terça-feira, 31 de outubro de 2017

A "História da Loucura", o que Foucault quis dizer?

Importa ressaltar antes de tudo, que essa obra, fruto de seu doutoramento, aborda tema inusitado entre filósofos. Por que Foucault escolheu o tema da loucura?
Porque ele viu de perto como se tratava, como se lidava com a doença mental pela psicologia e pela psiquiatria de fins dos anos 50. A tese foi publicada em 1961, é longa, mais de 500 páginas de pesquisa impressionante. O que não será novidade em suas futuras obras, baseadas em documentos da época, que ele traz para a luz do dia em leitura fascinante e original.

Na chamada idade clássica, fins do século 16 até metade do 18, na Europa, especialmente França e Inglaterra, houve uma mudança no modo de lidar com a loucura. Antes os loucos eram os que perturbavam, e seguiam destino errante nas naus, de cidade em cidade. 
Bosch, paisagem das delícias, século 15
Mais tarde passaram a ser internados com pobres, desocupados, e mesmo presos políticos da Revolução Francesa.Os furiosos eram acorrentados, as condições terríveis. Quem os mandava prender? A própria família e os encarregados da ordem pública. 
Internamento, sob correntes

A verdade sobre a loucura ainda não era questão, saber o que e quem era o louco não eram problemas. Em fins do século 18, com a produção econômica suficiente para surgirem as primeiras fábricas, os pobres úteis se tornaram mão de obra, os presos políticos se rebelavam, houve um movimento de beneficência do estado que levou a nova mudança: deixem os loucos mais livres, essa liberdade poderá servir de tratamento, até de cura.
Foucault demonstra por meio de documentos que quando Pinel liberou os loucos do Hospital Geral (Bicêtre), não foi um puro gesto humanitário. Foi um gesto próximo ao da consideração de que é possível retornar à calma com outros meios: banhos, passeios ao ar livre, uma condução de seu comportamento, como se o louco tivesse que ser protegido dele mesmo.
Pinel liberta os loucos
O que Foucault pretendia mostrar foram essas transformações: ao mesmo tempo que separa os loucos de outros, a loucura fica restrita a um espaço e a um olhar objetivos, daqui para frente, médico.
O asilo é o lugar para curar e aliviar a loucura, sob vigilância beneficente.

"É essencial para a possibilidade de uma ciência positiva do homem que exista, do lado mais recuado, esta área da loucura na qual e a partir da qual a existência humana cai na objetividade".

Quer dizer, o fato de se constituir uma ciência é ao mesmo tempo alívio e prisão. Não a das grades mas a do saber positivo.Qual é a mensagem?
Grande parte dos especialistas em Foucault afirma que ele denuncia a violência, que ele critica o hospital, as escolas, as prisões, que ele pretende sua eliminação; para os leitores mais radicais, que o filósofo faz juízo moral, que ele condena todo tipo de repressão e de alienação. Se há esse lado do protesto na obra de Foucault, há o outro lado, mais difícil de perceber.
Suas pesquisas retratam nossas práticas muitas delas violentas outras suaves, em sua maioria toscas invenções para lidar com nossas dificuldades. Isso mostra que nós, quando lidamos conosco, somos no mínimo... humanos.
Nossa existência, sob essas mutações do saber ocidental, nada tem de grandioso, verdadeiro, sublime. São mudanças com a eficácia possível e desejável pelo tipo de sociedade que construímos.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

