domingo, 28 de fevereiro de 2016

"Ex-machina, instinto artificial", um filme filosófico

O filme do diretor Alex Garland, "Ex-machina, instinto artificial" (2015) é um desses filmes que o professor de Filosofia pode usar para debater questões como, inteligência artificial, diálogo homem/máquina, o poder da inteligência humana, a relação entre linguagem, mente, sentimentos, sexualidade, como nosso cérebro funciona, entre outras. Acrescente-se, um ótimo entretenimento, prende o espectador do começo ao fim.
Sendo ficção científica, mas sem a parafernália de seres de outro planeta, guerras interplanetárias, espaço sideral, poderosos veículos espaciais -, o filme é um convite à reflexão.
Cenário, uma casa comandada por computador, onde um cientista estilo Steve Jobs se isola para criar robôs femininas, que deveriam poder interagir com humanos, sob todos os aspectos, sensibilidade, inclusive a sexual, com vontade própria, compreensão inteligente da linguagem a ponto de dialogar e mesmo contestar o funcionário de sua poderosa indústria de programação inteligente, que é convidado (e obrigado) a testar a robô. O modelo a seguir seria o teste de Turing, quer dizer, seria a máquina tão ou mais inteligente do que o homem?
Como foi possível criar o cérebro de uma robô, cuja máscara é a de uma linda jovem? Até onde o incrível número de dados armazenados em seu cérebro seria capaz de reagir inclusive a emoções, planejamento, ter desejos, compreender o outro e suas intenções?

E o que intriga, como nós mesmos, nosso cérebro, nossas mentes funcionam? Como a linguagem se origina, e seu papel fundamental para todas as nossas ações, que, em sua maioria são atos de fala? Ao mesmo tempo, como criamos sensibilidade para arte, para as sensações? Qual a importância da liberdade de ir e vir, deixar de ser um autômato, e se transformar em um ser autônomo, capaz de agir de acordo exclusivamente com sua própria determinação?
E ainda, discutir o poder e o alcance da tecnologia, se um dia seremos suplantados por robôs, que, no entanto, são criação humana? Criador X Criatura, quem vence?
Finalmente, o que é "ser humano"?
Notem que Wittgenstein é citado, há referência à obra de artistas como Pollock, a questão de se nascemos com competência para falar ou se desenvolvemos tal capacidade com o meio e a educação (sem que o diretor mencione, trata-se de Chomsky e sua tese do inatismo, em contraposição à tese de que o cérebro nada executa sem o meio em que somos criados).
E o professor que vir o filme com seus alunos poderá levantar outras questões, sem precisar se preocupar com "cenas fortes", proibidas para menores, pois não as há.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Paradoxos da Filosofia

