domingo, 28 de novembro de 2021

Platão e a proposta de um rei filósofo

 Os que regem os Estados, os chefes de Estado, no caso do Brasil, o presidente da República, deveriam ser educados para cumprir essa missão. Assim pensava Platão com relação à democracia e à oligarquia atenienses que à sua época haviam se corrompido. Os que governam deveriam ser preparados para exercerem um compromisso essencial à cidade e à política. Para tal o rei, isto é, o mandatário teria que ser educado por filósofos e ele igualmente seria um futuro filósofo, alguém capaz de usar da sabedoria e da justiça. E para ocupar essa posição que exige distribuição da justiça, comportamento ético e verídico, seus mestres filósofos o educariam desde a juventude.

Não há na concepção de Platão nada que lembre elitismo, glorificação ou superioridade de uns apenas e o não reconhecimento de outras funções. A função e o aprendizado devem ser adaptados um ao outro. Aquele que foi educado, preparado e tem a força é quem pode exercer a função de guardião da cidade, mas se esse guardião fosse incumbido de reger a cidade, sem que tenha sido educado para comandar cidadãos, seu governo será fracassado. 

"Ousemos dizer que se devem colocar os filósofos como os mais seguros guardiões do Estado. Pensa porém que eles são poucos" (A República, livro VI). Além de se submeterem a exercícios físicos como os soldados, deveriam ser educados com múltiplos estudos sem esmorecerem.

O próprio Platão fora chamado para instruir o futuro príncipe de Siracusa, sem sucesso, pois acabou por ser condenado e exilado.

Evidente que entre a boa teoria, entre o ideal de um governante justo e bem preparado, e a realidade de Atenas com sua democracia corrompida, a distância era grande. 

A História está repleta de governantes desastrosos, com poucas exceções. A ninguém ocorreria preparar com altos estudos o mandatário de uma nação. Com o voto universal, direito inalienável e justo, o problema são os meios diversos e suscetíveis de manobras, a propaganda paga, por vezes falsa. É muito fácil conduzir a massa, ela é manobrável, pode ser estimulada e incitada para um lado ou outro. O público educado e esclarecido de que falava Kant, além de ser reduzido, se encontra isolado e impotente em face dos recursos infinitos que as mídias e as redes detêm. O modo como se elegem os nossos representantes, e o pior, como eles surgem, como eles se candidatam, o que praticam, como escalam os degraus do poder, lisonja, corrupção, falsidades, são as condições que o poder impõe e dispõe.

Resta sempre a esperança...

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

"O ser humano se tornou coisa entre coisas"

Basta a leitura de algumas páginas de um jornal de algum canto do mundo, basta visitar um site de notícias, ou entrar redes de relacionamento, buscar informação, ler algumas páginas de um livro de História, pode ser da América, da Europa, da Ásia ou da África - e o que poderemos constatar, ao menos por meio de uma reflexão filosófica?

Que o ser humano se tornou coisa entre coisas, esqueceu do ser. Como assim? O ser humano precisa ocupar-se com as coisas, lidar com elas, transformá-las, utilizá-las do contrário ele perece. Sim, imprescindível a necessidade de sobrevivência, e é isso que se vê o tempo todo, em todo lugar. As necessidades não são satisfeitas pela busca do ser, talvez pela busca por liberdade e um pouco menos pela verdade.

Se a questão é a sobrevivência, qual é o sentido dessa afirmação, de termos esquecido do ser e nos tornarmos coisas?

O trabalho ao mesmo tempo em que sustenta, nos aliena. Um exemplo simples e notório: os entregadores que se multiplicaram com a pandemia e que precisam enfrentar o trânsito, lutar contra o tempo e chegar ao destino para ganhar alguns trocados. Faz sentido afirmar que o entregador esqueceu do ser? Nada mais estranho e absurdo, ele precisaria ser filósofo para não esquecer do ser?

Evidente que não. O entregador com sua moto ou bicicleta pertence ao mundo das coisas, dos negócios, do trabalho, da subsistência, faz parte da engrenagem social e econômica. É assim na modernidade muito mais do que em épocas pré-industriais. Nosso compasso é o da medida, da técnica, do consumo, da ultra especialização, do cálculo. Impossível a vida humana sem máquinas e tecnologia. 

Então, mais uma vez, faz algum sentido afirmar como Heidegger que esquecemos do ser? Qual o sentido da vida, ou, em termos conceituais, qual o sentido do ser? Seria a capacidade de ir além, algo como a busca do eterno no homem, esse eterno seria o ser que em meio às coisas nos desperta para a arte, o poético, o brilho nos olhos que vem da inspiração, da invenção, da abertura que deixa entrar certa luz, quando se é tomado pela sensação de uma presença, algum tipo de epifania, quando parece que tudo se ajusta, que o quebra-cabeças foi resolvido. A abertura para o ser é uma sintonia, uma sinfonia, uma revelação

A cada ser humano é dada a possibilidade de entender e de se fazer entender, como pelo grito de protesto, na tomada de uma difícil decisão, ao expor seu sofrimento, ou na explosão de alegria. 

São várias as maneiras de nos integrarmos ao ser, de comemorarmos a vida, de colocarmos o eterno em nossos corações e sair um pouco das engrenagens. Movimentos difíceis e raros. Os obstáculos são os de sempre: poder e cálculo de poder, mentira, violência, crueldade, falsidade, fanatismo. 

Urge abrir horizontes, essa é a questão do ser para Heidegger, é isso que precisa ser compreendido como uma música que soa ao longe e que apenas nós, seres humanos somos capazes de criar e de usufruir.