segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Cinco questões fundamentais da Filosofia

Há cinco questões fundamentais que a Filosofia se propõe a colocar, busca responder ou mesmo deixa em aberto:

- Sobre o Ser, tudo o que há, que existe, que subsiste, que aparenta ser, ou que é o que aparenta; e pode esta questão ser posta  de outro modo: o que são os fenômenos, acontecimentos, coisas, objetos? Eles possuem um cerne, uma essência que é sua marca de identificação? Cabe perguntar também o modo como vieram a ser, o modo como atualmente são, como serão ou deixarão de ser. Exemplo: para Aristóteles em sua Metafísica há substâncias essenciais (o que não pode faltar ao ser) e seus acidentes, o modo como existem no tempo, no espaço, neste ou naquele lugar, deste ou daquele modo, enfim, suas variações.

- Sobre o conhecimento, como conhecemos, como atingimos o que nos cerca: pela percepção? sensações? intelecto? O que nos vem à mente, ao nosso saber, depende de ideias, de conceitos, da linguagem? Ou retratamos as coisas exatamente como elas são, tal como se a mente fosse um espelho? Necessitamos de um tipo de rede (proposições, atos de fala, construções sociais) que, lançada à realidade a torna cognoscível? Ou a realidade em si é conhecida tal qual ela é e não como nós a representamos?

- Sobre o bem e o mal, o sentimento ético/moral de que há atitudes comprometidas com o bem e que abominam o mal, para em seguida perguntar? Mas, o que é bem? E o que é mal? Quem os distingue? Sob quais critérios consideramos boa a ação ou a condenamos? Precisamos de alguém superior e detentor de um código para distinguir bem de mal? Quem pode punir? Somos sujeitos a uma lei eterna e receberemos recompensa ou castigo? Ou nós mesmos somos livres e responsáveis por nossos atos?

- Sobre a verdade, alguém a detém? Trata-se de uma questão de critérios? Quais seriam? A coerência, a comprovação? Como provar ou comprovar? Há juízos corretos, e os que passam por corretos, mas que mudam com o tempo e as sociedades? Verdade pronunciada em nome de quem ou do que? Se a verdade é desejável e benéfica, como podem os enganos, a mentira, a ilusão, o auto-engano prevalecerem muitas vezes? O que significa "verdade"? Integridade? Possibilidade de verificação? Ater-se a um credo ou crença? 

- Sobre o sentido da existência: há pleno sentido para os que obtêm resposta em um mestre, uma doutrina, uma religião, um partido político? É preciso um ideal, mas como chegar a esse ideal, ou melhor ainda, há mesmo um ideal? A plenitude pode provir de realizações pessoais? Da família? Dos laços de amor e afeto? Do trabalho? Do projeto de vida no qual as pessoas se engajam? Do poder da esperança para os que sofrem? E quando não há perspectiva e a vida não tem sentido algum como concluem os céticos?

É possível que nenhuma dessas questões seja proposta por um sem número de pessoas, nesse caso a própria condição humana acaba por ser negada, alienada e rejeitada.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Michel Houellebecq critica filósofos franceses

Em entrevista à revista Época (14 de novembro 2016) o escritor francês Michel Houellebecq, polêmico como sempre, enaltece os escritores e desanca com os filósofos franceses da segunda metade do século 20. Afirma que Sartre e Camus nada mais têm a dizer, e que Derrida, Lacan, Deleuze e Foucault são incompreensíveis, suas frases são "bizarras" e sem "nenhum sentido".
Já ele próprio se julga grande escritor. De fato ele é o mais lido, premiado e traduzido novelista da França. Li duas de suas obras "Les particules élémentaires" e "La carte et le territoire". São interessantes, fazem refletir sobre nossa sociedade, os sentimentos humanos enraizados e que nos perturbam, como sexo, arte, política, destino das nações, França em especial.
Nasceu em 1958, prêmio Goncourt em 2010, cultiva imagem "dégoûtante".

Entretanto, escrever ficção o autoriza a tratar desse modo filósofos que fazem parte de uma geração influente com suas ideias e conceitos?
Ninguém nega que a leitura desses filósofos seja difícil. Filosofia não é fácil, difere e muito da literatura, que conduz o leitor para situações imaginárias, cujo ritmo e conteúdo atrai e necessariamente encanta, surpreende, prende a atenção, provoca sentimentos e sensações diversas.
No caso de Houellebecq, vêm à tona, amor, intriga, como a modernidade enfrenta questões políticas, éticas, científicas, como progresso pode também ser decadência. Definitivamente, escritor interessante e com enorme talento. Talento tão grande quanto sua soberba e orgulho, desprezo pelo que não lhe diz respeito. Considera-se merecedor do Nobel de Literatura, "não vejo na França quem possa estar mais bem colocado do que eu para isso". A cada vez que se depara com dificuldade para entender não só filósofos, também escritores e análises da política hoje, afirma que para de ler.

