quinta-feira, 31 de maio de 2018

A sabedoria socrática

Quem se interessa pelo poder da Filosofia, deve recorrer ao pensamento de Sócrates. A argumentação do filósofo é simples, direta, compreensível e a fina ironia é usada para destruir ilusões.
Ele é um questionador, desestabiliza crenças adotadas sem fundamentação, e nem precisa de floreios ou meias palavras. 
A famosa doutrina da douta ignorância, se baseia na afirmação: "Só sei que nada sei". Há um paradoxo tanto em ser ignorante e ao mesmo tempo sábio (douto) quando em afirmar que sabe nada saber. Ora, então sabe, pelo menos isso: que nada sabe.

Mas as lições socráticas são compreensíveis, basta que nos desembaracemos das aporias e das armadilhas da lógica.
O filósofo almeja aprender sempre e sua sabedoria reside em deixar de lado a arrogância, a pretensão de ser portador da verdade, e assim deixar o campo livre a quem quiser percorrer.

O pensador lavra o campo, prepara o terreno, mas as sementes devem ser lançadas tanto pelo mestre como pelo aprendiz.
As colheitas serão sazonais, não acabarão e para tal a aprendizagem deve ser permanente. Mas, se o caminho escolhido for a da vaidade, do saber total e definitivo que ao invés de argumentar só tenta dissuadir, influenciar, empacotar o pensar em caixas fechadas prontas para o uso, em geral de ideologias fáceis -, então a reflexão filosófica congela. 
A retidão e a firmeza moral, a vida exemplar, o ensino que desconstrói certezas absolutas, levou Sócrates à condenação por ter corrompido a juventude. A questão é que Sócrates incomodava políticos de Atenas, seus discursos punham a nu a hipocrisia, o filósofo desmascarava as segundas intenções, o que sempre perturba os medíocres. A estes não adiante colocar-lhes espelhos. Eles só veem o que querem ver.
Diz Sócrates:
Outra coisa não faço senão andar por aí persuadindo-vos, moços e velhos, a não cuidar tão aferradamente do corpo e das riquezas, como de melhorar o mais possível a alma, dizendo-vos que dos haveres não vem a virtude para os homens, mas da virtude vêm os haveres e todos os outros bens particulares e públicos. Se com esses discursos corrompo a mocidade, esses preceitos seriam nocivos; se alguém afirmar que digo outras coisas e não essas, mente (in Platão, "A Defesa de Sócrates").
(470/469-399 a. C.)
E prossegue afirmando que não arredará desses princípios!

Quem sabe o que seria agir por princípios?
Eu diria que são raros...

domingo, 13 de maio de 2018

A ética dos atos de liberdade de M. Foucault

As duas últimas obras publicadas por Foucault, o foram no ano de sua morte, 1984. Os títulos indicam que o tema é a história da sexualidade, mas não havia sexualidade no sentido biológico, médico, psicológico e psicanalítico tal qual desde o século 19 se compreende, nem para os gregos antigos e nem para os latinos do século 1 e 2 de nossa era.
Para os gregos tratava-se dos aphrodisia, quer dizer, dos prazeres e de como moldá-los no sentido de seguir hábitos de saúde, observar certo tipo de dieta conforme as estações do ano e a idade, respeitar o jovem efebo em sua virilidade nas relações que hoje chamaríamos de homossexuais. Ora, justamente, esse é um termo de ajustamento de condutas seguindo normas, próprio da modernidade.
E esse modo de avaliar a sexualidade em termos de normal e anormal sugere que a moral e a ética da carne, do pecado, das transgressões que nasceu com o cristianismo, se prolongou até hoje. Mesmo as tentativas de liberação, nada mais são do que o reconhecimento de que sexo é reprimido.
Para Foucault, não se trata de repressão e sim de uma pletora discursiva. Fala-se, às vezes veladamente, mas fala-se de sexo o tempo todo.
A ética grega e latina se dava em outra perspectiva. A da liberdade e autonomia sem que sexo fosse a questão dominante. A medicina oferecia conselhos para a prática mais prazerosa e oportuna, inclusive o regime do não desperdício nas relações sexuais.
Mas, o que essas práticas têm a ver com atos de liberdade, como cerne da ética?
Ao contrário de Marcuse que propusera liberar a sexualidade como forma política de emancipação, o eros não é central para Foucault. Quais seriam, pergunta ele, as práticas de liberdade que usaríamos para definir prazer, relações eróticas, amorosas e passionais? A ética como práticas que envolvem atos de liberdade, assumidos pelas pessoas e não impingidos por códigos e preceitos, com regras que definem o que é permitido ou proibido, tampouco a fala nos consultórios para extrair o sexo reprimido.
O modelo seria então, o dos gregos da antiguidade clássica: o justo meio, a modulação de seus atos em um estilo pessoal de vida, que poderia ser resumido na pergunta:"O que eu quero para mim?"
O difícil seria entender que não se trata de um "tudo vale", pois é preciso ser o dono de si, ter domínio sobre si mesmo, justamente, "a prática refletida da liberdade", uma arte de viver, e de viver bem.