quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O clamor por justiça

Segue-se a todo tipo de tragédia o pleito por justiça dos que sofreram suas consequências. Muitas vezes as pessoas prejudicadas, até mesmo com a morte de alguém próximo e querido, clamam por justiça publicamente, e silenciam sobre seu intenso sofrimento íntimo.
E que justiça pedem? A da área pública, do direito, que as leis se cumpram e que haja punição. Isso raramente acontece.
Por que então, essa unanimidade em exigir justiça?
Justiça implica em reparação do dano, o que provavelmente consola. Justiça implica em perda de um bem do acusado (dinheiro, com multa; prisão, com perda da liberdade), que a culpa seja reconhecida publicamente, e que o equilíbrio anterior ao delito seja recuperado, ou seja, que cesse pelo menos no terreno moral e legal o ato prejudicial.
***
Vejamos três filósofos da antiguidade clássica e como entendiam a justiça:
Sócrates foi injustiçado, e a injustiça veio de um tribunal constituído por membros que representavam as dez tribos de Atenas e condenou Sócrates à morte. Como pode um sábio ser condenado sem que tivesse cometido crime algum? Sócrates incomodava com suas ideias e seu modo de vida, desapegado de bens materiais, dedicado apenas à educação e à formação da juventude. Os jovens o admiravam, o seguiam, ouviam-no e o respeitavam. Qual era seu método? Questionar tudo e todos, inclusive os poderosos. Para Platão a justiça existe apenas se cada classe social ocupar sua devida função, o seu dever, o que melhor se ajustar à natureza de cada um. Todos cumprindo suas obrigações o Estado é justo e feliz. Onde houver injustiça, no indivíduo ou no Estado, haverá tumulto, falta de controle, desarmonia. A justiça garante a cada um o que lhe é devido, ela assegura o exercício da atividade para a qual se é mais apto  e que lhe cabe no Estado. É injusto o Estado em que uma classe pretender se sobressair às outras, ou pretender ser mais feliz que as outras. As leis foram feitas para estabelecer o bem de todos.  O bom governante segue as leis.

Para Aristóteles, as sociedades nasceram da reunião de várias aldeias, organizadas para a conservação da vida e para a busca do bem estar. Esse modo de organizar é próprio à espécie humana, sendo “o homem naturalmente feito para a sociedade política”, diz Aristóteles em A Política. Uns precisam dos outros, o homem civilizado, vivendo em sociedade, criou leis e justiça.


***
Quando é que o conceito de justiça sai do âmbito político, em que ela serve a todos, é a virtude do bom governo e do bom governante? Quando é que ela fica circunscrita ao âmbito das leis e do direito? A grande mudança se deu com as sociedades modernas que precisam e devem preservar a vida.

A concepção moderna de justiça muito deve a Rousseau, a sociedade nasce quando o equilíbrio do estado de natureza é rompido com o surgimento da posse: isso é meu, diz o mais forte. O restabelecimento do equilíbrio, ou seja, a justiça, irá depender de leis para todos os cidadãos, surge o direito  civil em consonância com a vontade geral, pela qual as formas de associação defendem as pessoas e seus bens.


É esse sentimento de cidadania que se tem hoje, nos percebemos como pessoas jurídicas, contribuidores por meio de impostos, com direito a voz e voto, esses são os esteios do que se entende por justiça. É mais do que sociedade equilibrada, mais do que se exige de um bom governante, é a restauração de uma perda que poderia ser evitada se leis fossem cumpridas, se regras constituídas para defesa da vida fossem seguidasEssa violação do direito à vida, à tão propalada segurança (ver postagem anterior) é que causa tanta indignação e que deixa as pessoas à descoberto, como que à deriva.


PS: esta postagem é uma homenagem às recentes vítimas da inércia e incompetência do poder público, e da ganância de alguns.


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Sociedades de segurança e sua relação com o tempo futuro

As sociedades modernas não se limitam a vigiar e punir, a usar aparelhos e instituições de encarceramento, de aprendizagem, de moldagem do comportamento. As sociedades modernas dependem de sistemas de segurança. Não apenas exércitos e armamentos, estes são milenares. Exército, informação, a necessidade de proteção e de prevenção, seja de um ataque terrorista, de um bando de assaltantes, de um acidente com meio de transporte de massa, ao deixar seu filho na escola, ao transitar de carro, ônibus ou mesmo a pé - em todas essas situações e em inúmeras outras, há a preocupação com segurança.

Não importa quantos recursos para prover e prevenir perigo, de onde ele vier, um vírus ou um tsunami, um acidente de carro ou uma invasão de hackers, tais perigos permanecem e mesmo aumentam.

Em nenhuma época histórica houve tanta disponibilidade tecnológica para dominar o futuro e garantir segurança. Mas em nenhuma outra época os meios para destruir, matar, prejudicar estiveram ao alcance de tantas organizações e grupos. Uma criança é treinada para matar, um adolescente encontra armas em sua própria casa e mata crianças, um motorista desatento fere ou mata, o contrabando de drogas e armas é incontrolável e alimentado por consumidores que se safam e viciados cuja vida se animaliza.




Paradoxalmente, as sociedades modernas são sociedades de segurança. Para governar e manter populações inteiras sob controle, portanto, pressupondo o domínio futuro dessas vidas individual e coletivamente, governos investem necessariamente em saúde, em sistemas que assegurem o comércio e transporte de pessoas e mercadorias. Investimentos precisam ser seguros, há seguro para tudo, pago, é claro; e tudo precisa ser seguro: o automóvel, o elevador, o prédio, o remédio, o brinquedo infantil, o computador livre de vírus, a comida e a bebida, e a lista é longa. Casas com cerca elétrica, câmeras, corpos e pertences revistados em aeroportos, em estádios de futebol; detectores de metal em certos países, para entrar em teatros, em museus e em atrações turísticas.

Nunca o futuro foi objeto de tantos instrumentos e recursos para funcionar exatamente como previsto.

Mas, evidentemente o futuro nos escapa. O futuro será, ainda não é... 

Por mais que satélites e projeções estatísticas prevejam que tal ou tal acontecimento se dará desse ou daquele modo, o imprevisível acontece, como é mais do que sabido. E justamente por isso, se reforçam todos os meios para evitar o imprevisível.

Esquecemos como é viver abandonando-se ao presente, ao correr e fluir das coisas. O futuro não é mais considerado o incerto, o futuro precisa ser dominado, a qualquer custo. O que leva à dependência da ação humana de confiar, de contar que tudo se dê como planejado. E o círculo se fecha.

Ousadia, coragem e fatalismo são atributos que ficaram no passado.