quarta-feira, 31 de outubro de 2018

O que é verdade para Habermas?

Habermas (1929-     ) no início de sua trajetória filosófica pertenceu à Escola de Frankfurt. Dela se afastou ao introduzir o papel essencial da linguagem, mas linguagem entendida como comunicação ativa com propósitos de entendimento mútuo.
A razão, ao contrário do que pensavam seus ex-colegas de Frankfurt, não se limita a instrumento servil de exploração da natureza. Isso seria sucumbir a uma crítica sem saída da razão. Ora, é possível por meio da razão tanto um uso estratégico com finalidade de atingir objetivos práticos, em especial os do mercado e os da política -, como um uso comunicativo, próprio ao mundo da vida. A finalidade deste último uso é entender-se apenas por meio linguístico, ou melhor, por meio dos atos de fala que podem afirmar ou negar estados de coisa, isto é, obter verdade; atos de fala com valor social, isto é, que atendem normas, expectativas e valores próprios ao convívio na sociedade; atos de fala em que a própria pessoa se empenha, é sincera.
Assim, verdade para Habermas requer a possibilidade de usas esses atos de fala que ampliam o diálogo, eventualmente podem barrar a comunicação, e esse insucesso só é resolvido por meio da própria comunicação. Importa a justificação. Quando se justifica uma afirmação, ou uma negação, um relato, ou outra forma de comunicação, as razões vêm à tona. Assim, argumenta-se para apoiar ou criticar tais razões, pergunta-se com que base é razoável justificar uma postura, um juízo. Isso requer falantes com suficiente informação, formação, capacidade de compreensão, abertura, preparo ético e intelectual.
Falantes não apenas comunicam frases com sentido, tais frases ou atos de fala são empregados em situações determinadas, a um público determinado, com objetivos determinados. 
Os atos de fala atingem assim um patamar que vai além dos recursos semânticos, exige recursos pragmáticos, quer dizer, da ação. A comunicação é ação. A verdade requer essa ação linguística, pragmática, que envolve os atores sociais.
Essa foi a virada pragmática de Habermas.
Nos últimos escritos veio a virada epistemológica. A verdade tem duas mãos, uma assentada na linguagem com seus argumentos e justificações, com um "dar as razões" e outra mão assentada na objetividade de um mundo que é compartilhado. Se digo "a grama é verde", isso tem duas bases: a intenção e o contexto de comunicação, juntamente com a capacidade/possibilidade de constatação no mundo objetivo. O mundo objetivo é esse nosso mundo com fatos, com a realidade constatável porque acessível, filtrada por nossos meios, desde a simples sensação auditiva ou visual, até os aparatos mais sofisticados que servem para atestar ou negar fatos, situações, experimentos. O mundo objetivo é, digamos assim, objetivável, falantes se deparam com situações e fatos e a verdade acerca deles vem da lida com o mundo e da linguagem. 

Verdade não se vende, não se manipula, não se impinge.
Verdade se justifica, se constata, se comunica, se corrige.

domingo, 14 de outubro de 2018

O mundo das ideias de Platão

Quem estudou ou estuda Filosofia, com certeza conhece o mito da caverna de Platão.
O mito ilustra o mundo das ideias, o quão difícil é aceder a ele, as condições para sair da turva caverna e olhar o sol, a Ideia do Bem, acostumar a vista e, imbuído da luz, retornar e ensinar aos que estão presos às ilusões, à sombra, aos "factóides" diríamos hoje, a ver como as coisas são verdadeiramente.
E o que são as coisas, verdadeiramente?
Não como elas surgem a nós, pois esse nosso mundo consta de seres sensíveis, apenas aparência. A essência de cada ser é realizada na ideia sobre seres determinados. Há então uma essência de belo, de bem, e mesmo uma ideia/essência de mesa, de homem, de cão? Sim, se não houvesse ideia que unifica nosso conceito, não poderíamos pensar em algo determinado. As ideias são abstração de entes sensíveis desse nosso mundo feito de coisas efêmeras, que se vão. Se tudo passa, há necessidade de algo que não passa, que seja fixado e esse é um trabalho conceitual.
Mas como chegar aos universais, aos conceitos, às ideias?
Se fosse apenas por meio de comparação, de abstração dos entes deste nosso mundo, seria impossível pensar o mesmo, teríamos apenas nomes gerais e não essências verdadeiras.
Platão recorre mais uma vez aos mitos, a alma conhece antes de habitar um corpo as essências de todas as coisas. Conhecer é recordar tudo o que a alma contemplou antes de ficar presa ao corpo. 