O problemático conceito de ideologia

Quais são as raízes de nosso pensamento?
São várias e diversas: carga genética, experiências de vida, emoções, aprendizado, influência do meio social e familiar, escolarização, entre outras; cada uma delas, a seu modo, influenciará o modo de pensar e de ver o mundo, desde a infância e em especial na idade adulta.
E quanto à ideologia?
Mas antes, o que vem a ser "ideologia"?
Em um sentido positivo, são as ideias e conceitos que moldam a produção intelectual, as visões políticas, inclusive as metáforas e a simbolização da linguagem, e até mesmo certas utopias.
Vista dessa maneira, trata-se de um conteúdo formado basicamente por ideias que podem ajudar partidos e sistemas políticos a formular e a aplicar um ideário que pode e deve ser aberto às discussões, ao aperfeiçoamento dos objetivos políticos e sociais, e, principalmente, a leitura de sua época, às exigências de seu tempo.
Em flagrante contraponto a essa modo de ver e de usar as ideologias, prepondera a radicalização.
Em primeiro lugar, a imposição de um conjunto de propostas que não passam pelo exame crítico, pelo contrário, iludem, mascaram, seu objetivo é se transformar em única bandeira de luta, com prévios acertos sobre o que entendem ser a realidade social e política, capaz de produzir o que Marx chamara de "falsa consciência".
Essas ideologias visivelmente tendenciosas, conduzem aos extremismos de direita e de esquerda. Os de direita distorcem a realidade em prol do conservadorismo, da resistência às mudanças que a própria vida em sociedade produz. Se a sociedade evolui em direção à tolerância religiosa, por exemplo, os ideólogos de direita consideram que há um só credo "verdadeiro", o seu!
E as ideologias de esquerda consideram que o capital, que a burguesia, que a classe dominante também domina ideologicamente e impõe de cima a baixo seus conceitos, ideias e concepções políticas. Não conseguem pensar a realidade social fora do esquematismo "burguesia x trabalho". Que o socialismo é o único regime que resolverá a contradição, que acabará com o lucro ("mais valia") do capitalismo, intrinsecamente mau. Os olhos se fecham para a realidade histórica. 
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Em seu último boletim, a ANDES traz um artigo sobre o legado do direito soviético, como "a obrigatoriedade do trabalho, o que fez da URSS o primeiro lugar do mundo em que toda a população teve garantidas as condições para reprodução de sua vida (...) e, paulatinamente, reduzir a jornada de trabalho, ao contrário do que acontece nas sociedades capitalistas, onde o Direito do Trabalho tem como foco garantir a extração da mais-valia" (p. 16). É um resumo da pesquisa do professor docente de Direito da Universidade Federal de Lavras, Gustavo Seferian.

É um caso evidente de distorção ideológica, só para ilustrar o direito do trabalho surgiu na Europa, nos EUA e também no Brasil sem nenhuma lei que promova o lucro. Mais adiante nesse artigo, reconhece que Stálin foi um contrarrevolucionário. Mas que felizmente também o "Direito é passível de alterações (sic), não só as favoráveis à burguesia, mas também alterações que são reflexo das ofensivas e resistências dos trabalhadores".
Esse discurso ideológico eivado de conceitos que nem Marx usaria, predomina ainda em vários setores da inteligenzzia universitária.


sexta-feira, 6 de outubro de 2017

O ser para a morte, segundo Heidegger

Na concepção de ser para a morte, Heidegger concebe nossa fiitude como marca essencial do ser humano, em termos ontológicos.

Viver no tempo é saber-se finito, que o ser humano vive até o fim. A morte está em nossa vida. O fato de estar lançado e ser para a morte angustia. A experiência da morte dos outros faz ver nossa determinação ontológica, isto é, o fim inevitável. O corpo do morto ainda é cercado por resquícios de algo vivo nas celebrações do funeral, muitas vezes se procura substituir quem já foi, mas não se pode assumir a morte do outro, e sim a sua própria, ser-aí que vai morrer, que esse é seu modo de ser, insubstituível. O ser-aí não finda como as coisas que se acabam ou como animais que morrem. No momento em que o homem é, ele já é seu fim, esse é seu modo de ser.

Enquanto modo de ser, a análise existencial é incompatível com suposições sobre a pós-morte. A estrutura ontológica e existencial da morte consiste na possibilidade de poder não mais estar aqui, ser-aí, presente. Ora, como o ser-aí depende de poder ser isso ou aquilo, o tempo todo, a morte é a possibilidade que impede todas as possibilidades. É a possibilidade mais própria e insuperável na qual o ser-aí já está lançado. E ele experimenta isso pela angústia. Ser no mundo angustia pois é ser para o fim. Nada a ver com o medo da morte. Esse medo de morrer se acha na cotidianidade, a morte é compensada pelo palavrório, pelo tornar público aquele sentimento, escamotear dissolvendo-a pela publicidade, e isso para evitar encará-la, melhor não pensar nisso.


No projeto existencial, diferentemente, sabe-se que a morte é inevitável, ponto final. Daí decorre uma liberação para as possibilidades compreendidas agora como finitas. O que dá uma nova dimensão para a existência. Estar aberto para a certeza da morte redimensiona a vida, a angústia mantém essa abertura frente ao nada, a liberdade para a morte. Não somos o nosso próprio fundamento, o pro-jeto nos lança para frente, o que no fundo é nada, e ao mesmo tempo, somos livres para assumir diversas possibilidades. O nada está essencialmente inserido na estrutura do estar-lançado” e “o nada existencial não possui o caráter da privação”. Ser livre em suas possibilidades é ser livre para escolher uma delas e suportar não ter escolhido outras.

Em nossa situação atual, o esquecimento do ser parece mais grave. Domina o que Heidegger chamou de "palavrório", a inconstância, a agitação febril, o diz que diz que, mensagens e mais mensagens, imagens e mais imagens. Veja isso, comi pizza, meu filho engatinha, meu gato mia, e mais e mais banalidades.
Você se sente confortável com tanto poder da curiosidade?!