sábado, 18 de março de 2023

Essência e aparência

Um dos conceitos mais importantes da metafísica é o de essência. Mas antes, o que estuda a metafísica? O que há de mais abstrato, de mais fundamental, aquilo que nosso pensamento alcança em última análise, as causas primeiras. Exemplo de essência: na natureza, no cosmo, todas as coisas são compostas de partículas, pequenas substâncias infinitas em grande quantidade, para Demócrito (460-370 a. C.). Outro exemplo: para Aristóteles tudo se compõe de matéria, aquilo de que as coisas são feitas e a forma, o aspecto que os determina.

Voltando ao tema. A essência é a característica necessária, sem essência o ser não se qualifica, não se torna aquilo que ele é, e aquilo pelo qual pode ser conhecido. Em outras palavras, a marca que o distingue, que o individualiza. Qual seria a essência de "casa"? Lugar que abriga pessoas. Importa a aparência? Esta pode variar enormemente: baixa, alta, pequena, térrea, suntuosa, simples.

Os filósofos amam aprofundar as questões (ou complicar as questões?). E assim surgem perguntas, como: uma barraca de morador de rua é "casa"? O palácio de um sultão é "casa"?!

 É nessa hora que a relação entre essência e aparência tem tudo para ficar confusa, embaralhada. 

"Parece, mas não é!"; "Nem tudo o que reluz é ouro"; "As aparências enganam"; "Não julgue pela aparência"...

Os ditos costumeiros indicam que haveria uma essência que a aparência recobre. Que é preciso olhar para "dentro" da coisa, para sua...essência!

Problema: você se veste com simplicidade e entra numa loja sofisticada. O/a atendente te olha, mede você de cima abaixo e não se esforça para vender. A aparência engana ou não? Você decide ir embora, o juízo do vendedor estaria correto? E se você adquire o produto de luxo, caro, o atendente sorri solícito e até embaraçado.

As elucubrações filosóficas passam um pouco longe do cotidiano das pessoas. O que não significa serem elas muito difíceis, talvez desnecessárias. Mas, mergulhar nos ensinamentos dos filósofos nunca é perda de tempo, é preciso paciência, tentar entender e assim abrir horizontes, os horizontes que nos impulsionam, que tornam o problemático e o desconhecido em conceitos, em ideias, em ensinamentos.

A vida, a existência de cada um, nossos propósitos, alegrias e realizações, sofrimento, dor, as dificuldades do dia a dia, as satisfações do dia a dia, somos preenchidos por tudo isso. Em geral, buscamos encontrar a nós mesmos, nossa essência, que expressamos em nossa aparência, ou que escondemos até de nós. 

Não seriam piercings, tatuagens, o modo de vestir, de se produzir, de usar símbolos, cores, algumas maneiras de a aparência revelar a essência?

Porém, usar uma marca famosa, ainda que falsificada, revela o que a respeito da existência humana? Uma falsa essência?!

Melhor para por aqui...

quarta-feira, 8 de março de 2023

Nós mulheres, e o simbolismo das flores

Chegará o dia  em que não precisaremos mais de flores?

Receber flores é um ato lindo, generoso, simbólico. Acho que todas nós agradecemos o gesto. Mas ainda é preciso mais, muito mais...

Vamos à realidade, especialmente a histórica. Data de algumas dezenas de anos o acesso ao trabalho digno, à representação política, voz e voto. Mais recentemente o reconhecimento da capacidade para cargos executivos e governamentais, ainda que lento.

Mas gostaria de me deter na educação, no ensino regular, que foi o impulsionador do acesso amplo ao mundo do trabalho, dos negócios e da responsabilidade social e política.

Me refiro apenas à cultura ocidental, isso porque é bem conhecida a ignóbil situação da mulher em países que seguem seitas, religiões, com atraso gritante quanto aos direitos e papel das mulheres, verdadeiras mordaças as subjugam. Voltando ao Ocidente, de modo geral, basta recuar um pouco para o tempo das avós, no caso de pessoas mais velhas, suas próprias mães e tias, por exemplo. Cursar o primário nas décadas de 30/40 bastava; seriam esposas, mães e donas de casa. Para que estudar? Algumas poucas reivindicaram esse direito hoje indiscutível. Foi a educação que abriu as portas.

Anton Tchekhov (1860-1904), no conto Uma história enfadonha, descreve personagens femininas às quais restava trabalhar em fábricas, serem atrizes ou prostitutas. Diz ele: "A mulher moderna é tão chorosa e rude de coração como na Idade Média. E, a meu ver, agem sensatamente os que lhe aconselham educar-se como os homens". O juízo, à primeira vista chocante, é compreensível. A má impressão se desfaz com o conselho de algo impensável àquela época: a educação no mesmo patamar em que era dada aos homens. É preciso se dar conta disso, direitos, respeito, consideração decorrem da força, do impulso, da qualificação. Degraus duros, mas que foram e continuam sendo imprescindíveis.

Por isso, menos flores e mais reconhecimento e oportunidade.