Porque ele viu de perto como se tratava, como se lidava com a doença mental pela psicologia e pela psiquiatria de fins dos anos 50. A tese foi publicada em 1961, é longa, mais de 500 páginas de pesquisa impressionante. O que não será novidade em suas futuras obras, baseadas em documentos da época, que ele traz para a luz do dia em leitura fascinante e original.
Na chamada idade clássica, fins do século 16 até metade do 18, na Europa, especialmente França e Inglaterra, houve uma mudança no modo de lidar com a loucura. Antes os loucos eram os que perturbavam, e seguiam destino errante nas naus, de cidade em cidade.
Bosch, paisagem das delícias, século 15
Mais tarde passaram a ser internados com pobres, desocupados, e mesmo presos políticos da Revolução Francesa.Os furiosos eram acorrentados, as condições terríveis. Quem os mandava prender? A própria família e os encarregados da ordem pública.
Internamento, sob correntes
A verdade sobre a loucura ainda não era questão, saber o que e quem era o louco não eram problemas. Em fins do século 18, com a produção econômica suficiente para surgirem as primeiras fábricas, os pobres úteis se tornaram mão de obra, os presos políticos se rebelavam, houve um movimento de beneficência do estado que levou a nova mudança: deixem os loucos mais livres, essa liberdade poderá servir de tratamento, até de cura.
Foucault demonstra por meio de documentos que quando Pinel liberou os loucos do Hospital Geral (Bicêtre), não foi um puro gesto humanitário. Foi um gesto próximo ao da consideração de que é possível retornar à calma com outros meios: banhos, passeios ao ar livre, uma condução de seu comportamento, como se o louco tivesse que ser protegido dele mesmo.
Pinel liberta os loucos
O que Foucault pretendia mostrar foram essas transformações: ao mesmo tempo que separa os loucos de outros, a loucura fica restrita a um espaço e a um olhar objetivos, daqui para frente, médico.O asilo é o lugar para curar e aliviar a loucura, sob vigilância beneficente.
"É essencial para a possibilidade de uma ciência positiva do homem que exista, do lado mais recuado, esta área da loucura na qual e a partir da qual a existência humana cai na objetividade".
Quer dizer, o fato de se constituir uma ciência é ao mesmo tempo alívio e prisão. Não a das grades mas a do saber positivo.Qual é a mensagem?
Grande parte dos especialistas em Foucault afirma que ele denuncia a violência, que ele critica o hospital, as escolas, as prisões, que ele pretende sua eliminação; para os leitores mais radicais, que o filósofo faz juízo moral, que ele condena todo tipo de repressão e de alienação. Se há esse lado do protesto na obra de Foucault, há o outro lado, mais difícil de perceber.
Suas pesquisas retratam nossas práticas muitas delas violentas outras suaves, em sua maioria toscas invenções para lidar com nossas dificuldades. Isso mostra que nós, quando lidamos conosco, somos no mínimo... humanos.
Nossa existência, sob essas mutações do saber ocidental, nada tem de grandioso, verdadeiro, sublime. São mudanças com a eficácia possível e desejável pelo tipo de sociedade que construímos.
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