terça-feira, 19 de março de 2013

Sobre o tempo passado e futuro

Costuma-se declarar com alto grau de convicção algo óbvio: que o passado já era, não volta, é como um cadáver sepultado; e que o futuro ainda não é, portanto, incerto, misterioso e fora do alcance de nossas decisões.
Sim, o passado ficou para trás. Mas não morto! Sem nosso passado não teríamos nossa história de vida, o que fizemos, o que deixamos de fazer, realizações satisfeitas, sonhos impossíveis, acontecimentos banais do cotidiano, acontecimentos marcantes - isso tudo é descarregado em nosso presente, o passado constitui, pode-se dizer, nosso presente.
É impossível modificar o que deixou de existir?
Contra o senso comum, pode-se afirmar o inverso. Acontecimentos não voltam, mas podem ser vistos, avaliados, perscrutados e compreendidos de outros modos, por outras perspectivas. A cada fase de nossas vidas, na medida em que nossas experiências ganham mais consistência, a maturidade e a velhice levam a novas e surpreendentes interpretações do que somos hoje em função do modo como lembramos e vivenciamos fatos passados.
Um acontecimento que a psicanálise chama de traumático, pode ser revisto, pode ser compreendido de outros modos, subitamente se desperta para situações que envolveram ou ocasionaram este ou aquele episódio. O passado tanto pode assombrar como renovar o que hoje somos.
É nesse sentido que a análise psicológica ou psicanalítica conduz a pessoa a mudanças, a revisões, e mesmo a um aperfeiçoamento de si. É assim também que a vasta e rica literatura de memórias enriquece pessoas e culturas.
Isso sem mencionar a história de povos, de nações, a história natural, a evolução da vida no planeta.
Assim, as incursões no passado mostram o quanto ele está vivo!

E o futuro? A Deus pertence, como se diz?
Por mais incerto e imprevisível, o futuro de certo modo, a nós pertence.
Do contrário não planejaríamos, não pouparíamos, deixaríamos tudo ao encargo da providência divina. Mas não é isso que acontece. O tempo todo nosso presente nos lança para frente, precisamos administrar nosso tempo, e projetar o que faremos, como decidiremos, como enfrentaremos tal ou tal problema (uma doença, ou uma reviravolta financeira), como comemoraremos tal ou tal data, e as expectativas com relação a uma viagem, a uma proposta.

Somos responsáveis pelo nosso futuro, em que pesem as surpresas e o acaso. Somos nossa liberdade, nosso projeto, como afirmou Sartre. Somos nossa própria possibilidade de ser. Um obstáculo, uma adversidade não é argumento contra nossa liberdade, "por que é por nós, ou seja, pelo posicionamento prévio de um fim, que surge o coeficiente de adversidade" (Sartre, "O Ser e o Nada"). O que faço com o inevitável? Como enfrento   os obstáculos? Que atitude tomar diante de uma adversidade? São atos livres.

Somos ser-no-tempo, Dasein, ser aí, para Heidegger. Diante das possibilidades de ser isso ou aquilo, surge a angústia, e esta revela que o modo de ser do homem é o cuidado. Importar-se, marcar presença, saber e poder decidir, saber-se existente, portanto mortal.

Passado, presente e futuro formam um todo.

terça-feira, 5 de março de 2013

A covardia moral: Habermas e Yoani Sánchez

Há covardes que se rendem às dificuldades e obstáculos; tudo temem, são medrosos, "maricas" como se dizia. Não confundir com pessoas cautelosas.
Mas os piores covardes são os que praticam a covardia moral. O caso mais recente e notório foram as ofensas com que foi recebida a blogueira Yoani Sánchez no Brasil. 



Uma visita de cortesia e agradecimento que se tornou um caso de humilhação e de impedimento de livre comunicação. Um movimento orquestrado pela embaixada de Cuba arregimentou grupos de intolerantes que tentaram impedir que uma moça simples, corajosa, sincera e muito bem intencionada fosse ouvida e respondesse a questionamentos.
Evidentemente não era "agente da CIA" (como que até agora não foi presa?!). Mora em Cuba, ama seu país, denuncia a falta de perspectiva, de liberdade, teve que insistir muito para conseguir visto de saída. Seu país é uma ditadura, o povo permanece oprimido, e, se educação e saúde contam pontos, há pobreza exceto pelo setor turístico.
O embargo dos EUA prejudica? Que tal comercializar apenas com os países "comunistas"? A antiga URSS abandonou Cuba a sua própria sorte, não tinha mais como subsidiar a importação de açúcar. Toda a população sofreu.
E quanto às perseguições de dissidentes? Ser poeta e gay, por exemplo, pode significar prisão e tortura!
Por favor, senhores pseudo militantes a mando da embaixada de Cuba com assentimento do PT: antes de vociferar contra a blogueira, cuja coragem moral ficou evidente em suas declarações sobre a necessidade de diálogo, isto é, tolerância e compreensão, direito de resposta, esclarecimento das denúncias de violência, seria proveitoso que o bando de paus mandados soubesse do seguinte, pelo menos:
- que em Cuba não há lugar para a oposição;
- que progredir por meio de trabalho e empreender por meio da livre iniciativa é difícil, o governo apenas recentemente tem permitido ser proprietário de uns poucos meios de produção (solo para cultivo de hortaliças, por exemplo);
- que eles precisariam contrabandear os tênis de marca que certamente estavam usando quando de sua gritaria, seus celulares, e como ficariam os seus sonhos de consumo?
- provavelmente não usariam luxos como aparelhos nos dentes (aliás, faltam dentes na boca de Yoani);
- seria excelente uma temporada em Cuba para sentir in loco como vive a maior parte da população
- que liberdade de expressão não pode ser confundida com manifestação agressiva pois esta tolhe o direito de resposta.


Por que Habermas nesta postagem?
Em sua teoria da ação comunicativa, Habermas considera que a razão progrediu, que o terreno favorável são as democracias. Nas ditaduras, como a de Cuba, há sempre apenas um lado, imposto autoritariamente. O diálogo entre pessoas e grupos inexiste, a livre comunicação é bloqueada. Ora, a ação estratégica cabe exclusivamente nas esferas política e econômica, onde prevalece a disputa de interesses.
Em contraste, na ação comunicativa deve haver reconhecimento recíproco de direitos e deveres, de respeito, por meio dela pessoas dialogam com informação, com intenção sincera, seguindo diretrizes sociais que alçam todos à condição de cidadãos. Em simples palavras, a ação comunicativa permite o entendimento entre as partes, o que é essencial às democracias modernas. Esclarecer, ouvir o outro, suas razões, expor as suas próprias razões, enfim, argumentar. Na argumentação ficam de fora todo tipo de autoritarismo, intolerância, imposição.

Esperemos que a lição tenha sido aprendida, que o PT, que estava por detrás das manifestações contra Yoani, retorne a pelo menos alguns de seus princípios éticos. Se não for pedir demais!
Em tempo: assistam ao filme de Julian Schnabel, sobre a perseguição ao poeta cubano gay Reinaldo Arenas.