segunda-feira, 20 de abril de 2020

O que são valores?

Em nosso cotidiano, comunicações, atividades, decisões, somos instados a fazer escolhas. Impossível o imobilismo, talvez com exceção de certas doenças graves ou quando inteiramente subjugados.
Ao escolhermos nos pautamos por valores, como bom, mau; bem, mal; certo, errado; saudável, doentio; útil, inútil; proveitoso, prejudicial; inofensivo, perigoso... Valores se apresentam como polos opostos e em hierarquia, do mais alto e nobre ao menos valorado.
Não faltam adjetivos para qualificar nossos atos. 
Valores são impalpáveis, a situação é real, mas o modo como a consideramos é pessoal, cultural, político, social.
Entram em jogo a consciência moral, a formação pessoal, pelo menos é o que se espera de adultos responsáveis.

Quando Habermas se refere a consciência moral no agir comunicativo, adota a linha de Piaget, ao mostrar que a forma de vida social surgiu com o uso da linguagem para comunicação que se dá em um espaço lógico no qual se formam estruturas responsáveis pelas várias formas de acesso à realidade e à interação, com o progressivo domínio de símbolos.
Ainda segundo Habermas, que adota a classificação de Kohlberg para a evolução dos níveis de consciência moral, há três níveis:
- o pré-convencional, com obediência a um poder superior, que confere responsabilidade objetiva à ação;
- o convencional, que corresponde ao nível de responsabilidade da faixa jovem, cumpre-se o que a lei ou a autoridade estabelecem;
- o pós-convencional, em que o padrão é a ordem institucional, as leis, os direitos, e os valores que podem ser julgados e apreciados pelos sujeitos cujos direitos individuais, liberdade e igualdade são os guias. A orientação ética da ação segue princípios universais, acolhidos de forma autônoma, compreensíveis e criticáveis. Forma-se a dignidade do indivíduo.
Creio que esse último nível em raras sociedades e em poucos indivíduos é atingido.
Mas é nesse nível de responsabilidade que as escolhas de valores deveriam ser feitas.

Então vem a pergunta, como se dá que uma ação siga normas, entre elas a do dever?
Quando a escolha de valores é guiada por valores! E isso não é um jogo de palavras...
Dignidade, respeito, autonomia entram em cena.
Como escolher entre valores, o que nos motiva?
Se for o lado da moeda do orgulho, da mistificação, da covardia, prevalece o polo negativo, o que caracterizaria sociedades hobbesianas, o homem lobo do homem.
Na sociedade de integração, com nível  moral pós convencional, a autonomia e a formação ético/moral fazem pender para o lado do bem social, da liberdade, da saúde, do bom uso de valores, cujo critério é a consideração pelo outro.
Na hierarquia de valores em geral considera-se o valor moral/espiritual superior aos valores da arte (belo, prazeroso) saúde (cuidados com o corpo e a mente), da utilidade (produção e consumo de bens).
Essa hierarquia pode mudar conforme a situação pessoal e/ou social.

No momento atual (abril de 2020) importa a vida individual e coletiva, sua preservação, a valorização das ciências de ponta, as estatísticas, as projeções, em última análise, o local, o nacional e o universal estão em total co-dependência.
Como sairemos dessa nova e surpreendente condição?!
Que valores nos guiarão?!

