quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Dogmatismo, relativismo e ceticismo

Como é possível que certo filósofo ou certa escola de Filosofia se auto proclame como verdadeira, como tendo razão, quando se sabe que há outras escolas e muitos outros filósofos com posições inteiramente diferentes?!
Filósofos necessariamente caminham por diversas trilhas, suas ideias e conceitos diferem, por isso mesmo há que reconhecer a validade de outros modos de pensar e conceituar.
Em ciência, isso é impossível. Quando há impasses e contradições, é preciso solucionar a dúvida com novas observações e experiências. Os testes são imprescindíveis.
Ora, em Filosofia, tal não se dá, impossível testar ideias e posições teóricas diferentes para avaliar qual está correta. Ter razão entre filósofos, é o mesmo que dar razões, expor seu ponto de vista, suas ideias e argumentos de modo tal que se possa compreender e avaliar a consistência de seus conceitos, o poder de abertura e incitamento a novos modos de pensar, se seus questionamentos instigam a reflexão e a crítica, quer dizer, se certo filósofo não se arvora como única opção, como único caminho.

Logo, a História da Filosofia representa um leque de escolas e de filósofos que se contrapõem, mas não se anulam mutuamente. Quer dizer, o dogmatismo, isto é, a pretensão de que suas ideias e seu sistema filosófico prevaleçam sobre os demais, é prejudicial, acaba com o filosofar, além de impedir a missão crítica da Filosofia.
Tomemos um exemplo: Aristóteles, criticou o mundo das ideias de Platão por duplicar sem necessidade entes da realidade, e propôs voltar-se às causas dos seres, suas essências e propriedades, perfeitamente acessíveis ao conhecimento humano. Em nenhum escrito Aristóteles defendeu dogmaticamente suas propostas. Isso ocorreu na Filosofia Cristã, há um só caminho, o das verdades que são dogmas, incontestáveis: existência de um Ser Superior, alma imortal, espírito superior ao corpo carnal e em pecado.

Pois bem, se o dogmatismo cerceia a reflexão, defendê-lo implica que cada filósofo terá sua própria e única razão. O relativismo apregoa que há múltiplos caminhos e várias alternativas na História da Filosofia, sem via única. Problemas: se todos os filósofos valem igualmente, optar por um ou outro seria indiferente uma vez que as escolas filosóficas se equivalem. Se tudo é relativo, essa mesma afirmação também o é, e o relativismo se auto anula. 
Porém há outro modo de considerar o relativismo, válido e interessante. É o de entender que sem a inserção em uma cultura, em uma época histórica e em certa sociedade, não há como estudar, avaliar e/ou eleger certa escola de pensamento e certo filósofo, preferir um a outro implica em não isolar um de outro. Assim, ser relativista seria defender que cada pensador tem sua própria perspectiva, e isso salva o relativismo do paradoxo de considerar que todos valem igualmente, o que conduz à indiferença e ao ceticismo.

E o ceticismo? Filósofos céticos como Górgias na Antiguidade, em alguma dose Sócrates, certo ceticismo da dúvida cartesiana, o de David Hume, em certo sentido o ceticismo de Wittgenstein: seriam esses tipos de ceticismo autodestrutivos? Quer dizer, como duvidar de tudo sem anular seu próprio argumento cético?
Para escapar dessa aporia, o cético só fulmina a verdade para deixar um rastro de possibilidades. Górgias exercita a capacidade de argumentar; "Só sei que nada sei" socrático, leva à busca de saber; a dúvida cartesiana serve justamente para eliminar a dúvida inicial; o de Hume conduz à atitude de cautela, e o ceticismo de Wittgenstein restabelece os limites da dúvida para situações em que ela faz sentido.

Assim se alimenta o filosofar, para que a Filosofia viva é preciso apenas que a deixemos respirar.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Qual é o valor da Filosofia para o grande público?

Filosofia está na moda?
Parece que sim, pelo menos para certos círculos, publicações e divulgação na internet. Entre os mais famosos e requisitados, estão Luiz Felipe Pondé e Leandro Karnal.
O primeiro se vale do tom agressivo, contestador de tudo o que normalmente se pensa, de valores reconhecidamente pertinentes, talvez com a intenção de provocar, de escandalizar, de reverter expectativas. Assim, se vocês consideram válida a beleza é melhor afastá-la ou bani-la, pois prejudicaria a igualdade, afirmou ele em texto recente. Ao mesmo tempo afirma que beleza é imprescindível, pois, "não seria verdade o que dizem: mulheres bonitas são caçadas a pauladas (sic!) no mundo corporativo", e outras tiradas do gênero. Seu objetivo: chamar a atenção, especialmente de desavisados que aceitam considerações desse tipo. Recheia o texto com vários pensadores, põe lá Dostoiévski, tenta impressionar pela sua cultura, e dá-lhe desancar o que ele considera como o pensar banal, normal, evidente do comum das pessoas.
Atinge o público, faz valer a missão da Filosofia? 
Nem um nem outro, levar as pessoas a pensar, rever seus valores, renovar seus critérios nada tem a ver com escandalizar ou reverter expectativas.
Mas, enfim, tudo bem que ele, Pondé, prossiga com suas "filosofadas", seus textos afinal, são publicados!

E quanto a Leandro Karnal, este é mais cauteloso. Começa suas falas num outro tom, mais conciliador, sempre citando algum filósofo para respaldar suas reflexões e considerações sobre o que melhor ecoa aos ouvidos do público ávido por pensamentos que acalentam, acalmam, ressaltam o que as pessoas têm de melhor. "Viaje para dentro de si" é preciso viajar sempre, já dizia Platão. Mas as viagens precisam instigar algo na vida das pessoas, transformá-las para melhor, não se acomode dentro de sua casa, saia e veja o mundo, etc., etc.
Numeroso público de Karnal 
Essas considerações penetram na mente e no coração, sim, é isso mesmo, compreendi o que o filósofo aconselhou, gostei de ouvir esses sábios ensinamentos.
Novamente, tudo bem que Karnal prossiga com essas lições de filosofia as quais, afinal, encontram um público cativo e com sede de algo diferente, não propriamente a auto-ajuda, nem doutrinamento político e nem a doutrina das religiões.

Isso beneficia ou prejudica a Filosofia, a dos pensadores clássicos, a que se ensina nas escolas, nos cursos superiores?
Considerar que o papel da Filosofia é escandalizar ou tranquilizar mentes e corações prejudica. Não que o academicismo não seja igualmente prejudicial, pois o jargão filosófico afasta aqueles que gostariam de aprender algo com os grandes pensadores.
Beneficiaria, até certo ponto, seria a contribuição para o debate em torno ao papel da Filosofia na sociedade atual, mesmo que para isso cometam equívocos. 

A Filosofia não pode servir de chicote e nem de paliativo.
A Filosofia deve possibilitar discernir, conceituar, avaliar, levar o pensamento aos seus limites.
A Filosofia é representada pelos próprios filósofos, não em um desfile rápido e incompreensível de suas ideias, mas de modo a que essas ideias possam ser compartilhadas, sem distorção, com aproximações cuidadosas e fiéis às suas propostas.