terça-feira, 25 de outubro de 2016

Conceito de Filosofia em termos muito simples

Dia desses meu neto se machucou e perguntou se eu também era médica. Faz sentido, pois o avô paterno, seu pai e sua mãe são médicos. Como ele tem quatro anos, não permitiu que eu cuidasse do ferimento, pois que eu não era entendida no assunto...
Foi assim que ele ficou sabendo que minha profissão era professora, e de Filosofia. "Mas que é isso vovó?"
Iniciei minha carreira de professora aos dezenove anos, meus alunos cursavam o antigo Clássico, no Colégio Estadual do Paraná, onde eu estudara.
O colegial se dividia entre opções para CL (Línguas), CB (Biologia), CM (Matemática), e o curso em que eu me formara, CS (Ciências Sociais). Logo me apaixonei por Filosofia, e me tornei professora mesmo antes de me formar na UFPR no saudoso Curso de Filosofia (1968-1971). O melhor professor, que usava anotações pessoais e as expunha com clareza e sabedoria, foi Frei Raimundo Vier.
Assim, mirando-me nos professores, nos filósofos, nas suas ideias e conceitos, não parei de estudar o pensamento das grandes mentes iluminadas que nos inspiram desde os pré-socráticos até os atuais, Dewey, Rorty, Wittgenstein, Heidegger, Sartre, Foucault, Habermas e muitos outros.
Evidentemente, não poderia lançar mão deles para tentar explicar ao meu neto o que seria Filosofia...
Nada melhor do que ilustrar com exemplos e situações do cotidiano, pois por experiência própria sabia o quanto alunos, mesmo mais velhos, têm enorme dificuldade para abstrair, para sair do mais imediato e sensível, para o mais geral e inteligível.
O que é abstrair? O que é inteligível?
Considere essa situação: engatar uma questão na outra. Quem fez esse seu brinquedo? Onde ele foi feito? Como ele foi feito? Do que ele é feito? Como chegou até você?
Isso só para despertar a curiosidade, e as respostas, não importa, podem ser as mais divertidas e absurdas.
Depois, alargar o círculo das perguntas, onde você mora, onde você nasceu, antes de você nascer como era? Nada? Onde todas as coisas do mundo estão? Lugar, tempo, antes e depois, aqui e agora, levam a sair do sensível e local para ir um pouco adiante.
Por que disso e daquilo, justamente um recurso comum e extraordinário ao qual a maioria das crianças com três a quatro anos recorre. Por que esse menino está chorando? E você responde que não sabe.
"Não saber" e "saber", a crucial importância dessa ferramenta. Sabemos, afinal, o que sobre quais coisas?
Se a criança olha para você e faz cara de quem entendeu ou não entendeu, não tem problema. Ela já despertou para o fazer perguntas, uma espécie de diálogo platônico que exercita a inteligência e a vontade de saber.
Filosofia pode basicamente se resumir nisso: "vontade de saber", que implica: conhecer, indagar, usar conceitos, chegar a conclusões, entre elas a dos limites do que podemos saber. Ao mesmo tempo mostrar o que é inaceitável: coibir, proibir, cercear a liberdade de pensamento.
***
PS.: sobre o projeto do Ensino Médio: 
Seria muito proveitoso perguntar aos alunos que cursam o Ensino Médio se eles gostariam de poder optar entre disciplinas que contemplariam suas preferências e seu futuro profissional.
Duvido que eles abririam mão dessas escolhas... Aliás, alguém pelo menos leu o projeto de lei?

sábado, 1 de outubro de 2016

Três modelos para a Filosofia Social

Em qual desses modelos a sociedade atual se encaixaria?

Hobbes (1588-1670) viveu na época do absolutismo inglês, em sua obra mais famosa, O Leviatã diz que os homens agem por impulso, são ambiciosos e egoístas. Eles se esforçam para sair de situações desagradáveis, de tudo o que traz dor e sofrimento, em sua luta pela sobrevivência ou age e vence ou sucumbe e morre. Antes da constituição da sociedade, no estado natural, a guerra era de todos contra todos, o homem lobo do homem, vence o mais forte ou o mais astuto. O desejo de poder só acaba com a morte. Como não há garantia de deter o poder e os meios para viver, a luta se perpetua. O pacto pela paz visa o interesse de obter um poder absoluto, que mantivesse todos sob o comando do Estado. Ao soberano os súditos conferem toda a força e mando com relação à vida, à propriedade e a aplicação da justiça. Aceitar o poder soberano é o único modo de sobreviver.

John Locke (1632-1704) lançou as bases do pensamento liberal inglês, viu a Revolução Gloriosa (1689) derrotar o autoritarismo dos Stuart. O parlamentarismo e o governo constitucional adotaram os princípios da livre iniciativa, livre concorrência e liberdade de credos. O poder nasce do acordo entre partes, a propriedade, e tudo o que os indivíduos conquistam pelo trabalho, a eles pertence. A sociedade é formada para satisfazer necessidades e exercer ampla e livremente seus direitos.

Rousseau (1712-1780) preconiza a igualdade de todos, o povo como soberano em Do Contrato Social. Ao contrário de Hobbes, para Rousseau o homem no estado de natureza nada tinha de egoísta, como podia satisfazer todas suas necessidades, a natureza proporcionava tudo de que tinha necessidade, não havia comércio, guerra, competição.
A propriedade de bens e terras gerou desigualdade, e somente com a evolução da sociedade civil e a liberdade como um direito fundamentado em contrato é que surge a organização política. Os homens se dispõem a perder o que lhes cabe individualmente em benefício de todos, do corpo político. Nessa união de todos, cada um obedece a si, e permanece livre.

Hoje diríamos que Hobbes oscilaria entre o realismo (guerra, violência, milhares de refugiados, tráfico internacional de armas e drogas) e o pessimismo: a solução é manter todos sob a força outorgada a um poder absoluto?
Locke defende a propriedade, a liberdade e a constituição, fundamentos necessários e ameaçados por ditadores e pela imposição de um só credo, que pode levar ao terrorismo.
Rousseau, a utopia da igualdade exige abrir mão da propriedade, a liberdade possível é delegada à vontade geral. O próprio Rousseau afirmava ser difícil que um povo permanecesse em associação duradoura, seria preciso que o Estado fosse pequeno, cidadãos deveriam poder se conhecer, os problemas simples de resolver, igualdade apenas com pouco ou nenhum luxo.

Assim, democracia ainda que não perfeita, obediência à constituição, rigor da lei aos que dela fogem e estaríamos no melhor dos mundos.
Passo importante: eleição dos mais honestos e mais capazes, não à corrupção, simples assim. E, ao mesmo tempo, difícil.