social. Deixam que outros se ocupem e se preocupem, "Eu vou cuidar de minha própria vida".
Engajamento, militância, extremismo, paixão cega por um partido, grupo social, ideologia política, seria o outro lado da moeda. Não a indiferença e o absenteísmo, mas pregar, influenciar, passar por cima de argumentos, deixar de lado a análise atenta e honesta em nome de um credo político, muitas vezes disfarce para tirar proveito da situação.
Assim, a ética da responsabilidade pleiteia o meio termo, no meio está a sabedoria, já ensinam filósofos como Aristóteles. O equilíbrio e a equanimidade levam a aderir a causas, posicionar-se e responsabilizar-se diante de injustiças, crimes, desvios da legalidade, corrupção das autoridades que lesam o patrimônio público e burlam regras essenciais a sua profissão e cargo, em nível mais amplo. E em nível mais restrito, devemos nos indignar com as faltas e falhas tidas como menores, como burlar regras de trânsito, pichar, sujar, destruir o patrimônio público e privado.

A condição primeira da ética da responsabilidade é a informação fidedigna, pois ignorar ou distorcer acontecimentos impossibilita responder adequadamente aos erros e desvios, como denunciar e exigir respaldo e reparos a esses erros e injustiças se não se conhece o que realmente ocorreu?
Veracidade, legitimidade, respeito às normas que foram acordadas por todos em estados democráticos de direito, apuração da verdade, exigência de discussão pública e argumentação sustentada pela busca incansável do bem comum, isso tudo é indispensável! São também condições da ética da responsabilidade ouvir as partes interessadas, capacidade de justificar e estender os resultados a todos os interessados, a chamada universalização, isto é, o máximo de pessoas julgando, agindo e transformando a sociedade com respeito ao bem comum.

Ao lado do poder da informação, a outra base necessária dessa ética é a educação. A responsabilidade é ainda maior e mais grave quando se trata de educar, de construir a personalidade, de capacitar para a vida em sociedade, de instrumentalizar para o exercício de uma atividade. E esses deveres dos professores e dos que propõem as políticas educacionais são cruciais, são indispensáveis. Inaceitáveis são a negligência, a indiferença ou o outro extremo, considerar que se pode imprimir na cabeça de crianças e adolescentes uma "história" falseada imposta como se impõe uma cartilha: não há outro lado, não há divergência, só o amém ao desgastado discurso de classe social, de luta de classes, de que o capitalismo é o mal por excelência. 
Ora, é a maior das irresponsabilidades éticas incutir a noção fácil de digerir de que a pobreza e a desigualdade social são fruto dos empresários e capitalistas gananciosos...
Uma análise criteriosa da história não só a nossa, do Brasil, mas a da Europa, da Ásia, da África, portam elementos diversos, impossível reduzi-la à luta de classes, discurso esse que endeusa o Estado, que justifica ditaduras, que desconhece propositadamente os ciclos e movimentos complexos da história.
Não é preciso ser marxista nem gramsciano para reconhecer que há pobreza, miséria, violência, que educação universal e de qualidade inexiste.
Mas é preciso ação, preocupação, responsabilidade principalmente do poder público para tomar iniciativas que minorem a injustiça social. Produzir riqueza é o melhor meio para reduzir a pobreza.

terça-feira, 29 de março de 2016

A finalidade da Filosofia

Situar a pessoa em seu tempo e lugar, habilitar para o pensar que generaliza, amplia, abre horizontes, mais e melhor do que outro tipo de conhecimento, a Filosofia é capaz. Se você já se pegou dizendo, "Como não pensei nisso antes?!", sugere revelação, um novo modo de encarar algo banal ou espetacular, um ângulo diferente, uma perspectiva renovadora que pode transformar o modo de viver e de agir.
Como isso se dá?
Em grande medida pelo estudo dos filósofos, suas ideias, seus conceitos, seus métodos, suas posições diante dos enigmas e questões que eles propõem, e das respostas que oferecem à nossa reflexão.
Será possível, além disso, aprender Filosofia de forma sistemática, quer dizer, como se aprende outras disciplinas como Geografia, Física, Matemática?
Há filósofos dogmáticos, estes consideram que a missão filosófica seja doutrinar, não a busca de um método ou caminho e sim trilhar apenas um único caminho. 
Outros como Sócrates, Platão e Aristóteles diriam que isso é impraticável, que o diálogo entre mestre e discípulos, que a transmissão do saber e o ensino mesmo da Filosofia se dá em uma relação do que ignora com aquele que sabe, e do que sabe considerando-se também como aprendiz. 

