sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Sociedade esfacelada

 Habermas entende que as sociedades modernas se compõe de duas faces, uma formada e dirigida pela ação comunicativa e a outra formada e dirigida pela ação estratégica.

A ação comunicativa é a que sustenta o mundo da vida, o qual por sua vez se forma com o tripé: sociedade propriamente dita, cultura e personalidade. A ação estratégica sustenta o sistema, formado pelas relações econômicas que visam objetivos de ganho, de sucesso,  a lida com ocorrências, o controle da natureza. São ações que em geral não  requerem interação subjetiva.

Na ação comunicativa os atos de fala, a interação social, a possibilidade de validar o que se afirma, de sustentar valores, de respeito, ética, educação, cultura são permeados pela linguagem, pelos processos de entendimento, pelo diálogo argumentativo.

A modernidade se caracteriza pela progressiva "invasão" dos sistemas econômicos no mundo da vida. Os meios de comunicação se valem cada vez menos da ação mediada pela linguagem, a sociedade sofre um processo de instrumentalização que penetra a vida pessoal, a educação, os valores, a cultura e a ética. 

Nas sociedades modernas a comunicação fica crivada de mensagens da propaganda, com o uso massivo da capacidade de influenciar, de inventar verdades, de falsificar, de deslegitimar, de uso abusivo do poder em todas as esferas. Daí o titulo desta postagem, a sociedade esfacelada.

A distinção entre a ação validável, o saber compartilhado, os ordenamentos de valor, a formação da personalidade entraram no jogo do poder político e do poder econômico. Evidente que estes são parte necessária e fundante da sociedade. O problema, segundo Habermas, com o qual eu concordo, é que o mundo da vida (sociedade, cultura e personalidade) foi colonizado, foi cooptado pelo sistema político e econômico.

A modernização implica a expansão dos processos econômicos e administrativos, mas o que assistimos é a expansão e por vezes o aniquilamento da crítica, da fundamentação e busca de razões, do lema kantiano do esclarecimento, da responsabilização. O resultado é o uso do direito para coagir, a ética é neutralizada, quem se mostra mais e melhor nas redes sociais se impõe e impõe prestígio, e tudo e todos são vendáveis.

Esse é o quadro triste e caótico das eleições presidenciais de 2022, um Brasil polarizado, amedrontado, ameaçado de um lado e de outro. Na balança o voto que se mostre o mais responsável possível. 

Creio que a sociedade brasileira irá resistir às chantagens, às mistificações, às palavras de ordem da esquerda exacerbada e da direita desfocada.


sábado, 1 de outubro de 2022

O fanatismo X engajamento

 O fanatismo cega, distorce, adota o pensamento único, desinforma, visa a adesão sem possibilidade de contestação, de ouvir os outros lados, de respeitar o contraditório. A enorme diversidade de crenças, de posições políticas e partidárias se resumem a um só caminho, eu nem diria caminho pois o fanático não anda, não olha para o lado, acredita que a sua seita é a verdadeira, como se seita e verdade estivessem do mesmo lado.

O fanatismo mata, dias atrás matou uma jovem iraniana que se recusou a usar o véu. E esse é mais um dos problemas que mostra a gravidade do sectarismo: o seguidor deve ser fiel aos símbolos, à letra da doutrina se for uma religião, às obrigações e imposições, sem possibilidade de contestar pois o risco vai de uma expulsão até o castigo físico e moral. 

Os fanáticos tratam os outros como impostores, como infiéis, como inimigos. Se apegam a um livro considerado sagrado cujos "ensinamentos" devem ser lidos ao pé da letra. O que implica em negar toda e qualquer possibilidade de interpretação. Ora, entender, significar, interpretar e contextualizar formam a base racional, intelectual, mental da vida humana em sociedade. 

Esse obscurecimento da razão é que leva às perseguições, ao racismo, à violência, à violação dos princípios morais. São princípios inerentes à liberdade, ao direito à informação fidedigna, à formação educacional, ao direito de ir e vir. Como é possível explicar que sejam espalhadas notícias falsas, fabricadas com a intenção de ludibriar, de atacar? A explicação para quem está do lado racional é uma só, fanatismo, terror, miséria moral.  

O fanático segue seita, já o engajado segue ideias, propostas, causas. O engajado luta por suas ideias que são permeáveis, no sentido de serem comunicáveis, quer dizer, podem e devem ser contestadas ou validadas. O fanático não se comunica, ele se impõe e impõe regras, ele vocifera palavras de ordem.

O engajado discute com base em argumentos retirados da experiência, de visões de mundo, de um aprendizado cujas fontes foram a educação refletida, com valores, com princípios. E isso nada tem de burguês, de privilegiado, de elite. Educar e ser educado é um direito em sociedades abertas. O engajamento requer sociedades abertas, que respeitem direitos, aliás, que tenham estabelecidos esses direitos.

O engajado é livre, pois suas ideias e propostas nasceram da argumentação, do conhecimento, da participação.

O fanático é escravo de suas paixões, não pensa, só reage.

Problema: como enfrentar um fanático se ele se recusa a pensar?!