quarta-feira, 27 de julho de 2011

O Hitler da Noruega

Não há limite nítido nem um critério razoável para se avaliar as motivações que levaram Breivik à matança generalizada em Oslo e na ilha de Utoya.
Fanatismo fruto de uma ideologia de extrema direita, renascimento da direita nazi-fascista em uma Europa que rejeita imigrantes, em especial africanos e muçulmanos, diagnóstico de insanidade (monstro moral incapaz de empatia) - são alguns dos juízos de avaliação/dignóstico para tentar compreender, mas nunca justificar o ato brutal.
Como é possível que uma sociedade avançada e pacífica, democrática, em que o acesso à educação de qualidade é uma conquista de há muito tempo, tenha produzido esse filhote de Hitler?
Se fosse em país pobre, com baixo índice de desenvolvimento humano, social e econômico, provavelmente essas seriam as justificativas. Não é o caso da Noruega.
Foi por ideologia? Breivik escreveu livremente um compêndio de 1500 páginas, espécie de diário on line insuflando uma revolução da direita contra o marxismo, contra o islamismo, contra os imigrantes, contra os governantes do partido trabalhista, contra a democracia.
Ideologias são formações políticas baseadas em ideias e propostas às quais é preciso aderir e pelas quais é preciso lutar, de alguma maneira, e também propagar. Breivik seguiu todos os passos dessa cartilha. A ironia da situação é que diferentes ideologias podem e devem contrapor-se no cenário democrático. Quer dizer, se não houvesse uma esfera pública com liberdade e que assegura a representatividade, seriam todos prejudicados. Não se pode impedir o livre acesso aos meios para a mobilização política. 
O autor dos massacres pode ser incluído no rol de cidadão com direitos? E quando cultivou e propagou uma ideologia predadora, e nenhuma voz se ouviu que o criticasse? Controle e censura, até que ponto são aceitáveis e/ou necessários?

Terrorista loiro em uniforme militar, sem véus ou turbantes...
Quanto ao renascimento do nazi-facismo na Europa e nos EUA por meio de partidos de direita extremista, sabe-se que Breivik foi filiado a um deles. Portanto, mais um vez, a própria sociedade democrática não tem meios legais de barrar a implantação e o crescimento desses partidos. Cabe informar o eleitor para que, pelo seu voto e opinião, exclua o extremismo, seja de direita ou de esquerda.
E que dizer das análises do advogado do sorridente Breivik? Em declaração para a imprensa, o advogado afirma que após horas de reflexão resolveu aceitar a defesa do criminoso que não demonstra nenhum arrependimento, e até mesmo não estava suficientemente satisfeito com o resultado. Queria mais, as mortes eram "necessárias". É difícil explicar esse tipo de comportamento, afirma o advogado, "ele se considera um combatente, e em guerra é isso mesmo que se faz, mata-se o inimigo". Ele acha que Breivik pode ser considerado louco, "mas ainda é cedo para saber"...
O inimigo no caso foram jovens escolhidos estrategicamente, ilhados e indefesos. A polícia fora mobilizada duas horas antes para atender a explosão no centro de Oslo, demorou para agir, tal o inusitado dos pedidos de socorro. Vestido com uniforme da polícia, o matador tinha farta e devastadora munição, seu objetivo era matar o máximo de jovens para ter a mesma fama de Hitler, disse ele. 
Lição 1: fanáticos podem surgir em qualquer tipo de sociedade.
Lição 2: não há como prever seus ataques.
Lição 3: paradoxo da liberdade: se democracias barrarem a livre representação, deixam de ser democráticas. Se não punirem, vigiarem e aumentarem a segurança põem em risco a vida de inocentes, mas perdem enquanto sociedades abertas. 
Lição 4: psiquiatrizar o criminoso, diagnosticá-lo como louco e incapaz de julgamento moral não deve servir como parâmetro para julgar, pois desse modo se anula a responsabilidade das "escolhas" cruéis do fanatismo que acabam neutralizadas pela psiquiatria forense.

domingo, 17 de julho de 2011

Algumas (boas) razões para viver bem

Não faltam receitas e conselhos para viver bem. Em geral se referem à saúde física e mental. A maioria das pessoas já leu sobre isso, há fartura de livros de auto-ajuda, sites, informação na TV e nos jornais: faça exercício, procure seu médico, não se estresse, durma, coma isso e não aquilo, etc.
Mesmo a filosofia tem sido usada com esses propósitos.
É possível, entretanto, apontar para campos pouco explorados, com ajuda de alguns filósofos.
No século I de nossa era os estóicos, filósofos romanos, se voltam para a vida concreta, para os valores que ensejam aceitação, simplicidade, confiança, sobriedade, moderação. Há que desprezar o caráter fraco, "bestial, infantil, indolente, desleal, de histrião, de mercador, de tirano", escreve Marco Aurélio, "a vida é breve; é preciso desfrutar o presente com prudência e justiça, ser sóbrio folgando", nada de ficar lastimando, ser como o promontório que permanece firme com o vai e vem das ondas.
Difícil, em uma sociedade que prega o sucesso a qualquer preço e o imediatismo. Resolver tudo já, cumprir metas, devorar e devolver, de preferência sem precisar pensar muito.
É pena, deveríamos ter as malas prontas para partir, o navio mesmo longe, um dia chega. Mas para ir embora é melhor estar leve, não precisamos de bagagem alguma...
Outros filósofos ensinam a desconfiar de mitos, de crenças arraigadas, riem dos presunçosos e criticam as pessoas que se têm alta conta. A meta que os orgulhosos perseguem é a glória. Mas também o oposto, crer-se inferior ao que se vale, é viver na sombra, de sobras.
Montaigne (século 16) não teme ferir os orgulhosos e nem teme desprezar os fracos e subalternos. Chegar à velhice, aceitar doenças, sem temor. "É impossível que alguém tenha descanso enquanto temer a morte", diz ele. (Ilustração de Dali para "Ensaios" de Montaigne)

