sábado, 26 de fevereiro de 2011

Sentido e significado

Palavras significam algo para alguém em certo contexto de fala. Se alguém diz "Bom dia" há vários sentidos em que essas palavras que significam cumprimento ou saudação podem ser empregadas. É possível, pois, distinguir entre o significado das palavras tal como em geral são dicionarizadas, e o sentido com que são empregadas.
Essa expressão, "bom dia", pode ser dita para animar alguém, para acordar alguém, no teatro, podem ser o título de um artigo de jornal, podem ser repetidas por um gravador. A cada vez em que são enunciadas expressões de uma língua, seu sentido, quer dizer, a leitura que delas é feita, varia conforme o contexto de fala.
É por isso que a linguagem cotidiana é tão rica e tão maleável. Vem daí uma disputa, creio eu não resolvida, entre os linguistas que consideram haver uma diferença entre o sentido literal e o sentido contextual, e outros para os quais essa diferença é impossível de ser estabelecida.
Realmente, como saber que "o gato está sobre o capacho" tem um sentido literal de animal felino doméstico estendido sobre um tapete que geralmente fica na porta de entrada?!
Ou que alguém quer dizer que o gato que estava desaparecido, voltou e está deitado no capacho velho da garagem...
"Gato" sempre se refere a esse animal? E o moço bonito que é chamado de "gato"? Nomes são empregados como distinguidores. Mas dar nome não é dizer que a coisa é. Ser e significar diferem. Por mais vezes que alguém diga "quero ganhar na loteria", ganhar não depende disso!
Como se vê, os recursos de uma língua são enormes, mas quais são seus limites? É necessário o aprendizado de uma língua, sons (fonemas), palavras, regras formadoras de frases:habilidades aprendidas juntamente com funções cerebrais ativas e ativadas.
A linguagem não tem apenas a função de dar nomes às coisas, nem de servir para referir a algo ou a uma situação da realidade, nem para transmitir o pensamento.
Ela serve para tudo isso, mas o incrível é que o pensamento de certa forma precisa da linguagem. Se e como o cérebro funciona sem ela, não se pode saber, pois precisamos da própria linguagem para testar. E, com isso, o teste já fica prejudicado...
A linguagem é necessária para falar da linguagem, o significado de algo é necessário para explicitar ou dar um sinônimo para aquela expressão. Quando a criança pergunta o significado de uma palavra, ela usa a linguagem, quando o professor ou os pais respondem, também o fazem por meio de palavras.
Não se pode sair da linguagem sem a linguagem, seja a usada por todos os falantes de uma língua, seja pela significação que atribuímos às coisas e fatos os mais diversos com os quais precisamos lidar e interpretar a todo momento, sem perceber que usamos a linguagem.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Paradigma, usos e abusos do conceito

Thomas Kuhn (1922-1996) publicou em 1962 um livro sobre história da ciência A Estrutura da Revoluções Científicas, cujo sucesso e repercussão foram enormes. Ele soluciona um problema crucial para se fazer história da ciência. Desde o nascimento da Física, com Galileu (séculos 16-17) até hoje teria havido um acréscimo de conhecimento, um acúmulo de teorias que aprofundariam o que se sabe sobre a natureza, o movimento, os átomos, a eletricidade, etc.


O problema é que essas teorias mudam, as explicações de Galileu e Newton foram suplantadas pela de Einstein, em muitos aspectos. Então, a teoria que está por vir será verdadeira e a de Einstein falsa? Como é possível trabalhar a partir de uma teoria falsa?


A história da ciência é história dos erros?! Se o historiador considerar que há um acúmulo, um acréscimo de teorias, cada vez mais aproximadas da realidade, tudo o que foi descartado pelos cientistas terá ainda que ser chamado de ciência?


A solução de Kuhn foi mostrar que a ciência não é acúmulo e sim mudança. Mas o que muda?


Os paradigmas é que mudam, isto é, as noções, conceitos, modos de fazer experiência, como e o que coletar para a pesquisa, as técnicas e métodos que se emprega, enfim, tudo o que uma comunidade de cientistas, em certa época, emprega, pode sofrer súbitas mudanças.


Kuhn, ao invés de procurar a causa dessas mudanças, limita-se a analisar o que ele chamou de ciência normal, as diferentes maneiras de resolver problemas, tal como se o cientista estivesse a resolver quebra-cabeças.


Resolvidos os problemas e obstáculos, um novo modo de ver o mundo surge, como resultado do esforço empregado na pesquisa. A nova teoria revoluciona, o novo paradigma consegue um ajuste com a realidade, diferente do paradigma anterior.