Justamente essa visão de mundo que opõe sensível e mutável, a ideal e imutável, caracteriza o platonismo. Há que ir além do mundo, ou melhor, elaborar um trabalho interior, uma pedagogia do retorno ao inteligível, ao antes sabido, e alcançar a estabilidade e unificação da multiplicidade sensível. Do contrário ficaríamos presa da alma irascível, aquela que lida com coisas e não com ideias.
Pode-se dizer que esse idealismo platônico ainda repercute no pensamento moderno?
Sim, na busca por ideais. Os planos, projetos, intenções nossas, são todos projeções do que gostaríamos de ser ou de alcançar. 
A diferença com relação ao platonismo seria a de que nossos ideais se chocam com a matéria. Partem dela e muitas vezes precisam dela e dá-se uma inversão: a matéria sensível bastaria como ideal?
Há os que nem sequer pensam nisso, a caverna é seu ambiente. E há os que saíram da caverna, viram o sol, e entendem que nosso mundo é intransponível, mas pode e deve ser repensado, criticado. 
Lição a ser aprendida: procurar o bem, levantar o véu das ilusões e dos falsos líderes, esclarecer, lançar a luz sobre os erros, denunciar o corrupto, confiar na justiça. Aliás, a cidade ideal de Platão é aquela em que reina a justiça.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Ideologia de Gênero, o que diria Sócrates a esse respeito?

O que é ideologia?
Um conjunto de crenças, modelos de pensamento, expectativas, valores, comportamento social, que, em conjunto, levam a atitudes e visões de mundo. Nosso modo de ver é sempre embalado por conceitos e noções. Estes podem assumir aspectos pessoais e sociais, que foram aprendidos, inculcados, e, principalmente, que não passam pela razão pensante, como diria Kant. Vale tudo para defender uma ideologia, e hoje se assiste a diversos combates ideológicos nos terrenos da religião, da política, da moralidade e dos costumes. E por incrível que pareça, a ideologia chegou ao território da sexualidade.
O que é gênero?
Em princípio, masculino e feminino. Na prática atualmente, uma diversidade de preferências e comportamentos.
E surgem questões como:
A sexualidade é política ou pessoal? É psicofísica ou genética? É anatômica ou mental?
Em torno a essas questões se debatem profissionais das mais diferentes áreas, desde a educacional até a religiosa, das bandeiras políticas e/ou partidárias, até organizações não governamentais. 

***
Mas, o que tem Sócrates a ver com essa discussão?
O objetivo é mostrar o valor da história, da educação, e por que não, da filosofia. O contraste entre duas culturas inteiramente diferentes sugere que podemos mudar para melhor.
Enquanto nós, modernos, apontamos na direção da sexualidade, Sócrates e os antigos permaneciam no terreno dos prazeres do sexo que não eram nem pecado nem analisados, nem precisavam de psicólogos ou especialistas em sexualidade, nem poderiam ser reduzidos a complexos freudianos, nem ao liberou geral da proposta de Reich e Marcuse que inspirou a geração hippie.
Sócrates e os homens adultos amavam os efebos, com respeito e, como ocorre com todos os outros prazeres não eram julgados moralmente, não entravam no jogo permitido/proibido, nem precisavam do olhar diagnóstico médico/psicológico. Os prazeres deveriam ser modulados, quer dizer, encontrar a justa medida, nem desperdício e nem restrição.
***
Viver sua vida, fazer suas escolhas, seguir o mais satisfatório prazer sem colocá-lo no divã, nem no confessionário, nem na boca acusatória do pastor, nem nas intransigências dos que defendem a ideologia de gênero.
Afinal, é ridícula a dúvida sobre qual plaquinha colocar na porta dos banheiros...