quinta-feira, 25 de maio de 2017

O que é ontologia?

A Filosofia se divide em três grandes campos de estudo: o do ser (Metafísica, Ontologia, Teodiceia), o campo da ação (Ética, Estética, e demais abordagens da prática), e o campo do conhecimento (Teoria do Conhecimento, Epistemologia, Lógica). Outros ramos de estudo incluem as Filosofias da Linguagem, do Direito, Social, da História, da Ciência.
Qual a diferença entre a Metafísica e a Ontologia?
Elas abordam a questão mais abstrata, mais transcendente, mais abrangente da Filosofia, que é a questão do ser, de modo diferente.
Como assim, o "ser"? Trata-se de um verbo auxiliar? Ou de seres, i. e, indivíduos particulares?
A questão do ser vai além, há simplesmente o ser, em seu mais amplo e geral sentido, há o ser e não o nada. 
Sim, claro, responderiam, isso é óbvio!
Mas qual é a natureza do ser
A resposta da Metafísica vai às causas mais gerais de tudo o que há: o universo, o cosmo, nosso mundo, os objetos, os indivíduos, enfim, como tudo veio a ser? A totalidade dos entes repousa sobre quais princípios e fundamentos?
A Filosofia Antiga responde que o cosmo se fundamenta em causas, como a do primeiro motor aristotélico; a Filosofia Cristã responde que Deus é a causa de tudo o que existe, o mundo foi criado por Deus a partir do nada;  os filósofos modernos, como Descartes também são metafísicos, pois um ser inteligente e perfeito deu origem a tudo, se temos ideia de perfeição, tal ideia só poderia vir de um ser mais perfeito do que nós, humanos, e esse ser perfeito necessariamente existe, do contrário não seria perfeito.
Note-se que a Metafísica pergunta e responde pelo ser, pelas causas, pelas essências, pelos fundamentos.
Ao passo que a perspectiva da Ontologia é outra: especula-se, reflete-se, pergunta-se pela natureza do ser, mas não em vista de obter resposta causais, e sim pela indagação envolta em mistério e perplexidade.
Qual é o sentido do ser? Teriam os seres uma essência comum? Todos eles existem? Em que sentido? A ameba existe do mesmo modo que seres humanos existem? Uma porta é um ente, ou um ser?
Qual a diferença entre entes e seres?
Ontologicamente humanos, objetos, animais, a imensa variedade biológica, a Terra com suas riquezas e diversidade, cada individualidade tem seu modo de ser, cada entidade ou ente, tem seu modo de ser. É sobre esses modos de ser que a Ontologia reflete. 
Ontos se origina do grego, "ser", há uma natureza de ser que é ontológica, e uma natureza "ôntica", aquela à qual não se deu ainda um destino, uma função, um desdobrar-se no tempo, um uso.
Exemplos: a madeira serrada o que será? porta, mesa, cadeira, lápis. O lápis tem qual função ontológica? Qual ser se desprende desse ente?
O tempo cronológico é ôntico, viver no tempo finito, é algo ontológico. A totalidade dos entes no mundo é de natureza ôntica, o modo como o mundo é visto e se reveste de sentido, é ontológico.
Qual a natureza ontológica de nós, seres humanos? 
Existimos, temos uma vida temporal, morreremos e mais, sabemos disso.
Em suma, a Ontologia tem em vista o ser dos entes, seu sentido, seus usos, suas modificações, no caso do ser humano, sua existência.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Pós-metafísica não implica em ser pós-moderno

Habermas, e também o sociólogo Max Weber, consideram que vivemos ainda a modernidade, cujos projetos não se esgotaram.
 Em contraposição, Lyotard representa o protótipo do filósofo pós-moderno e pós-metafísico (1979, A condição pós-moderna).
Quem argumenta melhor?
A modernidade se caracteriza pela descentralização do poder político, ascensão das democracias, forte industrialização, o capital e as forças produtivas contribuem para melhor e maior produtividade, intenso intercâmbio cultural, arte separada da religião, primazia da ciência e do profano, instituições baseadas em princípios. 
Essa enorme e profunda transformação social, econômica e política encontra reflexos na filosofia, seus princípios passam a ser alvo de reconsideração, de crítica, de debate e argumentação. Justamente, a entrada na pós-metafísica implica pensar de modo  linguístico e pragmático, pois o discurso filosófico se faz com argumentos e estes recaem sobre a ação (pragma) e não sobre sujeitos isolados e encapsulados em si mesmos. Logo, não há contradição entre  pós-metafísico e a sustentação de que a modernidade ainda vige.

Já para os adeptos da corrente pós-moderna, tudo se dissolve, a ciência mesma depende de paradigmas que são ou não bem-sucedidos e estes não produzem superações capazes de conduzir à verdade crescente e completa; nada é absoluto, impossível unificar perspectivas, pretender à totalidade é ignorar a multiplicidade das culturas e narrativas, em outras palavras, algo próximo a um poder fascista que anula diferenças.
Assim, ser pós-moderno inclui todas as condições para ser também pós-metafísico.

