sexta-feira, 28 de maio de 2021

Filosofia e ideologia

 A Filosofia requer reflexão, indagações acerca do todo, da condição humana, das possibilidades da ação e da valoração, da busca pelo justo e pelo justificável. Seu caminho é o da capacidade de compreensão, de intelecção, de abertura para o pensar, para o ser, e até mesmo para o que não se consegue compreender. E então se bate naquele solo duro além do limite de nossa capacidade de compreensão, como propusera Wittgenstein, o mistério.

Entre teoria e práxis, a Filosofia eleva o saber às últimas possibilidades de que nosso tipo de conceituação pode alcançar, com clareza, com o uso da razão.

Assim, a Filosofia não é um conjunto de credos, não é um receituário, não tem a ver com opção política, com partidarismo, ela não ouve o último guru e suas pregações. Mas o filósofo está atento às inclinações do momento, às demandas que lhe chegam para apoiar ou para rejeitar certo conjunto de posições derivadas da situação política, econômica, social de um país ou de certas comunidades. O filósofo está atento às armadilhas que os interesses públicos e privados dos grupos que detêm ou que almejam o poder de comandar pessoas, ideias, decisões podem resultar. Se resultam em liberdade e vida digna ou se em escravidão e opressão.

Sim, o filósofo de séria formação, estudo, visões e valores, este sabe distinguir entre a oferta ideológica, ou melhor, as exigências ideológicas e as indagações filosóficas.

Recentemente em artigo de jornal foi publicado um panegírico com defesa de Leibniz em comparação com Descartes, Kant e Hegel. Estes últimos seriam prejudiciais, deles teria advindo a corrente de esquerda marxista e suas lutas revolucionárias.

Pois bem, isso é um notório exemplo de distorção da Filosofia em proveito de uma ideologia. Achar que Leibniz está certo por avançar no campo da matemática e propor que nosso mundo é o melhor dos mundos possíveis e que com isso o filósofo forneceria uma opção correta para sustentar o pensamento conservador da direita, não só destrói um filósofo e lhe retira o mérito de suas investidas na metafísica, como inverte o sentido da Filosofia. Tanto Descartes quanto Leibniz defenderam a prova ontológica da existência de Deus, para dar só um exemplo...

A ação ideológica não é apenas prerrogativa da esquerda que usa o marxismo como tábua de mandamentos dos divinos Marx, Engels, Trotsky e Lênin, mas também no atual momento da política brasileira, uma bandeira dos filhotes do guru da direita.

E nada disso representa o conteúdo nem os objetivos do pensar filosófico. Filósofos podem e devem se pronunciar quanto a injustiças, perseguições, violência. Mas ao fazê-lo não estão a filosofar, mesmo que sua formação e ideias o impulsionem e o motivem. 

As ideologias surgem dos movimentos sociais, políticos e dos interesses coletivos, são como Marx reconheceu, um véu de ilusão. Ironia? Ou Marx refletia? A diferença entre Filosofia e ideologia fica clara, distinta e evidente, diria Descartes.


quarta-feira, 12 de maio de 2021

A busca pela verdade

 As concepções filosóficas de verdade são tão diversas quantos são os filósofos, suas ideias e suas escolas de pensamento.

E, se é verdade (ops!) que tais concepções dependem de cada cabeça filosófica, a conclusão cética seria a de que é impossível chegar à verdade sem passar pelos filtros da história da filosofia. Surge então o dilema: ou aderimos a um filósofo e sua escola, ou renunciamos à verdade e mesmo à sua definição?

Não é preciso chegar a tanto. Percorrer a história da filosofia é esclarecedor, abre caminhos, renova o pensamento, incentiva a reflexão e proporciona admiração, quer dizer, a satisfação intelectual que resulta do saber.

E assim se dá o primeiro passo: saber é melhor do que ignorar. E saber implica percorrer caminhos com obstáculos, tais como o erro, a dúvida, o engano, o autoengano, a mentira, as ilusões. Não foi bem isso que Descartes fez?

E antes dele Sócrates propôs a douta ignorância, quer dizer, livre-se da ideia de que você tudo sabe, vasculhe o quarto escuro em busca da luz inicial, só sei que nada sei e a partir daí ironize, dispa o pretencioso e o dono da verdade de suas vestes, ponha a nu o rei...

Não gostou da via socrática? Que tal usar a forma lógica, raciocínios que concluem com certeza dadas as premissas iniciais? O silogismo de Aristóteles, que igualmente olhou o mundo a sua volta e preconizou o ponto de partida da experiência, obter verdade por meio da verificação, da prova empírica. E temos as diversas ciências sempre sujeitas à revisão e à conferência dos dados. Segura? Sim, confiável justamente por adotar a postura experimental, a abertura constante para fatos e para a reconstrução de fatos guiada pelas hipóteses e teorias, e claro, suas aplicações.

E que dizer então da verdade moral? Bem e mal se opõem e têm sua própria história. O ceticismo de Nietzsche é um convite para nos desembaraçarmos de prescrições que são impostas, de crenças que não são avaliadas e assim poder extrair de dentro de nós valores renovados. Mas como alcançar essa meta no mundo de ilusão das imagens gravadas e postadas a torto e a direito?!

E se todos vivermos sob o véu da ilusão, sujeitados ao inconsciente que não perdoa nada, que estrutura nossa mente? Se você não estiver deitado num divã, não se preocupe. A criança que cata no lixão tem outros problemas para resolver e isso também é muito, muito verdadeiro...

Finalmente, a conclusão provisória: há que usar a gasta metáfora dos caminhos, das vias e perspectivas e sempre colocar-se à disposição para o justo, o verdadeiro, o debate, à abertura e, principalmente, ao aprendizado. O que e como posso e devo eu saber? 

Desse modo talvez algo como a verdade seja preferível e mesmo indispensável, ainda mais nas circunstâncias atuais em que se mente a todos, o tempo todo.