domingo, 29 de junho de 2014

Filósofos metafísicos e filósofos pós-metafísicos

A filosofia nasceu com filósofos metafísicos, como os gregos clássicos. A busca desses filósofos, principalmente Platão e Aristóteles, se dirigiu aos princípios primeiros de todas as coisas, às causas iniciais e às causas finais, quer dizer, a que se destinam os seres, quais são suas características essenciais, as propriedades principais que conduzem tudo o que existe a certo fim. Assim, o ser humano para Aristóteles, por exemplo, dirige sua conduta por valores éticos e políticos de realização plena. Como? Por meio do equilíbrio, da justa medida em termos éticos, individuais, e como cidadão na polis.
Até Kant, a filosofia com raras exceções, entre elas os filósofos céticos (Hume é um deles), pautou-se pela indagação "o que é o ser em geral?" e deu a essa indagação uma resposta com pretensão a ser a verdade final. Tomemos Descartes: o ser é o cognoscível, Deus inclusive, é nossa inteligência que conclui sobre a existência de um ser perfeito, e, sendo perfeito, logicamente deve existir. A razão passou a comandar a metafísica.

Kant desbancou a metafísica desse altar da razão, não há como saber se nosso conhecimento chega até os seres neles mesmos, isto é, independentemente do conhecedor. Nosso conhecimento depende de processos e procedimentos (as categorias), sem eles impossível saber algo do mundo que nos cerca.
Os ideais Deus, destino final da alma, e a razão de ser do mundo, questões essencialmente metafísicas, recebem resposta moral. No recôndito da alma humana há uma relação do homem consigo mesmo permeada pela consciência do dever moral. Kant eleva o homem à dignidade máxima, à liberdade máxima que permite decidir desapegadamente, a única e nobre finalidade é a realização de ações que refletem o que é bom para todos igualmente.

Pois bem, os filósofos pós-metafísicos vão em outra direção.
Nietzsche desmonta o edifício moral kantiano, o imperativo categórico manda que se obedeça a sistemas morais, o que não passa de uma tirania; não há sequer porque considerar o ser em si, pressuposto dos metafísicos. "O que chamamos de mundo é o resultado de uma multidão de erros", e "a coisa em si digna de um riso homérico, ... vazia, vazia de sentido". Isso porque noções como as de ser, causa final, bem supremo, noções morais, estéticas, religiosas são todas obra do intelecto humano, da ação humana, e cabe ao filósofo fazer a história da proveniência desses valores, todos eles humanos.

No século passado a filosofia se viu diante de novas questões, como a lógica da ciência para o positivismo lógico, questões sociais e políticas, a pergunta sobre a liberdade e sobre a existência que se "historicizou", por assim dizer. As perguntas que mais interessam à filosofia dizem respeito à compreensão do que fazemos, de nossa história, das transformações que sofremos, e do que podemos almejar com as condições criadas por nós. Antes, no século 19, Marx considerou que essas condições são as da produção material, transformações econômicas respondem à questão "o que somos, de onde viemos e para onde vamos?".
Ainda na vertente da filosofia alemã, a escola de Frankfurt atualizou o pensamento da esquerda e foi além da proposta de uma revolução que devolvesse os meios de produção ao trabalho e não ao capital.
Habermas reafirmou seu pertencimento à filosofia pós-metafísica. Para ele, sem a linguagem, sem a comunicação não há ordem social, o pensamento depende da linguagem, e a crise com a questão do ser em si (qual é a essência fundamental de todas as coisas), é recolocada: trata-se de um jogo de linguagem. Ou, mais precisamente, um ato de fala, uma pergunta feita por filósofos interessados na origem de tudo.
Então, tudo se enraíza na linguagem? Sim, mas evidentemente o mundo não é feito de linguagem e sim de coisas e suas interações. E como pensaríamos a respeito disso tudo sem a linguagem? Impossível para a filosofia pós-metafísica.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Solidão cósmica