O problema é que compreender o pensamento de grande parte dos filósofos é difícil. Quantas vezes já ouvi que "Filosofia é muito difícil, muito abstrata!"
Sim, é, daí a importância da dedicação dos professores ao seu estudo, que requer paciência, tempo, afinidade com o modo de os filósofos escreverem e apresentarem suas propostas, seu modo de ver, de conceituar, de expor suas ideias. O professor precisa se fazer entender, atingir seus alunos despertando-lhes a curiosidade, levando-os a insights, levantando questões de suas vidas e de suas vivências imediatas. A partir daí vai para o mais abstrato, pois é preciso abstrair, formular conceitos, deixar-lhes despertos para os ensinamentos dos filósofos.
O professor de Filosofia não é mais o instrutor, o ideólogo, o propagador de uma doutrina, de um sistema filosófico como se este fosse o verdadeiro e todos os outros falsos.
Os próprios conceitos como os de verdade, de doutrina, de ideologia, de verdadeiro/falso devem ser apresentados por meio do que importantes filósofos propuseram.

Mas, quais filósofos escolher? Como se mede a importância deles?
Evidente que os livros de História da Filosofia são um meio adequado. O que não significa abordar toda a História da Filosofia, isso seria improdutivo, seria como  assistir ao desfile dos filósofos sem apreciar devidamente seu pensamento.
Assim, o professor deve ser criterioso, não atender simplesmente ao seu gosto pessoal e sim à importância de cada pensador. Que o mestre evite apresentar apenas o filósofo abordado em sua tese e deixe os demais de lado...
A leitura dos textos originais juntamente com os comentadores é um passo importante. Há que descomplicar a complexidade dos conceitos e ideias, sem banalizar. 
Um exemplo, apresentar o conceito de "verdade" por meio da filosofia grega clássica e contrastar com um filósofo moderno e outro contemporâneo. Verdade como saída da ignorância (Platão, o mito da caverna); verdade como certeza, evidência, clareza (Descartes); verdade nos diferentes jogos de linguagem usados no cotidiano (Wittgenstein).

Preparo, estudo, honestidade intelectual, com esses meios o professor atinge a finalidade da Filosofia: explorar os caminhos do pensamento e semear ideias e conceitos.

sábado, 19 de março de 2016

Habermas e o lulopetismo

Em sua teoria da ação comunicativa, Habermas destaca duas possibilidades: a de argumentar oferecendo razões e respaldo na realidade, na sociedade e nas relações interpessoais (razão comunicativa); segunda possibilidade é a da razão estratégica, que visa convencer, obter determinado fim, seja no campo econômico, seja no campo político.
Pois bem, o lulopetismo jamais visou atender às expectativas sociais e normativas, e sim diretamente o poder, não o do povo brasileiro e sim o de seu partido, o PT. Tudo bem, visar o poder político, via eleições em um Brasil que finalmente chegara ao estado democrático de direito. 
O problema, grave, foi ter visado fins políticos por meios ilícitos, de pura e simples corrupção, dilapidação de empresas públicas, em conluio com parlamentares (mensalão) e, o que só há dois anos veio à luz com a operação Lavajato. Esta revelou que o conluio era maior, uma teia envolvendo empresários, parlamentares, diretores da Petrobras e quem sabe de quantas mais? Belo Monte? Furnas? Angra?
O toma lá, dá cá tinha um inspirador, Lula, justamente aquele de quem se esperaria atitudes de probidade, de veracidade, de normatividade que deveriam permear o exercício honesto e limpo do poder.
O projeto de poder do lulopetismo era outro, a permanência no poder, o cala boca das camadas mais pobres e ignorantes, fáceis de manobrar com alguma esmola, sindicatos cujas lideranças dependem de subserviência de seus membros, e, justificando tudo isso, uma classe de intelectuais formada nas universidades.
Vejamos esta última, a classe de intelectuais de esquerda, leitores (será que leram mesmo?) de Marx e Gramsci, predominam em universidades, especialmente as públicas. Seus papers, seus alunos e seus orientandos, seguem o unipensar, o pensamento em bloco, rígido, que propagou um ideário da divisão da sociedade em classes, que culpabilizou o FMI, os bancos, a livre iniciativa, a propriedade privada que demonizou o capitalismo.
Mas observem o seguinte: os movimentos sociais almejam ser proprietários, nem que seja expulsando proprietários legítimos (MST). O projeto de casas populares, o que são elas se não propriedade privada? 
Os servos dessa cegueira ideológica se reúnem e gritam palavras de ordem, desprezam os argumentos, as razões, as investigações. Pobres intelectuais, zero de pensamento crítico e independente, e pior, isso se esparrama nos livros didáticos, no discurso dos sindicatos de classe, até os movimentos sociais justos se veem arrastados nessa maré. 
Além da cegueira ideológica, que os impede de ver a realidade social, política e econômica (estrago nas contas públicas, endividamento, inflação, desemprego, perda da solidez monetária arduamente conquistada), há a surdez para as evidências que desmontaram o esquema de corrupção no qual teríamos permanecido se não fossem investigadas tanto a corrupção como os corruptores.
***
Um público educado requer informação honesta, fontes fidedignas, diálogo baseado em argumentos, calcado na verdade objetiva, na lealdade entre cidadãos, nas normas sociais. Razão comunicativa, portanto. 
A razão estratégica funciona para vender e comprar, para convencer e obter apoio político, ela é necessária às sociedades modernas como um todo, mas estas resvalariam para ditaduras e regimes de força se a razão comunicativa for prejudicada ou até mesmo alijada.