segunda-feira, 13 de abril de 2020

O que é a alma de um ponto de vista filosófico

Uma das metáforas mais interessantes e esclarecedoras sobre a alma, é a do sopro, sopro vital, respirar, inalar e sentir que o corpo se encheu com algo inefável, essencial, imaterial, invisível.
Assim com os pensadores da antiguidade, entre as três almas de Platão, há uma que é superior e que comanda as da coragem e da nutrição: trata-se da alma intelectual. O corpo é a prisão da alma imortal, esta quer se libertar, reencontrar a si no mundo das ideias.
Para Aristóteles somos substância com componentes materiais e formais, atuais e potenciais. A forma essencial do ser racional, a que não sofre alterações físicas, seria a alma.
Os pensadores cristãos concebem alma como puro espírito, imortal, nela são marcados indelevelmente pensamentos, desejos, intuições, na alma está alojada a consciência intelectual e moral, daí receber prêmio ou castigo na vida eterna.
Descartes insubordinou-se contra o conceito de alma cristão, para ele a alma é puro cogito, pensamento, portanto algo intelectual, imaterial, mas não habitáculo moral.
À medida em que avança o pensamento filosófico ocidental, a concepção de alma cede lugar à de mente, razão, o elemento racional se distingue do moral, a ação humana é impulsionada, motivada, movida por situações da vida humana em geral.
Quanto ao aspecto intelectual, não é próprio da alma no sentido de alma puro espírito, diversa da "carne". O aspecto racional ou intelectual tem a ver com o aprendizado, com a linguagem, com a comunicação, com a educação, com a cultura de cada  povo.
O conceito da alma encontra pouco terreno filosófico na modernidade. O sentido em que filósofos, literatos, poetas, artistas se referem a alma é sempre metafórico, ela flui, ela marca, ela assombra, ela sofre, ela encanta.
A alma prossegue sendo tema religioso, místico, a ela são imputadas virtudes incorporais, espirituais, e permanecem resquícios do pensamento antigo, como imortalidade, sujeição a prêmio ou castigo, em mundos do além, podendo usufruir de encontros com outras almas, ou mesmo receber tesouros e delícias do prazer.

Para refletir:
"A face é a alma do corpo" (Wittgenstein)

sábado, 4 de abril de 2020

O cuidado de um ponto de vista filosófico

Quando iniciei o blog, o fiz por sugestão de colegas de minha filha, quando ela lecionava em uma escola de inglês.
O ponto de partida foi uma reflexão sobre o cuidado, ação que é vital para todos nós, para toda a humanidade como essa que experimentamos nesses dias tormentosos a serem enfrentados. Dessa vez o inimigo não é um exército, a fome, a pobreza, o ditador, o terrorista - o inimigo é o contato, o contágio, a contaminação.
Deixando de lado disputas políticas absurdas, chefes de estado perplexos ou irresponsáveis, perdas colossais nas economias locais e global, vamos ao que me propus: pensar, ir mais longe do que urge, do que é imediato, mas, claro, não menos importante.

Cuidar significa manter, sustentar, guiar a atenção para ações e comportamentos, lançar um olhar para os que são próximos, cuidar de si, e isso tudo pode parecer simples e banal, mas é o que sustenta a vida. E a vida é a abertura para as possibilidades e escolhas, que para muitos inexiste. Famílias de refugiados, trabalhadores em perigo, pobreza e miséria,  doentes -, para todos esses as escolhas são poucas e o perigo é imediato e real.
Mesmo assim, de modo geral, é preciso ter cuidado, sempre.
Senão vejamos: nos atos do dia a dia, para um simples café da manhã, foi preciso ir à padaria, ou ao super-mercado, pagar, portanto, auferir renda, trabalhar, escolher, atravessar ruas, usar um meio de transporte, ou prevenir-se e ter à mão o necessário. Enfim, em todas as ações, foi preciso cuidado.
É o proverbial, "Quem ama cuida", e também quem trabalha cuida, quem aguarda cuida, quem fabrica cuida, quem transporta cuida.
E o que seria o contrário?
O interesse próprio, o egoísmo, uma pretensa neutralidade e abstenção da realidade, a negação, a violência, a irresponsabilidade, a cegueira ideológica, o deixar-se levar, ignorar as circunstâncias, recusar informação fidedigna, o véu da ignorância.
As consequências para os previdentes e cuidadosos são benéficas, para os irresponsáveis as consequências são danosas, acontece que não só para si, mas sim, e principalmente, para os outros.
Habitamos um planeta, bilhões de pessoas que precisaram interromper suas atividades banais e de repente, perplexos, acordar para a vida, que requer cuidado especial com algo que era inteiramente imprevisível, buscamos o sentido disso tudo, e acordamos para a fragilidade da vida. 
Essa situação pode ser simbolizada pela máscara, algo avesso ao relacionar-se e que se tornou imperioso para o próprio relacionar-se!
Cuidar se transformou em isolar

O que diz Heidegger sobre o cuidado?
Somos seres aí, usamos, fabricamos, perdemos, procuramos, indagamos, e nossa relação desse ser-aí que somos com o mundo implica cuidado, e num sentido existencial, o da abertura para o mundo, o do orientar-se, seguir um rumo, coexistir,  e essa coexistência se manisfesta como cuidado, como assistência. Uma condição ontológica que hoje se tornou evidente e urgente.