A Terra vista das aeronaves leva a pensar na dimensão infinita, e em um planeta solitário. Nossa perspectiva é terrestre, mas nossos sonhos são estelares.
As metáforas filosóficas e religiosas habituais remetem à caverna humana em contraste com os deuses no Olimpo, no paraíso, no além. Rastejar se opõe a voar, alçar as alturas como bem superior. O que nos leva a sonhar assim, a sondar o universo e pleitear que não estamos sozinhos?
Quem assistiu ao filme Gravidade deve ter sentido que desprender-se da Terra não faz parte de nossa natureza, a volta da personagem principal destaca o solo, o contato com a areia, nossa marca em nosso chão.
Solta no espaço
O retorno feliz
Entretanto, deuses, anjos, seres extraterrestres povoam nosso imaginário. Basta entrar em uma igreja, em um templo, que prêmio eterno ou castigo eterno dão sentido à alma imortal, desde Platão e antes dele, até o cristianismo e outras fés religiosas.
À parte disso, há a hipótese para alguns, cientistas inclusive, de que é impossível não haver vida inteligente em outros planetas e que tais seres possuem artefatos capazes de os trazerem ao nosso planeta! E vão além, certos relatos de abdução, são levados à sério. Curitiba sediou há semanas atrás um encontro em que esses relatos servem para confirmar a existência de ovnis. Um deles é o de uma família abduzida juntamente com o fusca 72! Outra pessoa afirma que após ser abduzida, voltou com um chip implantado em seu dedão do pé direito!
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Evidentemente a imaginação humana vai longe, fica interessante e inteligente em filmes e na literatura de ficção científica: Jornada nas Estrelas, Júlio Verne, Isaac Asimov, H. G. Wells, Ray Bradbury, entre outros.
Mas nenhum deles ultrapassa o que a condição humana enseja, permite, cria: linguagem, sensações de ver, ouvir, criar veículos, tecnologias, mover-se, transportar-se, guerrear, etc, etc.
É possível que em outra ou outras galáxias planetas semelhantes à Terra tenham evoluído em condições semelhantes às nossas, a ponto de construir naves espaciais, comunicar-se, sequestrar pessoas com suas naves? E o que estariam esperando que ainda não invadiram a Terra? Apenas espreitam para dominar o planeta? Por que isso já não ocorreu?
Quando perguntamos o que querem conosco, essa dúvida por ventura não seria uma questão que só nós levantamos?
Por mais estranho que seja o ET, ele terá corpo, ou será uma espécie de ser gelatinoso, uma bolha, de todo modo representa uma ameaça aos seres humanos.
Ora, essas características são simplesmente nossas, elas não passam de projeções da condição humana. Não podemos sair de nosso corpo, de nossa linguagem, de nossos símbolos, de nossa cultura, enfim, de nosso modo de ser.
Buscar provas e evidências, é também uma necessidade humana. Além disso, que podemos saber?
Nada sem os nossos meios.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Nós humanos e a busca por razões

Época de futebol, época de lembrar de episódios de raiva e preconceito racial nos estádios mundo afora.
O gesto de Daniel Alves e o comentário "somos todos macacos", repercutiram em favor do jogador, com velocidade e entusiasmo.

Alguns preferiram o "somos todos humanos", esquecem que o sentido da frase referente ao nosso parentesco, que existe sim com os macacos se devia à comparação de negros com macacos. Ofensivo, preconceituoso, mas apanhar a banana e comê-la equivaleu a dizer, e daí? Vocês são macacos também!
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A evolução nos tornou humanos, mas não humanos suficientemente. Quer dizer, de um lado, somos resultado de transformações biológicas, históricas, sociais, culturais, somos "humanos, demasiado humanos". De outro lado, ainda somos bárbaros, comparáveis a feras, aos brutos.
Justificamos crenças como se fossem verdades inamovíveis, e povos inteiros as impõem. É incrível que séculos atrás os gregos buscavam razões, justificavam suas crenças em deuses e mitos como interpretação de atitudes e valores humanos, usavam argumentação, raciocínio, fundaram a lógica e buscaram os princípios de todas as coisas na metafísica, indagaram sobre as causas mais gerais de todos os seres.
Escola peripatética 
Enquanto isso, em outras partes do mundo, tais usos da razão estavam ainda muito longe de serem conquistados, alguns povos jamais os alcançariam.
Entretanto, na modernidade não há mais justificativas para desconhecer que buscar razões, espírito de tolerância, abertura para o outro, o diferente, usar a mesa de negociações e outras tantas práticas que costumamos chamar de "civilizadas", beneficiariam todos. Qual a razão, o que justifica guerras fratricidas, eliminação racial, ódio, desrespeito às mulheres e crianças, ao que fala outra língua, ao que pratica outra religião, que habita outra fronteira?
O ideal de muitos chefes de países ainda é obter pela violência a obediência restrita, melhor é dirigir manadas do que cabeças pensantes. Muitos governantes não passam de chefes de gangues. Quanto mais poderoso é o tirano, mais submisso seu povo, são de fato súditos (submetidos). Se o momento da revolta chega, os encontra despreparados para se autogovernarem.
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O que esperar de nações onde a escola é um meio de doutrinação?! Ou onde não há escola ou onde são destruídas? Onde a educação é desprezada?
Escola na Nigéria destruída por fanáticos
Crianças educadas para não pensar, para fazer parte de uma manada, servirão quando adultos a uma classe, a uma seita, a um poder, endeusarão o estado. Isso aconteceu no século passado, na Alemanha à época do nazismo. E acontece ainda hoje, escolas há que doutrinam, dogmatizam e impedem a busca de razões. Para chefetes e ditadores é perigoso argumentar, é uma ameaça dotar-se de liberdade de espírito, imbuir-se da necessidade de investigar, e não se contentar com regras nem com princípios intelectuais que não passaram pelo crivo da indagação.
As muitas possibilidades na aventura intelectual, na aventura humana, são limitadas somente por nós mesmos!