É que, quando se trata de diálogo, de democracia e de justiça, não pode haver travas. É preciso abertura, coragem, dar satisfação de seus atos, ser honesto, visar o bem comum.

Chegar a acordos, a consenso, é próprio das democracias avançadas, que usam a razão comunicativa, os argumentos para obter: entendimento que forma o saber cultural, a educação; o cumprimento de normas sociais que integram todos os membros de uma sociedade (não somos bandos e sim cidadãos em uma democracia, em que vige o estado de direito, com leis e regras); finalmente, em questão estão as pessoas, cada qual com sua personalidade desenvolvida e constituída pelo caráter, pelo respeito e pela dignidade.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Orquídeas no meu quintal

Seria ótimo se não houvesse necessidade de um "dia internacional da mulher", mas infelizmente ainda há.
Sabe-se e pouco se faz contra a violência à mulher (física, moral, mental) em várias culturas. Proibição de dirigir, de trabalhar, de ir à escola, de conservar íntegra sua sexualidade. Isso causa sofrimento e rebaixamento da condição feminina.
Em países ocidentais, nosso inclusive, há ainda um autoritarismo ora explícito, ora velado: mulheres ganham menos, cabe  elas "se virarem" com os filhos, se ganham mais que o marido, são humilhadas de outras formas.
Não há, da parte dos homens nada parecido com "a condição masculina". Civilizações há milênios atribuíram ao masculino, ao másculo, ao pater familiae o comando da casa, dos bens, a eles sempre foi dado o papel condutor, nos negócios e na guerra.
Os papéis femininos se restringiam à casa e aos filhos. Mudanças foram muito recentes, e elas precisam ser lembradas e postas em prática por nós mulheres o tempo todo, sem descanso.
O trabalho da mulher, dentro de casa precisa ser compartilhado e fora de casa precisa ser valorizado. 
Pois bem, tudo isso é mais do que sabido. 
Por que, então, ainda há discriminação?
Veja-se o caso da Filosofia. A quase absoluta ausência de mulheres na história da filosofia indica que o fator educacional pesa consideravelmente. As meninas frequentam a escola há muito pouco tempo. A geração que nasceu no início do século 20, no máximo estudava o antigo primário. Poucas desbravavam as universidades, e isso era visto como ponto pacífico.
A modernidade trouxe comodidades que aliviam o peso do trabalho doméstico, os filhos podem ser cuidados desde cedo por instituições, e isso, aos poucos foi alçando a mulher à condição de produtora.
Assim, educação, informação, trabalho, muito trabalho, permitem que o papel e a voz feminina tenham seu lugar, e nesse lugar não se exigem privilégios e sim reconhecimento.

