terça-feira, 15 de novembro de 2022

O livre pensar é mesmo ilimitado?

 O tema do momento é o do título, o pensar livre, ou, como nos debates atuais, a "liberdade de expressão". Há algum tempo atrás dava para abordar o tema de forma leve e irônica com a frase de Millôr Fernandes: "Livre pensar é só pensar".

Entre pensar e expressar vai uma enorme distância que apenas o uso da linguagem transpõe. E esse uso varia conforme o lugar, público ou privado; a situação, que acarrete ou não consequências e responsabilização; o meio, redes sociais ou canais jurídicos. 

Num bar entre amigos, você pode dizer o que bem entende? Evidente que não! No espaço de lazer e prazer, também há limites, por exemplo, a ofensa, a calúnia, a ambiguidade, ou o inverso, a deslavada bajulação, o fingimento. E tudo pode acabar em tapinhas nas costas ou brigas...

O mesmo ocorre nos grupos familiares. Convívio, amizade, troca de experiências, afeto que podem desandar a depender de uma questão mal resolvida, de segredos que vêm à tona.

O momento político e social trouxe para o campo jurídico a decisão do que é livre pensar, do que é liberdade de expressão. No centro disso, as redes sociais e as notícias fabricadas com explícita intenção de prejudicar, de atingir a honra, de manipular fatos, de tecer intrigas, de deixar no ar suspeitas, de forjar acontecimentos. 

E para onde essa rede de mentiras pretende levar, o que ela dissemina, o que ela cria? A aceitação sem verificar fontes de uma parcela enorme do público, as redes criam verdade, produzem guerra de informação e contra informação, vale tudo. 

A consequência mais polêmica foram as sucessivas tomadas de decisão por parte dos tribunais superiores, que se deram a missão de punir os disseminadores de notícias falsas, e de roldão punir conforme o que os próprios juízes decidem que seja prejudicial ou inverídico no tocante às eleições presidenciais deste ano. Isso é chamado de "arbítrio".

Certa ou não, uma decisão judicial tem o mérito ou demérito implícito. Cumpra-se.

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Acho que há um outro lado, digamos, filosófico e ético. Refletir, lado filosófico; o reto agir, lado ético. 

Do lado filosófico, o livre pensar só é possível por meio da linguagem. Então, é limitado por ela. Basta uma simples observação: "O que você quis dizer com isso?" É a linguagem usada para esclarecer a própria linguagem. E a resposta é um ato de fala, que esclarece, que compromete, que possibilita o diálogo.

Por isso mesmo a linguagem, ao responsabilizar o dito e aquele que diz, entra no terreno ético. "Eu afirmo tal ou tal coisa, sim, e me comprometo com a veracidade do que eu estou dizendo".

Ora, nenhum destes aspectos, o do dizer verdadeiro e autêntico, o do dizer responsável e comprometido valem no território político e dos influenciadores, nem nas decisões supostamente corretas de cortes de justiça. 

Como ficamos, então? Mal, muito mal, tanto pelas notícias fabricadas como pelo seu controle pelos meios jurídicos.


terça-feira, 1 de novembro de 2022

Guerra de ideologias

 Nada chama mais a atenção nos dias de hoje, não que isso seja unicamente questão da atualidade, o jogo das ideologias. Esquerda e extrema esquerda, direita e extrema direita se digladiam. Por que é impossível, ao menos de um ponto de vista filosófico sustentar uma ou outra posição?

Ideologia significa conjunto de ideias que são defendidas sem respaldo filosófico e nem científico. Seu respaldo é social e político. Ora, para haver fundamentação é preciso que um tipo de razão, de argumentação, de raciocínio, de análise pelo qual certa ideologia deveria ou poderia ser sustentada. Ou que a ideologia passasse por prova, experiência, que a corrobore ou que a falseie.

Então qual é a força que move uma ideologia? Se é um conjunto de ideias, valores, posições políticas, propostas partidárias, a base não é a da argumentação, e sim a da valoração de um conjunto de posições,  de preferências que impulsionam a ação política. A política por sua vez, é a trama da cidade, da polis, do poder. A modernidade (a qual nem todas as nações ou países alcançaram) é caracterizada principalmente pela liberdade de pensamento e de ação, pela responsabilidade cívica, pela representação legítima de seus cidadãos, pela independência e atuação dos poderes de legislar, de governar e jurídico, sob certa constituição, ela igualmente legítima. 

É neste âmbito social e político que as ideologias atuam. Partidos políticos com expressão, certamente não os nascidos de interesse pessoal ou para simplesmente acomodar grupos e personalidades, aqueles partidos têm um fundo ideológico. De que natureza é esse fundo? Ele se caracteriza por ser pró ou contra, por exemplo, ao papel do Estado, ao direito à propriedade, à preservação da natureza, à liberdade de expressão, à saúde pública, e outros tantos direitos e deveres. 

Mas, ao se defrontarem com a realidade social e econômica, as ideologias travam. Alguns exemplos: sistema bancário, indústrias de grande porte, mobilidade social, meios e sistemas de transporte, conservação de rodovias, implantação de parques, manutenção de museus e prédios públicos. Em nenhum deles há ou deve haver preferência ideológica. 

Já na educação, na arte, nos símbolos há escolhas, há valores e portanto, algum tipo de infiltração ideológica ou de postura explicitamente ideológica. Até que ponto as ideologias mascaram, até que ponto influenciam, até que ponto vale a pena lutar por certa ideologia?

Impossível responder devido à própria natureza das ideologias. Elas são máscaras que, de tão coladas impedem todo e qualquer juízo de realidade. Indefensáveis à luz da razão argumentativa, porém capazes de fanatizar, de cegar.  Véus de ilusão...