Voltemos à sua crítica aos filósofos. Ao mesmo tempo em que critica a obscuridade deles, enaltece os intelectuais. Ora, filósofos não seriam igualmente intelectuais? Segundo ele próprio, são os intelectuais que ampliam a discussão, disseminam suas ideias, ideias essas que têm poder e precisam de divulgação. Por acaso filósofos não fazem exatamente isso? Ah, ressalva Houellebecq, os intelectuais não podem ser acadêmicos nem pesquisadores!
Tudo bem, então de onde extraem suas poderosas ideias?

Se os filósofos são difíceis, incompreensíveis, é porque são filósofos. A escrita filosófica é conceitual, pode ser simplificada para se tornar mais acessível até certo ponto. Mas não é compatível com a Filosofia esfarelarem-se pensamentos, noções, ideias, conceitos. 

Em certo sentido, pode-se concordar com o escritor, muito do que os filósofos acima citados produziram é de fato ininteligível e/ou inacessível. E é justamente por isso mesmo que aqueles e outros tantos devem e podem ser criticados. Sim, pois deve-se poder questionar e obter respostas para: o que tal filósofo quis dizer? Qual é sua mensagem? A que conclusões o pensamento de tal ou tal filósofo conduz? E em que medida isso importa? 
Se o filósofo não responder a essas questões, lixo para ele. Nesses casos, Houellebecq tem razão... 

domingo, 6 de novembro de 2016

Kant, o transcendental a priori e o papel da experiência

Talvez a mais notória contribuição de Kant para a Filosofia, especialmente a Metafísica e a Teoria do Conhecimento, seja o que ele próprio chamou de "Revolução Copernicana". O sujeito e suas propriedades formais e a priori são as condições necessárias para haver conhecimento.
Quer dizer  que todo e qualquer objeto ou situação fora do sujeito, tudo o que está na realidade, só é atingível por meio de propriedades formais da razão, que são transcendentais e a priori. Mas não se trata da mente individual e subjetiva, ao modo de Descartes e sim formas puras do entendimento, não pessoais, não obtidas por meio da experiência.
A experiência tem um papel fundamental, mas não funciona sozinha pondo na mente ideias obtidas única exclusivamente pelo contato dos sentidos com o mundo externo, como para o empirismo de Locke.
A experiência, para Kant, seria caótica se não fossem as faculdades da intuição que organizam o material recebido pela experiência. Essa faculdade de pensar, de intuir por meio da sensibilidade, põe ordem no caos empírico. "Intuição" justamente é essa capacidade de conhecer objetos de modo a priori, isto é, são as condições da sensibilidade que põem os fenômenos todos a serem conhecidos, no tempo e no espaço.
A razão é soberana e imprescindível, o uso puro da razão funciona dentro dos limites da experiência, portanto, nada de idealismo platônico, nada da Metafísica tradicional que impõe de fora para dentro tudo o que em si mesmo existe, sem que o sujeito intervenha.
Não é possível ir além dos limites da sensibilidade, além do tempo e do espaço.
Os únicos juízos ou formulações que garantem certeza, são os juízos sintéticos a priori, as representações do espírito sobre os fenômenos empíricos.

Diferentemente dos juízos empíricos sintéticos obtidos pela experiência, por isso a posteriori, por exemplo, que todos os corpos são pesados, que o pão alimenta, que é preciso nadar para não se afogar, etc. etc., os juízos sintéticos a priori, não dependem da experiência, são necessários, absolutamente confiáveis também para situações futuras, são puros, são racionais. São eles que mostram à experiência o que vale como conhecimento seguro, suscetível de progredir.
Se o conhecimento se baseasse somente na experiência dos sentidos, o mundo exterior, que é mutável e que contém inúmeras facetas, seria inatingível e não se poderia obter conhecimento seguro. A experiência limita o mundo que conhecemos, mas ela não é possível sem a intervenção das formas puras a priori do entendimento. 

Conclusão: se a razão fornece os princípios do conhecimento seguro, a priori, confiável, cabe a cada indivíduo usar os aparatos da subjetividade, os princípios e propriedades da razão pura.
Quanto às questões da prática, dos juízos morais, são outros princípios que contam: a boa vontade, sua autonomia, a liberdade e o senso de dever moral. Quanto mais livre, mais capaz de exercer o dever moral.