domingo, 8 de dezembro de 2019

A Filosofia na era tecnológica

Muito se tem falado de inteligência artificial, mesmo porquê sem ela hoje a comunicação e diversas atividades travariam.
Com alunos antenados o tempo todo, com a mídia social penetrando em nossas vidas, com a foto instantânea de situações, fatos e pessoas, com a permanência por horas e horas diante das telas, algo que eu mesma faço neste momento, a pergunta é:
Ainda faz sentido o aprendizado por meio do exclusivo raciocínio, comunicação verbal face a face, escrita de textos e leitura deles?
Sim, mais do que nunca, especialmente na educação infantil, de adolescentes e jovens, e de todo aquele que quiser ou precisar entender nossa própria trajetória, a da humanidade e de sua história.
Sem aparatos tecnológicos foi criada uma herança e um legado histórico que não se perdeu e que nos serve até hoje como ensinamento. Me refiro aos filósofos, historiadores, escritores, artistas, cientistas. A lista desses personagens é longa, mas provavelmente poucos conhecem e menos ainda compreendem e usam desse legado.

Daí a importância do ensino de Filosofia, História, Geografia. Ensinar por meio de textos que recuperem o pensamento e, ao mesmo tempo, sirvam para contrastar com nossa época.
Que tal propor aos alunos no Ensino Médio, por exemplo, estudar e dramatizar em sala de aula o diálogo sobre a condenação de Sócrates? 
O vocabulário, os conceitos, as questões que surgirem podem servir para o debate, como: qual é o sentido da morte? qual é o sentido da justiça?

E quanto ao público em geral, aqueles que não mais frequentam escolas, e sim o ambiente de trabalho?
Sem tempo, na correria do dia a dia, quando jornais são publicados on-line, onde e para que serviriam textos clássicos?!
É sabido que com exceção de uns poucos países, a cultura, a história, a filosofia estão em segundo plano, e isso quando têm ainda alguma representatividade. Por isso mesmo, o período escolar, de aprendizagem, deve repercutir ao longo da vida adulta.

***

Quanto à inteligência artificial, a dúvida é se um robô poderia ensinar a pensar, seria capaz de conduzir nossa sensibilidade para a fruição poética? Poderia um artefato tecnológico substituir um(a) professor(a)?
Creio que não, pois o que nos faz pensar, o que nos inspira é ilimitado, somos criativos e criadores, a linguagem pode ter infinitos usos. Infelizmente há professores que mais parecem robôs, repetidores em aulas mecânicas, e isso é o avesso do que se entende por  educação.
Evidentemente, na era tecnológica a Filosofia pode se valer de meios ágeis como este de um blog e chegar a mais pessoas. Sem esquecer, no entanto, que robôs são programados por humanos, dificilmente poderão contextualizar, levar adiante o pensamento com conclusões, resolver questões éticas, decidir diante de dilemas, capacitar para a empatia.

A tecnologia deve e pode ajudar, mas um professor dedicado e bem preparado continua a ser imprescindível.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Qual o sentido da Filosofia para Heidegger


O texto abaixo é um extrato de meu livro que será publicado em janeiro/fevereiro de 2020.

"A questão primordial da metafísica ainda é a mesma: 'Por que há o ente e não antes o nada?', mas as respostas de Heidegger ao mesmo tempo são novas e remetem aos primórdios da Filosofia. Em O que é Metafísica? o ponto central é a experiência do nada, muito diferente do “não”, o ente se mostra envolto em mistério, o nada vem ao mundo por meio do próprio homem. Na Universidade de Freiburg, em 1935 ele volta àquela questão primordial, que surge “como uma badalada surda” (HEIDEGGER, 1966, p. 37). Não é a primeira questão da metafísica cronologicamente, porém é a mais importante, profunda e original. Ela abrange todo o ente, e se limita pelo nada. Em certo sentido atinge até mesmo o nada, na expressão “é” nada.
 Ir ao fundamento e indagar “por que” é uma investigação do próprio homem. Nesse nosso planeta, este grão perdido no espaço, nós insignificantes criaturas não seríamos apenas uma pulsação nesse tempo e espaço? Qual o sentido de perguntar por que? Quer perguntemos ou não, quer obtenhamos respostas ou não, nada disso altera o curso do universo. Mas, ao ser posta como questão fundamental, não há como fugir dela.
 Até mesmo para os crentes em Deus e na Bíblia, a fé não impede de questionar sobre a adoção da doutrina. Que a Bíblia mesma responde. Heidegger considera a filosofia cristã um ferro de madeira, não se pode filosofar em matéria de fé, estas estão no domínio da teologia.
A reflexão filosófica é inesgotável, ela se desloca sempre, sem esse deslocar haveria satisfação completa o que acaba com o questionamento, pode virar uma moda, mas não seria verdadeira filosofia. Ao contrário da ciência e da técnica, não há aplicação da Filosofia técnica ou prática para o dia a dia, se bem que o pensar filosófico pode ligar-se à história de um povo. A própria existência histórica do homem inclui a filosofia entre suas necessidades autônomas, criativas. Ao interrogar os fundamentos, o homem também se interroga, orienta seu próprio ser, sem imposições para sua ação. Ao perguntar pela essência um povo é conduzido por caminhos de um saber, o do espírito desse povo. A filosofia pode também ajudar a construir uma cultura, uma visão de mundo, pode levar a ciência a refletir sobre seus pressupostos e assim restituir Ser ao ente, conduzir ao saber e às obras vitais da história de um povo. 
Para Heidegger a filosofia não tem uso imediato, não se presta para nos transformar, ela transcende o ordinário. “Filosofar é investigar o extraordinário”, diz ele (1966, p. 50), sem caminho pronto, nem respostas prontas, até o investigar é investigado, um salto para o mistério, para o extraordinário.
Essas exigências de Heidegger o levaram para o nascimento da Filosofia, para os primeiros filósofos, os gregos e sua primordial noção de physis traduzível impropriamente por “natureza”. A palavra significa algo mais forte, o brotar, o manifestar, o vigor dominante, tudo o que se desvela, desde a pedra até os homens e os deuses, é o extrair, o conservar-se e o vir a ser. Algo grandioso esse começo da Filosofia, que Aristóteles mudou para o conceito de substância. Com isso o conceito de physis perdeu sua força originária e passou a se opor a techne que é o saber prático, de produção, e mais tarde ficou restrito ao conceito de ente natural. Assim, a metafísica ganhou o sentido de reflexão para além do ente: meta ta physika. Heidegger não visou um simples retorno ao pensamento grego, mas pensar os gregos em sentido ainda mais radical, no vigor do aparecer, de seu pensar o inédito e o inaudito. A mensagem do homem é tentar desvelar os limites do ilimitado, mas o mistério inevitavelmente persiste."