O diálogo A República, tem como tema central o ideal político de justiça, sendo esta o principal e indispensável requisito para que um Estado funcione. Para Platão, a cidade ideal é semelhante à alma. O verdadeiro Estado se constitui de modo perfeito, quando os sábios comandam e têm a ciência do que é próprio às demais classes, que são a classe dos artesãos (comandada pela alma dos apetites) e a dos guerreiros que protegem a cidade (comandada pela alma da coragem e fortaleza). Pela temperança se estabelece a concórdia entre a parte superior e a parte inferior tanto de um indivíduo como de toda a sociedade. A justiça decorre de cada um ocupar sua respectiva função, que é aquela que melhor cabe à natureza de cada um. Se cada um cumpre suas obrigações o Estado é justo e feliz. No livro IV de A República Platão explica que a justiça está em cada um cumprir a sua função, o seu dever, que a justiça garante a cada aquilo que lhe é devido. O sábio governa, o rei filósofo aplica as leis de forma justa, as tarefas são distribuídas conforme a capacidade de cada cidadão.
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Em uma leitura atual, se condenaria Platão por ele ignorar a igualdade e a liberdade. Mas seria uma condenação inapropriada, pois na Grécia clássica justiça é distribuição de funções de acordo com capacidades diferentes. Um oleiro faz bem tijolos, o arquiteto depende desse material e a construção depende de uma boa planta, de um bom planejamento, de um bom arquiteto, portanto, como Platão exemplifica em Político.Isso seria considerado desigual porque um ganha menos, outro mais. Para nós as oportunidades devem ser as mesmas. Os homens nascem iguais e a sociedade os acorrenta, diria Rousseau.
Como sair desse impasse?
Com educação universal, seriamente comprometida com o despertar de habilidades e de funções que aliem a capacidade individual com a demanda social e econômica.
No Brasil, há uma enorme distância entre um atraso que remete ao passado colonial e uma grande parte educada, participante da vida social, com condições de escolher sua atividade conforme sua capacidade, como queria Platão.
É possível melhorar as condições dos mais pobres? Sim, se houver uma ótima interação entre governo empenhado com escolas e professores de qualidade, com a produção de bens, com a eficiência econômica, com regras transparentes, liberdade pessoal e justiça social.
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Nesse difícil processo, há um obstáculo a mais, que passa batido: são justamente educadores, filósofos, historiadores, pessoas com alguma influência no setor educacional, em geral, cujas cabeças estão encalacradas com uma ideologia ultrapassada, paradoxalmente, marxista. Por que "paradoxalmente"?
Ideologia, segundo Marx, é um véu de ignorância. Faz ver as coisas de cabeça para baixo. Ora, a ideologia de uma esquerda que vive de palavras de ordem ("fora FMI", "fora FHC", "fora capitalismo", "a culpa é das elites", "fora economia global", "fora agricultura de exportação", etc.) representa o atraso para a educação, se por educação se entende abertura, compromisso com a pesquisa séria e responsável nas universidades, com a formação de profissionais aptos para compreender nossa história e nossa realidade.
Ar renovado, precisamos disso, com urgência.