A quem dar razão, a Habermas ou a Lyotard?
Habermas, Rorty entre outros discordam de Lyotard, o primeiro ao apostar na comunicação sem entraves e sem limite, obra da razão comunicativa, capaz de reunir vozes dissonantes por meio do argumento calcado em razões, que podem falhar, mas que evitam a hegemonia do poder político e econômico. Quer dizer, confiança no direito e na democracia como meios para barrar a invasão de interesses escusos com seus efeitos prejudiciais, como a corrupção (no caso do Brasil, corrupção deslavada, criminosa e impune, até que justamente a justiça e o direito, com seus meios legítimos pusesse o dedo na ferida e mobilizasse a sociedade). 
O segundo, Rorty, ao preconizar que sociedades democráticas são as únicas a oferecer liberdade, condição necessária para que a verdade se produza; conversação, tolerância e práticas de justificação evitam o dogmatismo e o totalitarismo. 

A defesa das múltiplas narrativas dos pós-modernos leva filósofos e intelectuais a um beco sem saída, se tudo vale, por que dar-se ao trabalho de argumentar e justificar? 

Neste sentido, pós-metafísico seria incompatível com pós-moderno: a abertura para validar e questionar não faria sentido. Pós-metafísica não implica em pós-modernidade.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

O que é pensamento pós-metafísico?

Em posts anteriores mostramos o que é metafísica em contraste com a pós-metafísica, de acordo com o pensamento de Habermas.
Para este o momento atual da filosofia se caracteriza pelo pensamento pós-metafísico, mesmo que ainda seja uma época ainda moderna, e não pós-moderna.
Como se explica esse paradoxo? 
Vamos por partes. A metafísica clássica, cujos representantes principais são Platão e Aristóteles, vê o todo como causado pelas ideias, Platão, e pelo motor primeiro, Aristóteles. As ideias são o modelo para todos os entes, tudo o que existe são cópias dos conceitos ideais e divinos. Já as causas para Aristóteles produzem os entes mesmos, em sua individualidade e especificidade.
Com a filosofia cristã, Deus é a causa absoluta de todos os entes, criados do nada. Interessante que os gregos entendem que o nada, nada pode produzir. Ao passo que o conceito de nada é fundador para filosofia cristã.
Note-se os termos e conceitos essenciais ao pensamento metafísico: causalidade, totalidade, unidade, essência, absoluto, nada e o conceito de ser ligado ao de pensamento abstrato. Dada a multiplicidade dos entes no mundo, para poder pensá-los há que abstrair, deduzir a unidade a partir da heterogeneidade.
Descartes, Spinoza, Leibniz e Kant representam a metafísica nos séculos 17 e 18, e Kant, mesmo criticando a metafísica baseada no ser em si mesmo, quer dizer, independente de pensá-lo por meio de conceitos, recupera conceitos metafísicos, o de Deus e de alma imortal como pilares da razão prática.
As exceções na história da filosofia até chegar ao pensamento de tipo pós-metafísico são os nominalistas (sem nomear, sem conceituar seria impossível conhecer as coisas), os materialistas e o empirismo (a experiência e não os conceitos abstratos são a base para atingir a realidade). Impera a noção de uno, de identidade e de que a teoria é necessária para chegar à verdade.

O pensamento pós-metafísico em contrapartida dispensa a busca de uma origem primeira de todas as coisas, nega que haja necessidade de um fundamento ou essência permanente a sustentar todos os seres, afirma que não há teoria sem prévia experimentação, como demonstram as ciências. 
O primeiro passo para a pós-metafísica foi a substituição do modelo filosófico baseado no eu, no sujeito, em sua consciência, para o modelo baseado na linguagem. Somos sujeitos sim, mas devido a nossa capacidade de articular signos, de abstrair por meio da linguagem, de formalizar, de compreender devido à capacidade de formular frases significativas, atos de fala para afirmar, deduzir, mostrar, negar. Em suma, conceitos absolutos se tornam significados comunicáveis.

Habermas contesta a pretensão de Heidegger de ainda dar sentido à metafísica. Em Que é Metafísica? (1929), Heidegger parte da questão mais abrangente da metafísica, a questão da totalidade dos entes, para a questão do nada, do que absolutamente não são os entes. Há necessidade de postular o nada inclusive porque aquele que questiona se vê às voltas com o nada ao se angustiar, a totalidade dos entes parece escapar em momentos de nossa existência aí no mundo.
Para Habermas, que é um anti-Nietzsche, esses abismos de ser e nada são pura abstração. De uma perspectiva pragmática, afirma Habermas, nós agimos, e, principalmente agimos pela linguagem. Nos comprometemos em atos comunicativos ou usamos a linguagem para o disfarce, para a subjugação (em atos estratégicos). A vida prática vale mais que a vida teórica.

(a ser continuado em outra postagem, para expor o paradoxo pós-metafísico mas não pós-moderno)