sexta-feira, 18 de julho de 2014

O que há em comum entre Wittgenstein, Foucault e Habermas?

Os três pensadores são considerados filósofos pós-metafísicos (ver postagem anterior). Quer dizer, no lugar de instâncias permanentes e transcendentes, de um ser superior, de fundamentos absolutos, eles se voltam para a história e a cultura humanas. Sob que aspectos, sob que condições? Aquelas mesmas produzidas por nós: linguagem, símbolos, significação, interações, trocas, o contato permanente e criador com a natureza (eventualmente destruidor), enfim, seres humanos em suas relações.
A ação humana nos modifica e cria constantemente produtos e valores, ao construir situações necessárias à vida cotidiana. Há dois mundos constituídos pela ação: o das trocas de produtos, bens e valores por meio de instituições econômicas, sociais, políticas, culturais, grosso modo o mundo dos negócios; e o das relações humanas voltadas à comunicação, à criação cultural, aos cuidados com a saúde, instituições jurídicas, educacionais, segurança pública. Além disso, há setores que interligam os dois "mundos": informação, ecologia, engenharia, arquitetura, biologia.
Os filósofos mencionados no título, Wittgenstein, Foucault e Habermas, se voltam para a investigação filosófica do "segundo mundo", importa considerar os jogos de linguagem (Wittgenstein), os enunciados do discurso (Foucault) e os atos de fala comunicativos (Habermas).
Em comum, a linguagem considerada como ação. Sim, pois enunciados ditos por alguém, para alguém em situações comuns da vida não servem apenas para significar, isto é, sons de uma língua emitidos de um locutor a outro, com significado, valem segundo Wittgenstein (Investigações Filosóficas) como afirmações a respeito disso ou daquilo, narração de um acontecimento, um questionamento, uma anedota, um aviso, uma cantiga de roda, uma piada, uma confissão. São todos jogos de linguagem, que dependem do contexto, da intenção, da situação dos interlocutores, do meio de comunicação, da capacidade de interpretação. Se alguém ouve ou lê "Hoje é dia de festa", compreende que é uma frase significativa e bem formada da língua portuguesa, mas precisa de um contexto de enunciação para saber a que se refere, o que se quer dizer com a frase.

Wittgenstein (1889-1951) "Nosso erro é buscar por uma explicação quando o que deveríamos olhar é para o que ocorre como um 'proto-fenômeno'. Isto é, onde deveríamos ter dito: este jogo de linguagem é jogado".

Foucault analisa em As Palavras e as Coisas e em Arqueologia do Saber enunciados do discurso, outro nível da linguagem, diverso da significação das frases, diverso dos jogos de linguagem e dos atos de fala (que veremos logo abaixo), porque têm a peculiaridade de criar certo poder, justamente o poder do discurso. Este não é um poder político, nem poder de mando ou comando, autoritário, mas um poder que nasceu com a instituição social de certos saberes, em nossos dias muitos deles próprios para readequar o comportamento humano. O saber de uma época forma um desenho, o das práticas discursivas com seu peso, uma materialidade institucional, uma utilidade. Por exemplo, o uso da norma como fiel da balança para avaliar, diagnosticar no discurso psiquiátrico. O sujeito desse discurso é o médico e a sociedade atribui e distribui o uso desses discursos, dessas práticas a certas instituições e saberes, no caso, o hospital psiquiátrico e a psiquiatria. 

Foucault (1926-1984) "Esses princípios de exclusão e de escolha, cuja presença é múltipla, cuja eficácia toma corpo em práticas ... não remetem a um sujeito de conhecimento (histórico ou transcendental) ...; elas designam antes uma vontade de saber, anônima e polimorfa..."

Quanto a Habermas, herdeiro de Kant e Hegel, a linguagem serve para atos de comunicação ou atos estratégicos. Os atos de fala (explico melhor em próxima postagem) serviriam para comunicação em contextos da sociedade, da cultura e das pessoas em sua individualidade. Produzem consenso (eventualmente dissenso), laços de solidariedade e socializam pessoas. Os atos estratégicos, ao contrário, serviriam para influenciar, seu poder decorre do Estado e das relações econômicas, compra-se e vende-se tudo, na modernidade as relações pessoais são em grande parte filtradas por interesses, pelo poder do estado e pelo poder econômico, inclusive a ordem jurídica.


Habermas (1929-) "Devemos nos compreender ainda como seres normativos de maneira geral, ou até como seres que esperam uns dos outros uma responsabilidade solidária e que têm igual respeito uns pelos outros?"


Interessante notar que os três pensadores não se excluem, que pensar a lógica da vida cotidiana (Wittgenstein), o poder do discurso (Foucault) e a capacidade de entendimento cerceada pelas estratégias sociais (Habermas), são análises que se complementam, intersubjetividade no lugar do sujeito/pensamento. Ou como se expressou Nietzsche: "Pensamentos são ações".