Exemplo: para Aristóteles o cosmo é fechado, finito, os astros são esféricos, perfeitos, não há noção de evolução. Para Galileu o cosmo é aberto, os astros se movem e não são esféricos. Ele usa a luneta, cálculos, faz experimentos. Isso é um novo paradigma, que revolucionou a ciência.


As mudanças de paradigma não se dão ao gosto do cientista! Ou devido a suas boas intenções!


Assim, quando se defende (como acontece em várias áreas das ciências humanas) que se deve mudar de paradigma, não se compreendeu o que quis dizer Kuhn.


Em ciências humanas (Sociologia, História) não há acordo quanto a método e objetivo (como e o que pesquisar), portanto, não há paradigma.


Conclusão: não passa de um modismo dizer que é preciso mudar de paradigma, ou quebrar paradigmas.

As tiras acima, são de Benett (Gazeta do Povo). Para melhor visualização busque no Google.

Obs.: se o emprego do termo for o usual, isto é, "paradigma' sinônimo de "modelo", pode-se entender a mudança de paradigma como renovação, mas não como uma revolução, no sentido de Kuhn.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A dialética marxista

Dia desses li um artigo de um professor universitário (Gazeta do Povo) em que ele atribui à divulgação do marxismo, o fato de o samba e outras manisfestações populares, passarem a ser valorizados pela classe alta.
É ainda bastante grande a influência que as ideias marxistas têm no ambiente intelectual e acadêmico de nossas universidades. A que se deve essa força? A dialética marxista, enquanto filosofia, ideologia e método de explicação/avaliação da realidade se justifica?
Resposta à primeira questão: Marx analisou o capitalismo nascente, e mostrou a violência e a injustiça que sofria a classe operária. Conclamou essa classe à luta política por um regime, o socialismo, no qual fábricas, maquinário, produção, distribuição, todo esse processo, estivesse nas mãos do proletariado. A revolução do proletariado seria o fim do capitalismo e o início de uma nova era para a história.
O método de análise do marxismo (de modo geral, pois há diversas correntes dentro do marxismo) é a dialética. A história se move por contradição, isto é, por forças antagônicas que se defrontam no momento em que a situação atinge um ponto máximo, por exemplo, as lutas de classe, e a mudança se dá devido a essa força que nega, que contradiz o momento anterior. O resultado é um novo momento histórico, em que essas contradições e lutas são superadas, são ultrapassadas. A cada ultrapassagem, há uma renovação.
A hipótese é a de que haverá o momento da total renovação, da ausência total de contradição entre o capital e o trabalho, cessarão as lutas de classe quando a classe oprimida detiver trabalho e capital.
Como se vê, a força dessa análise reside na promessa da justiça social pela revolução do proletariado, o que mobilizou boa parte de países europeus desde o início do século 20 e se espalhou a partir da antiga União Soviética para Cuba, China, alguns países africanos e latino-americanos.
Resposta à segunda questão: esse é um método de análise da história que privilegia o confronto de classes. Ora, a história dos povos e culturas se constitui com inúmeros outros fatores. Ainda não se viu o socialismo lidar com o fato de ter que produzir e distribuir com sucesso (o que produzir, com que tipo de mão de obra, a quem vender, como transportar, exportar o que, para quem, importar o que, de quem, etc., etc.). E mais, quem gerencia? Quem de fato porá a mão na massa?
O que se viu foi o poder acabar nas garras do Estado, com burocratas e mandatários por vezes cruéis e banhos de sangue.
A história se constitui por séries de acontecimentos, guerras, lutas pelo poder, opressão, crueldade, mas também por ideais, como pacifismo, libertação, justiça social.
Não é preciso ser marxista para enxergar a opressão. A ideologia da dialética marxista se resume no "acabar com a desigualdade". Como seria uma sociedade com todos iguais? Isso é desejável?
Sempre que se tentou essa pretensa igualdade foram os chefes (portanto, uma "classe") que precisou impor a todos um mesmo tipo de pensamento, de ação e de projeto de vida; e isso com censura e muita propaganda (saíram os ícones da religião ortodoxa na Rússia, e entraram as representações das figuras de Lênin e de Stalin).
Que tal abrir a cabeça de nossos sáuricos intelectuais de esquerda para outros modos de ver e de pensar? Modos de ver e de pensar que exigem, sim, luta permanente por melhoria de condições de vida para um número cada vez maior de pessoas, mas sem o ranço da estreita noção de classe opressora X classe oprimida?
Quanto ao professor intelectualizado citado no início, o que dizer? O samba conquistou espaço pela musicalidade, pela poesia, pela qualidade, e não por que as "classes superiores" , imbuídas de marxismo, passaram a olhar para o povão e decidiram que sambar é legal...