Ser e pensar, assim o filósofo pode resumir sua atitude e sua atividade filosófica. Ele é aquele que reflete, quer dizer, para pensar é preciso ser, estar em presença de si para alçar às questões mais gerais e fundamentais da Filosofia.
Isso sempre fez sentido até que a pergunta sobre o uso, a utilidade e a importância da Filosofia fossem alvo de críticas, e mesmo de anulação da atividade filosófica. Quer se filosofe, quer não, tudo permanece o mesmo, diriam. Afirmar que todas as coisas se movem (Heráclito) ou que todos os seres precisam de permanência (Parmênides), conduz a uma contradição. Concordar com um leva a discordar de outro. Assim a Filosofia paralisa o pensar, se auto destrói pelo efeito de escolas de pensamento distintas. Qual teria razão, qual seria a verdadeira?
O outro argumento que conduz a um paradoxo, é mais atual: exige voltar-se para o cotidiano, para nossos atos e nisso se dissolvem todos os grandes problemas metafísicos, como "o que é mesmo a essência de todos os seres?" Essa pergunta não faz sentido, não se encontra um contexto para ela. Daí o paradoxo, se para filosofar é preciso contextualizar, e os contextos remetem ao uso normal da linguagem, entra-se no beco sem saída da filosofia, ao menos para Wittgenstein. Usa-se a Filosofia para sair da Filosofia, ou na imagem de Wittgenstein, usa-se a escada do argumento filosófico e ao chegar às conclusões, abandona-se a Filosofia.
Para sair da Filosofia, é preciso filosofar, negá-la é, ainda, refletir, ou seja, usa-se o filosofar para negar o sentido dos problemas metafísicos e ontológicos. Trata-se de um paradoxo: ao argumentar que "Ser", "pensar", "absoluto", "essência", etc. não fazem sentido, é preciso de qualquer modo refletir, e refletir é a atitude por excelência da Filosofia.
Como ficamos, então? Nesses casos paradoxais, o que resta ao filósofo?
Filósofos empregam seus esforços de abstração, de conceituação, de questionamento, mesmo sabendo que o risco é o de redução ao absurdo de sua problemática. Assim, a Filosofia vive, pois dilemas, contradições, paradoxos fazem parte da atividade filosófica. Impossível renunciar a ela sem filosofar, impossível analisar a vida, a linguagem, o mundo, a existência, a história humana, os valores, o próprio sentido de tudo isso, sem a atitude filosófica.
Quem nunca parou para pensar no fato da existência humana em um solitário planeta no espaço infinito?
Quem nunca parou para pensar em sua própria vida, na morte, no valor das lutas do dia a dia?
Desistir, enfrentar, levar adiante, observar, explicar, analisar, atribuir sentido, descobrir o sentido, e, de vez em quando iluminar sua existência com a luz do saber, em maior ou menor medida, todos fazemos isso.
Talvez esteja aí o sentido da Filosofia, talvez aí sua importância pedagógica e cultural.
Os filósofos são difíceis? Sim, mas podem ajudar nesse caminho de uma reflexão que não caia no vazio, nas ideologias fáceis, nas soluções óbvias.
***
Questão filosófica:
Que sentido faz a Filosofia para um jovem sírio na arrasada cidade de Aleppo?!

Quem quiser ou puder, responda...

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A vida de Wittgenstein no romance "The World as I found it"

Quando Bruce Duffy, após seis anos de pesquisa, publicou em 1987 The World as I found it, já haviam transcorridos quase 40 anos da morte do filósofo (1951). Desde então não havia biografias sobre um dos maiores filósofos do século XX.
Em 1988 Brian McGuiness e em 1990 Ray Monk publicaram suas biografias sobre Wittgenstein. Monk contesta várias passagens do romance de Duffy, e este responde em uma conferência que realmente inventou episódios, como o das cartas que Wittgenstein teria escrito a seu pai. Evidentemente, o livro é um romance, ficcional, portanto.
Então a pergunta é: vale a pena percorrer quase 600 páginas em um inglês sofisticado, muito bem escrito?
Sim! O autor penetra no coração, nos sentimentos, no modo de vivenciar as dificuldades pelas quais passou o filósofo. Em acréscimo, dois outros autores importantes orbitam a narrativa, Moore e B. Russell. O primeiro sempre austero, praticando o que sua teoria do senso comum apregoa, e o segundo, prolífico, polêmico, mulherengo, famoso, e contestado por Wittgenstein em sua teorias da lógica e da matemática.
O público leigo em filosofia pode compreender a explanações acerca do pensamento do filósofo, o modo como ele enfrentou a 1a. Grande Guerra, as idas e vindas entre Viena, Londres, Cambridge, o interior da Noruega; pode absorver os dilemas morais e éticos, imaginar como teria sido sua infância, adolescência; os dramas íntimos nos relacionamentos com rapazes. O próprio biógrafo questiona sobre quem realmente conhecia Wittgenstein, esquisito, distante, enigmático. E a ficção ajuda ou embaraça a imagem que se tem dele?
Creio que ajuda, e além disso, com em toda literatura de qualidade, ficam as impressões fortes produzidas pela narração, é como se Wittgenstein estivesse presente nas descrições de suas andanças, de suas atitudes, de suas reações ao sofrimento, à morte de seus irmãos, seus esforços teóricos, o rompimento com teses aceitas, a inventividade, a complexidade da personalidade - tudo isso está presente no livro. 
E o leitor ganha com a imagem que se cria ao longo do texto acerca de Russell e Moore, hábitos da época, consequências da guerra, o relacionamento ora amistoso ora conturbado de Russell com Wittgenstein.
Diria que as biografias oficiais são imprescindíveis e que o romance seria uma espécie de recheio, saboroso, desfrutável.