Tomo as orquídeas que florescem em meu quintal no mês de março como homenagem à condição feminina, que muda e conquista terreno, e ao mesmo tempo se sente bem e confortável em seu corpo e beleza.

sábado, 5 de março de 2016

"Alétheia" e Lula

Muito feliz, muito apropriada a designação da 24a. fase da operação Lava Jato. "... traduzirmos a palavra alétheia por 'desvelamento' no lugar de 'verdade'", é segundo Heidegger mais adequado, representa a noção de que o ser desvelado permite que o ente (tudo o que "existe", por assim dizer) se manifeste, se abra e revele nosso comportamento, nossa existência, nossa liberdade. É um deixar que aquilo que é, seja o que é.

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E na manhã do dia 04 de março de 2016, finalmente o cerco chegou ao chefe, um ex-presidente. Tão logo se soube que Lula deveria depor, a militância lulista/petista foi convocada. E se apresentou para defender o indefensável, para encobrir com palavras de ordem e uma indignação que revela o grau de dependência ideológica ao discurso de que o salvador da pátria está acima de julgamento.
Vociferar diante de uma plateia arrebatada por um líder que os enganou, é fácil, e também perigoso. Lula diante do ter que revelar-se, escondeu-se para iludir, enganar, aproveitar-se de grupos e movimentos sectários que apenas esperam palavras de ordem e rejeitam todo e qualquer tipo de julgamento baseado em razões, em evidências, no desvelamento do que ele e as super empresas fizeram, de como uma empresa sólida foi dilapidada em benefício de poder, de barganha, de sujeição das instituições democráticas ao desejo imperioso de Lula de permanência no comando de todo um país, de toda uma nação!
Aos poucos o castelo foi ruindo. Uma pessoa medíocre foi imposta por Lula em uma eleição eivada de mentira e propaganda terrorista, obra do mago João Santana, a presidenta Dilma, que foi leniente com a roubalheira. Deve cair juntamente com seu chefe. 

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Assim, verdade, no sentido de alétheia, leva a desvelar, enfrentar, deixar que a liberdade de ser ressurja e tome efeito:
"Porque a verdade é a liberdade em sua essência, o homem historial pode também, deixando que o ente seja, não deixá-lo ser naquilo que ele é, e assim como ele é", diz Hiedegger em Sobre a essência da verdade
Traduzindo, os homens, ao longo da história, podem tornar o ente, a manifestação do ser de todas as coisas, em algo fútil, meramente utilizável, que se esconde, inautêntico, nivelado, simplista, dissimulado.
Em um país no qual há instituições sólidas, democracia, estado de direito, uma república com cidadãos de bem, que pagam seus impostos, mesmo deles pouco usufruindo -, as mentiras, as barganhas, a propina, a compra de parlamentares, a compra do silêncio, a desqualificação sumária de pessoas que denunciam a corrupção, tudo isso precisa ser evidenciado, trazido à luz, revelado. 

Alétheia, gritemos todos nós!

domingo, 28 de fevereiro de 2016

"Ex-machina, instinto artificial", um filme filosófico

O filme do diretor Alex Garland, "Ex-machina, instinto artificial" (2015) é um desses filmes que o professor de Filosofia pode usar para debater questões como, inteligência artificial, diálogo homem/máquina, o poder da inteligência humana, a relação entre linguagem, mente, sentimentos, sexualidade, como nosso cérebro funciona, entre outras. Acrescente-se, um ótimo entretenimento, prende o espectador do começo ao fim.
Sendo ficção científica, mas sem a parafernália de seres de outro planeta, guerras interplanetárias, espaço sideral, poderosos veículos espaciais -, o filme é um convite à reflexão.
Cenário, uma casa comandada por computador, onde um cientista estilo Steve Jobs se isola para criar robôs femininas, que deveriam poder interagir com humanos, sob todos os aspectos, sensibilidade, inclusive a sexual, com vontade própria, compreensão inteligente da linguagem a ponto de dialogar e mesmo contestar o funcionário de sua poderosa indústria de programação inteligente, que é convidado (e obrigado) a testar a robô. O modelo a seguir seria o teste de Turing, quer dizer, seria a máquina tão ou mais inteligente do que o homem?
Como foi possível criar o cérebro de uma robô, cuja máscara é a de uma linda jovem? Até onde o incrível número de dados armazenados em seu cérebro seria capaz de reagir inclusive a emoções, planejamento, ter desejos, compreender o outro e suas intenções?

