terça-feira, 26 de novembro de 2019

O que é a ética dos atos de liberdade para Foucault? (Ainda sobre as práticas para uma vida feliz)

Foram as pesquisas sobre o pensamento antigo que levaram Foucault a voltar-se para a ética.O que chamou a atenção do filósofo foi a diferença entre o "conhece-te ati mesmo" e o cuidado consigo mesmo. O conhecer-se a si mesmo é o oposto da ascese cristã, quer dizer, do acesso a si o qual paradoxalmente significava a renúncia de sua própria pessoa, que ficaria sob tutela de outro, ao qual devia-se obediência.
A ética antiga propõe algo diverso, uma "construção de si", entre os filósofos cínicos cultivavam-se práticas de ascetismo que levavam a provar sua resistência, sua coragem e força (não no sentido físico).
Recuando a Platão, um dos conceitos-chave é o da "vida verdadeira", sendo que verdade neste contexto não se identifica com verdade de enunciados ou de proposições, e sim a dos modos de conduta: não dissimulação no modo de falar, veracidade para evitar opiniões e aparência, adoção de um discurso reto, em conformidade com as leis, e que não possa ser revertido ou derrotado.
Na concepção platônica, seria o verdadeiro amor, autêntico, incorruptível, aquele da verdadeira vida.
Para Sócrates, cuidar de si é cuidar de sua alma em oposição aos cuidados com o corpo. Trata-se de uma metafísica, a da alma que é o fundamento ontológico do ser do homem, e daí provêm as regras de conduta. "Cuidar de si", "ocupar-se consigo", essa é a temática de Sócrates, o permanente e completo exame de si, o cuidado consigo.
Para que conclusões Foucault foi levado com estes estudos detalhados da cultura antiga?
Seu propósito foi evidenciar o quanto somos devedores de nossa própria cultura, em que medida ela se enraíza na cultura grega e como esta se transforma na cultura cristã, que radicaliza a noção do exame de si, mais particularmente, do exame de consciência.
O raciocínio de Foucault é o seguinte:
Se foram inventados métodos e regras para nos constituirmos como sujeitos pensantes e responsáveis, esse é um legado histórico. Poderia ter sido tudo muito diferente, portanto, podemos inventar novos modos de nos constituirmos, de nos transformarmos, de aceder ao nosso "interior", de analisar, ou melhor, de criar algo diverso das análises que implicam em confessar aos que são capazes de nos diagnosticar, e sermos mais livres e criativos.
Daí uma ética dos atos de liberdade, capacidade de aderir ou não em total consonância com nossos próprios valores e propósitos. Ganhar uma autonomia tal que ela seja um tipo de garantia de que nosso agir seja movido e motivado pela recusa do que está aí, pronto, tomado como evidente, obrigatório.

Difícil mas não impossível modo de ver e de viver, livre, liberto e autêntico.
Pergunte a si mesmo: as coisas precisam realmente ser assim?!
Ou posso mudar algo???

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A moral epicurista: regras para o bem viver

Epicuro (341 a.C.-270 a.C.), nasceu na Grécia no período helenístico, época de grande desenvolvimento científico, com Euclides, Arquimedes e Eratóstenes, brilham não só a ciência, como também os ideais de vida plenamente realizada.
A curiosidade de Epicuro pelo saber, seu interesse pela filosofia, a influência de Demócrito, o amor pela poesia, forjaram o pensador. Era morador de Atenas, sofreu com doença no rim, e ainda assim, ou por isso mesmo, cultivava o espírito para se desviar de suas dores e demonstrar o quanto valem a alegria e os prazeres.
Fundou uma escola que seguia uma doutrina próxima de uma seita filosófica, justamente chamada de "epicurista", que contou com inúmeros discípulos, inclusive mulheres. Estes foram fiéis aos ensinamentos do mestre, que era querido e cultuado, ao ponto de a doutrina não ser modificada em nenhum de seus aspectos. 
A filosofia prática e a  vida prática eram enaltecidas, muito mais do que as teorias, pois a prática permite, por meio de raciocínios e discussões, uma vida feliz. O amor à verdadeira filosofia dissolve dúvidas e inquietações, liberta.
"Habitua-te a pensar que a morte nada é para nós, visto que todo o mal e todo o bem se encontram na sensibilidade: e a morte é a privação da sensibilidade", escreveu Epicuro.
Os maiores prazeres são aqueles que não provocam dor alguma, perda alguma, a condição para a felicidade vem de nosso interior, de nossa intimidade dos quais somos os donos.
Para Epicuro o mundo não provém do nada, se compõem de uma variedade infinita de átomos, em movimento eterno e contínuo. Inclusive a alma se compõe de partículas sutis, distribuídas por todo o corpo.
Não há vida feliz sem o prazer, o prazer é o primeiro bem, mas ele não decorre de riquezas, nem de poder e sim por meio da "ausência de dores, a moderação nos afetos e a disposição de espírito que se mantenha nos limites impostos pela natureza"
Assim, o prazer não reside em aproveitar tudo ao máximo, buscá-lo na sensualidade. Isso só para os ignorantes. O verdadeiro prazer vem de nos acharmos livres de sofrimento e de perturbações da alma, vem de nos contentarmos com o suficiente para bem viver, vem de alcançarmos um estado de serenidade, de não perturbação. É importante escolher amizades, e dar é muito melhor do que receber; é melhor ter pouco mas ser sábio, do que ter muito e ser insensato.

Assim Epicuro reflete sobre a existência de Deus:
"Deus ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer e nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que também é contrário a Deus. Se nem quer e nem pode, é invejoso e impotente, portanto, nem sequer é Deus. Se pode e quer, a única coisa compatível com Deus, de onde provém então a existência dos males? Por que razão ele não os impede?"

Eis um exemplo do modo sutil de raciocinar dos filósofos gregos, argumentar para pôr em xeque nossas doutrinas, crenças e ideologias.