quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Qual o sentido da Filosofia?

Recentemente publiquei livro sobre 15 filósofos, os que considero essenciais mesmo sabendo que nem  todos concordarão com a lista.
É uma publicação de Minha Editora, selo da Editora Manole, Barueri, São Paulo, 2020.
Considero que o livro é uma súmula de meus estudos e reflexões, e tudo começou com a conversa com um aluno, Claúdio (PUC PR), sobre por que filósofos não morrem, como eles ainda hoje iluminam nossas vidas e dão a ela sentido.
Na postagem de hoje escolhi trechos sobre a especificidade da Filosofia, cito as páginas 14, 15 e 16:

"A indagação filosófica começou no século VI a.C. e aos poucos foi se distinguindo do mito. O mito é uma narrativa que nasce do imaginário de uma cultura, ao passo que a filosofia nasce da razão, da busca de razões.
Ela se distingue também do senso comum, que é o guia prático da conduta cotidiana, nele estão embutidas certezas e noções aceitas a partir de uma tradição e de costumes. O senso comum atende expectativas de nosso comportamento e auxilia a resolver problemas habituais. Ele funciona como guia prático que raramente precisa de justificação ou explicação. Ao passo que filosofar é esclarecer, justificar, dar razões.
Por vezes, encontra-se a definição de Filosofia como ciência, mas não cabe no campo filosófico realizar testes e experiências. A ciência descreve, explica como se dão fatos e fenômenos, nas áreas das ciências exatas, das ciências naturais e das ciências humanas. Nelas se empregam teorias e experimentos para explicar de modo objetivo algo da realidade, constatar fatos e aplicar os resultados, por exemplo, em tecnologia, em saúde, em soluções ambientais.
A ciência se renova a cada teoria, a visão do cosmo de Aristóteles, por exemplo, foi superada pela de Galileu, mas o que Aristóteles escreveu sobre a causa dos seres, é pura reflexão filosófica, não está ultrapassado. Em Filosofia não há essa evolução e ultrapassagem: é como se todos os filósofos estivessem vivos. 
Outras vezes se confunde Filosofia com ideologia. Mas enquanto as ideologias são representações sociais e políticas, de natureza compromissória, engajadas em um tipo de luta ou de ideário, a Filosofia requer liberdade de pensamento. Por vezes, as ideologias massificam o pensar, exigem que seus partidários obedeçam a um líder, seus princípios são doutrinários, inquestionáveis. Já o filosofar pode ser até mesmo uma crítica às ideologias. Os partidários de ideologias, como o nome indica, seguem um ideário político ou partidário sem contestação. Uma ideologia pode ser inculcada, um modo filosófico de pensar, jamais pode ser inculcado. O ensino de Filosofia não é doutrinação política ou partidária. Se os ensinamentos filosóficos forem rígidos e direcionados, se forem doutrinários, a filosofia morre; se a Filosofia se tornar uma disciplina como as outras, com conteúdo pescado em manuais de baixa qualidade, morre também.
Há também quem considere Filosofia como saber superior, que chega à verdade, e seria capaz de julgar todas as ideologias e afirmar qual é a correta. Isso não é possível, pois o filósofo não detém a verdade última. Seu papel é o de colaborar com todos os saberes. Evita-se assim o dogmatismo, isto é, achar que há uma razão soberana e fundadora, que há formas racionais que se impõem de cima para baixo. Como os conceitos nascem de uma cultura e de uma história, a tarefa filosófica é a de pensar a diversidade das culturas em colaboração com a arte, a moral, o direito, as ciências.
Nesse sentido, a Filosofia é a mediadora entre os saberes. Impor um saber totalizador e único, que sistematize toda a realidade de modo certo e indubitável conduz à intolerância, condena à morte a reflexão filosófica.
Muito se fala hoje de “consciência crítica”. Ora, ensinar e aprender Filosofia vai muito além de proporcionar consciência crítica e cidadã, mesmo porque todas as disciplinas têm essa obrigação. A especificidade da Filosofia vem de um trabalho rigoroso com conceitos, é um mergulho na riqueza e na complexidade do pensamento, alarga e esclarece esses conceitos, reflete sobre seu sentido, enfim, exercita o pensamento. Não basta expor um tema e depois verificar ou avaliar se os alunos aprenderam.  O uso do raciocínio de tipo reflexivo, indagador, questionador, integra e proporciona comunidades de discussão. Desse modo, exerce-se a pedagogia da integração, do diálogo, da autonomia, da liberdade e do rigor do pensamento."