sábado, 28 de dezembro de 2013

Reflexões sobre a morte

A morte prematura de um ex-aluno meu, motivou esta postagem. A dor e o vazio da perda são pessoais, intransferíveis, causam perplexidade, espantam pelo fato de alguém estar aqui e subitamente, inevitavelmente e eternamente se ausentarem.

A morte, se isso serve de consolo, para Sócrates não é temível e nem  terrível: 
"Morrer é uma dessas duas coisas, diz ele: ou o morto é igual a nada, e não sente nenhuma sensação de coisa alguma, ou então, como se costuma dizer, trata-se de uma mudança, uma emigração da alma, do lugar deste mundo para outro lugar. Se não há nenhuma sensação, se é como um sono (...), que maravilhosa vantagem seria a morte!" E se houver o encontro com os que já se foram, prossegue Sócrates, "que maior bem haveria que esse?"

Somos finitos? O que há em nós de infinito ou imortal?
"Em que disposições de corpo e de alma devemos aguardar que a morte nos surpreenda; a brevidade da vida, a imensidade do tempo antes de nós e depois de nós, a debilidade de toda matéria" (Marco Aurélio).
Pascal, mesmo sendo cético, acha que essa é uma questão inescapável: "não há neste mundo verdadeira e sólida satisfação, nossos prazeres são puras vaidades, nossos males infinitos e a morte nos ameaça a cada instante (...) Eis o fim que espera a mais bela vida do mundo. Que se medite nisso: se não é indubitável que não há outro bem nesta vida senão o da esperança em outra vida".

Nada há em nós de infinito ou imortal para os filósofos da existência. Esta acaba, e fim. Para Heidegger há os que "esquecem" disso, vivem como se fossem eternos, e os que aceitam o fato de morrer e mais, vivem sabendo que vão morrer; "da-sein", ser aí, neste nosso mundo, mortais, ser-para-a-morte. O que não significa passividade nem negação, mas afirmação do valor da vida, por paradoxal que isso possa parecer.
O ser humano não só vive no tempo, ele vive também temporalmente, o tempo o constitui. 
Temporalidade implica começo, meio e fim.


Filosofar pode consolar.

O tempo se torna fator decisivo nas mortes acidentais, como a que levou João Paulo. Um segundo de desatenção e os fabulosos engenhos da humanidade matam. Uma arma, um meio de transporte, uma falha mecânica, e tantos outros fatores... 
Difícil aceitar, difícil acreditar... 

domingo, 15 de dezembro de 2013

Teísmo e ateísmo na filosofia

Uma das principais questões filosóficas, senão a mais crucial pelo menos aquela que mais intriga os filósofos,  se refere a Deus.
Mesmo antes da religiões monoteístas, filósofos indagaram sobre o princípio de todas as coisas, sobre a causa primeira do universo. Demiurgo, para Platão, plasmou, isto é, deu forma às ideias que são a essência de tudo o que há. Aristóteles buscou a causa primeira no motor imóvel, que dá início à cadeia de causas. Sendo primeiro, não deve seu movimento a nenhum outro. Interessante que Aristóteles rejeita o nada, o vazio que precederia esse vir a ser geral. 

Foi a filosofia cristã que possibilitou pensar o nada. Deus criou o mundo a partir do nada. Santo Agostinho que pertencia à escola dos Padres da Igreja (nasceu em 354, morreu em 430), pensou Deus não por meio do raciocínio de causa/efeito e sim por meio da iluminação interior. Em Confissões ele perguntou onde Deus reside em sua memória, a que ele deve a honra de a memória acolher Deus, seria pelos "afetos da alma", pela recordação de imagens, pelo espírito do próprio Agostinho? Não pois tudo isso muda, e Deus não muda, mas sem dúvida Deus habita sua memória, "porque me lembro de Vós, desde que Vos conheci e encontro-Vos lá dentro, sempre que de Vós me lembro", escreveu Agostinho em Confissões.
Ainda na filosofia cristã, na Idade Média, São Tomás de Aquino seguiu a via das causas para chegar à existência de um criador. Há movimento, logo todo ser é movido por outro, como não se pode ir ao infinito, é preciso o primeiro motor, Deus (prova em tudo semelhante à de Aristóteles); há causas eficientes que produzem os efeitos em tudo o que existe, se não houvesse Deus, não haveria efeito algum; para haver geração e morte, é preciso um ser que não tenha sido gerado, o único necessário para gerar todos os seres; na natureza há graus de perfeição, o que requer o mais perfeito de todos, Deus; o universo segue uma ordem inteligente, não seguiria se não houvesse o ordenador maior.
De algum modo os filósofos teístas seguem um ou mais argumentos semelhantes, como Descartes que da ideia de perfeição concluiu pela existência do ser absolutamente perfeito.

E os filósofos ateus?
Há os que consideram impossível que a razão humana possa conhecer algo que a transcende, como Kant (que não pode ser considerado ateu), há os que sequer se preocupam com a questão e os que se declaram ateus. 
Entre os últimos se destaca Nietzsche (1844-1900). A afirmação "Deus está morto" foi tão chocante quanto incompreendida pelos que divulgam e ensinam filosofia. Para Nietzsche tudo não passa de elucubração, de invenção humana, até mesmo compreensível se pensarmos na fraqueza e fragilidade do ser humano. A razão quando filosofa levanta a crucial questão da causa, do começo e do fim, de como a totalidade do universo veio a ser. Para Nietzsche não há nada fora do todo, e pensar assim, que não há necessidade de um espírito superior, liberta. Afirmar o mundo, afirmar a condição humana, pronunciar-se como um imoralista, quer dizer, para além dos gastos valores de bem e mal inventados para justificar a fraqueza humana, requer força, coragem, novos valores para a vida, nova vida com arte, criatividade, mais uso da intuição e menos daquele tipo de razão apegada à pergunta pela causa. Quem pergunta, o que responde, quais são os conceitos para responder? Valores humanos, linguagem humana, cultura humana. 

Outro ateu não menos famoso, Jean-Paul Sartre (1905-1980), parte da existência humana, da apreensão de si pelo reconhecimento do outro, da liberdade que exige total responsabilidade por tudo o que somos, pelas escolhas que nos engajam. Delas só se foge por má fé. Assim, se as pessoas responsabilizarem Deus pela sua situação, fogem de sua própria escolha, de seus valores e até mesmo da dignidade humana. Ao assumir a sua condição de existir em meio a outros e sempre em situação, rejeita a moral dos códigos prontos e se volta para a humanidade, não como um bloco abstrato, mas enquanto existências concretas.
O que concluir?
Usar a razão, argumentar e demonstrar são recursos da filosofia que podem levar a um ou a outro caminho. Seja qual for o caminho, o que encontra Deus ou o que encontra o homem em sua solidão cósmica, importa o uso que se faz tanto da reflexão como das crenças. Se para impor, explorar, escravizar, violentar pessoas ou se para libertar, abrir perspectivas, inspirar, respeitar pessoas.