O homem oscila entre a animalidade e a racionalidade. Não se deve ignorar nem uma nem a outra: semelhança com os animais e ao mesmo tempo capaz de grandeza; algo de monstruoso (vilanias e violência), algo de gradioso (criatividade e atos livres). É isso que Pascal (século 17) chama de "duplicidade do homem". Talvez levar em conta essas facetas e disparidades sirva para mostrar porque ainda há fome no Sudão e fartura em shoppings. "Praça de alimentação" não é algo bizarro?


Alargar o horizonte e ver mais longe, praticar virtudes sem esnobismo, aprender com a análise de situações e do que nos cerca, crer sem exigir dos outros que também creiam, ver a partir de novas perspectivas tudo aquilo com que se está habituado; estranhar e indagar; saber quando parar; considerar que cada pessoa tem sua própria vida; livrar-se da ignorância, a melhor forma de cultivar a liberdade.
Essas são algumas das boas razões para vidas mais satisfatórias.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Porque Wittgenstein é considerado um gênio da filosofia

Considerar alguém como gênio pode parecer exagêro ou muita pretensão, além do que pode sugerir uma avaliação métrica da inteligência.
Consideremos gênio, então, aquele que inova, que revoluciona, que transforma nossa maneira de ver, de pensar e de agir. Nesse sentido, Wittgenstein, é senão gênio, pelo menos genial!   mansão da família
Nascido em Viena (1889-1951)), de família riquísssima, seu pai era industrial e foi dos poucos que não perderam a fortuna no período de guerra. Música, artes plásticas, educação refinada, a casa frequentada por artistas e intelectuais, dois irmãos excelentes músicos, mas havia o outro lado: todos sofriam a pressão do pai para seguir carreira na engenharia e o sucederem na sua indústria.
Ludwigg frequentou a escola técnica, mas em seu íntimo não cessava de indagar, o que se é, o dever de ser verdadeiro, como se tornar um excelente ser humano. Mais tarde abriu mão de sua herança, e passou a vida de forma quase ascética.
O caminho em direção à filosofia seria o mais apropriado para realizar objetivos estritos do pensar e do agir, manifestados na lógica e na ética.
Como expressar o pensamento e como chegar à justeza da ética? O primeiro, pela linguagem. Ela estrutura todas as possibilidades de dizer com sentido, com propriedade, podendo projetar tudo o que pode ocorrer no mundo e pode ser dito. Ele chega assim, ao limite do pensável. Ser ético é algo inteiramente diverso, depende apenas de sua força interior, pois valores éticos não podem ser verificados, eles são vivenciados.
E Ludwigg Wittgenstein foi além: o que faço quando falo? Não expresso estados de coisa do mundo, nem dou nome às coisas, nem apenas me refiro a algo. Eu ajo. Sim, falar é ação e não expressão do pensamento.
Em nossas formas de vida, ao longo de todo o aprimoramento social, vital, cultural, crianças aprendem a dar nomes às coisas, a chamar alguém, a entender histórias, a distinguir cores, a usar a tabuada, a calcular, a distinguir o que é correto dizer em que circunstâncias, a empregar critérios, a decifrar signos e sinais, a perceber tal coisa como reta ou curva, que algo pode ocorrer em dado instante, que coisas podem se suceder uma após outra, que há o ver aspectos, ler para si, ler em voz alta, etc. etc. Não há "o" mental, mas operações diversas, atividades, comportamentos que requerem linguagem. Os jogos de linguagem.
Ao mesmo tempo nos são dadas certas imagens, certas concepções nas quais acreditamos, nas quais confiamos ou não, que servem de marcas, de parâmetros.
Procurar um fundamento? Só quando for o caso.
Trazer a filosofia para o cotidiano, retirá-la do mundo platônico, pôr nossas dúvidas e buscas no solo áspero do dia a dia. E o que se revela? Paisagens humanas, tudo o que se construiu, aspectos diversos.
Sua sede de infinito cessou. Nem Deus, diz ele, se precisasse calcular, poderia chegar ao infinito. Uma ação sem fim é impossível, assim como uma proposição sem sentido. Como dizer o sem sentido?
Cabana que servia de refúgio nos fiordes da Noruega
É impossível. O mundo faz sentido para nós e isso é terapêutico.