E o que intriga, como nós mesmos, nosso cérebro, nossas mentes funcionam? Como a linguagem se origina, e seu papel fundamental para todas as nossas ações, que, em sua maioria são atos de fala? Ao mesmo tempo, como criamos sensibilidade para arte, para as sensações? Qual a importância da liberdade de ir e vir, deixar de ser um autômato, e se transformar em um ser autônomo, capaz de agir de acordo exclusivamente com sua própria determinação?
E ainda, discutir o poder e o alcance da tecnologia, se um dia seremos suplantados por robôs, que, no entanto, são criação humana? Criador X Criatura, quem vence?
Finalmente, o que é "ser humano"?
Notem que Wittgenstein é citado, há referência à obra de artistas como Pollock, a questão de se nascemos com competência para falar ou se desenvolvemos tal capacidade com o meio e a educação (sem que o diretor mencione, trata-se de Chomsky e sua tese do inatismo, em contraposição à tese de que o cérebro nada executa sem o meio em que somos criados).
E o professor que vir o filme com seus alunos poderá levantar outras questões, sem precisar se preocupar com "cenas fortes", proibidas para menores, pois não as há.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Paradoxos da Filosofia

Ser e pensar, assim o filósofo pode resumir sua atitude e sua atividade filosófica. Ele é aquele que reflete, quer dizer, para pensar é preciso ser, estar em presença de si para alçar às questões mais gerais e fundamentais da Filosofia.
Isso sempre fez sentido até que a pergunta sobre o uso, a utilidade e a importância da Filosofia fossem alvo de críticas, e mesmo de anulação da atividade filosófica. Quer se filosofe, quer não, tudo permanece o mesmo, diriam. Afirmar que todas as coisas se movem (Heráclito) ou que todos os seres precisam de permanência (Parmênides), conduz a uma contradição. Concordar com um leva a discordar de outro. Assim a Filosofia paralisa o pensar, se auto destrói pelo efeito de escolas de pensamento distintas. Qual teria razão, qual seria a verdadeira?
O outro argumento que conduz a um paradoxo, é mais atual: exige voltar-se para o cotidiano, para nossos atos e nisso se dissolvem todos os grandes problemas metafísicos, como "o que é mesmo a essência de todos os seres?" Essa pergunta não faz sentido, não se encontra um contexto para ela. Daí o paradoxo, se para filosofar é preciso contextualizar, e os contextos remetem ao uso normal da linguagem, entra-se no beco sem saída da filosofia, ao menos para Wittgenstein. Usa-se a Filosofia para sair da Filosofia, ou na imagem de Wittgenstein, usa-se a escada do argumento filosófico e ao chegar às conclusões, abandona-se a Filosofia.
Para sair da Filosofia, é preciso filosofar, negá-la é, ainda, refletir, ou seja, usa-se o filosofar para negar o sentido dos problemas metafísicos e ontológicos. Trata-se de um paradoxo: ao argumentar que "Ser", "pensar", "absoluto", "essência", etc. não fazem sentido, é preciso de qualquer modo refletir, e refletir é a atitude por excelência da Filosofia.
Como ficamos, então? Nesses casos paradoxais, o que resta ao filósofo?
Filósofos empregam seus esforços de abstração, de conceituação, de questionamento, mesmo sabendo que o risco é o de redução ao absurdo de sua problemática. Assim, a Filosofia vive, pois dilemas, contradições, paradoxos fazem parte da atividade filosófica. Impossível renunciar a ela sem filosofar, impossível analisar a vida, a linguagem, o mundo, a existência, a história humana, os valores, o próprio sentido de tudo isso, sem a atitude filosófica.
Quem nunca parou para pensar no fato da existência humana em um solitário planeta no espaço infinito?
Quem nunca parou para pensar em sua própria vida, na morte, no valor das lutas do dia a dia?
Desistir, enfrentar, levar adiante, observar, explicar, analisar, atribuir sentido, descobrir o sentido, e, de vez em quando iluminar sua existência com a luz do saber, em maior ou menor medida, todos fazemos isso.
Talvez esteja aí o sentido da Filosofia, talvez aí sua importância pedagógica e cultural.
Os filósofos são difíceis? Sim, mas podem ajudar nesse caminho de uma reflexão que não caia no vazio, nas ideologias fáceis, nas soluções óbvias.
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Questão filosófica:
Que sentido faz a Filosofia para um jovem sírio na arrasada cidade de Aleppo?!

Quem quiser ou puder, responda...