sexta-feira, 21 de julho de 2017

Quem e o que somos nós, os humanos?

Como os filósofos concebem o homem? Hoje se recusa a usar o termo geral homem, a cultura europeia exige que se desfilem os gêneros em sua diversidade.
Tudo bem, trata-se de uma idiossincrasia de nossa época, que revela como a própria civilização ocidental pretende ser inclusiva e despida de preconceitos. Mas essa é outra história, que, aliás, esconde a enorme distância entre um novaiorquino e um habitante dos confins africanos, entre uma executiva paulista e um sertanejo, e assim por diante. Sempre são minorias poderosas ou não, que impõem suas concepções e estilos de vida, como se unicamente a sua valesse como modelo universal.

Feitas essas observações, vejamos como os filósofos, ao abstrair e generalizar com seus conceitos, conceberam o homem sem o atenuante (ou o agravante...) do "politicamente incorreto".

A mais usada definição e uma das mais antigas, é a de Aristóteles: "animal racional", e sua também a menos famosa, "animal político". Aquele que tem a razão, raciocina, pensa, difere dos irracionais e mais ainda, necessita do convívio para não só viver, como para viver bem. E esse viver bem requer a prática das virtudes, que podem ser resumidas no equilíbrio, na justa medida.
Os estoicos ressaltam a vida prática, moderação nos prazeres, serenidade, refletem sobre os desejos, de como são naturais, mas com seus inconvenientes: "A quem não basta pouco, nada basta" (Epicuro).
O homem do humanismo clássico se contrapõe à concepção cristã, de criaturas com alma imortal, destinada a julgamento, marcada pelo pecado. O Renascimento põe o homem em contato com o cosmo, divinos são o cosmo e o próprio homem, cuja mente é capaz de desvendar os segredos do universo; ao invés de submissão à natureza, a compreensão da natureza.
Somos, segundo Pascal, um simples caniço, mas um caniço pensante, pensamentos estes que uma simples mosca pode perturbar. Oscilações da natureza humana, vista pelo prisma de sua finalidade, "é grande e incomparável", mas se for comparada com os animais, baixa e vil. Mas não se deve limitar a sua baixeza e nem ignorar sua grandeza. 
Em contraste, Kant eleva o homem à mais nobre e abstrata razão, uma razão pura para teorizar e uma razão prática para seguir os estritos comandos morais. O puritanismo nos amarra a imperativos éticos, e o idealismo de Kant nos ata a conceitos puros que são condições necessárias para o nosso entendimento.  
A virada da modernidade sai dos limites da razão, para o homem que trabalha, transforma e se transforma, a práxis marxista nos define como feitores de uma história de luta social e econômica, somos o "homo oeconomicus", produtores.
Nessa virada está também Nietzsche, o iconoclasta, ateu, destruidor de todos os mitos e mistificações em torno da moral, da metafísica, da natureza humana. Não passamos disso, humanos, muito humanos em nossas valorações; aquilo que consideramos grande e nobre deve ser reavaliado. Em lugar da imposição de sistemas morais, sermos espíritos livres. Livres das religiões quando tiranizam e se impõem como necessárias, absolutas e supremas. A vontade de potência rejeita o espírito gregário, de rebanho e enaltece a criação, a vida livre, as forças vitais; contra verdades impostas, sermos nossos próprios juízes.
Problema: para Freud jamais seremos estes seres livres e criadores. Espremido entre o inconsciente e suas turbulências, e a sociedade civilizada e suas regras, o eu (Ego) e suas neuroses procuram estabilizar-se entre um e outra.

Afinal, quem e o que somos? Um pouco disso e daquilo, atribulados com nossas invenções e limitados em nossas pretensões.

sábado, 1 de julho de 2017

"Por que existe o ente e não antes o nada?"

Ainda sobre a Metafísica, faremos rápida incursão na obra de Heidegger "Introdução à Metafísica" (1935), conferência pronunciada na Universidade de Freiburg que problematiza a questão do título. Nela o filósofo aborda a pergunta mais profunda e essencial da Filosofia.
Tentemos decifrá-la, afinal o objetivo deste blog é aplicar no dia a dia certas lições filosóficas.
Tudo o que existe, ou seja, os entes, antes de serem isso ou aquilo, importa a pergunta "por que". Nossa curiosidade, inclusive a de crianças, reside nisso, o acontecimento primeiro, original, saber que mesmo sem os homens na face da terra, o planeta e todo o universo existem, quer dizer, perguntar por que existe o ente não altera o próprio ente.
Para aqueles que creem na Bíblia, está tudo pronto, a resposta é Deus, mas o terreno aqui não é o filosófico e sim o teológico.
Assim, é para a Filosofia que a questão do "por que" permanece. Evidentemente não é algo do interesse de cientistas, artistas, técnicos, ela surge na história dos povos, em suas visões do todo, em suas imagens do mundo. A Filosofia não tem uso imediato, com ela nada se pode fazer, mas ela pode fazer algo conosco.
É nesse último sentido que vale a pena ir do domínio banal da existência, para o domínio do extraordinário, dar um salto, ser livre investigador e tentar alçar ao mais fundo como fizeram os primeiros filósofos, entre eles Heráclito e Parmênides.
O que unifica todos os entes em seu ser, o que os "essencializa"?
Para ambos é a força primordial, a physis. A poesia e o pensamento desvelaram a physis, ela é tudo, deuses, homens, pedras, é o que brota, o vigor, a intensidade, a permanência e o vir a ser.
O sentido primordial de physis não se restringe à natureza, portanto. Só mais tarde assume esse sentido e se opõe ao criado, ao produzido, à techne. Meta-física se tornou a investigação que vai além do ente físico.
Alguns exemplos da história da filosofia: os escolásticos, na Idade Média, respondiam à questão primordial, qual é o Ser dos entes com o "ato puro"; para Hegel, na Idade Moderna, o Ser essencial é o conceito absoluto; para Nietzsche é o eterno retorno da mesma potência; o próprio Heidegger essencializou o ente com o conceito de tempo, o homem é o ser-aí no tempo, aberto para a morte.

E quanto à segunda parte da pergunta, "e não antes o nada?" Como abordar o nada sem cair em paradoxo? Para falar sobre o nada não seria preciso que ele fosse algo, e então já não "seria" nada?
Isso de um ponto de vista lógico, mas a questão não é lógica e sim metafísica...
Um exemplo dado por Heidegger pode facilitar: o quadro de Van Gogh das botas, qual é o ser delas? Parece nos escapar, são tantas as leituras, e o mesmo se dá com o nada, a necessária suposição de que ser algo e não ser algo, quer dizer que há inúmeras possibilidades de ser e de não ser. 
Van Gogh, em uma de suas representações de botas, rotas, desgastadas. 

Como nossa época trata do ser? Ela pulveriza o ser em multiplicidades, inúmeros usos, o mundo se obscurece com guerras e terrorismo, um ditador assassina famílias com armas químicas, dependemos de energia em todas nossas atividades, e assim também destruímos o mundo, nos massificamos, nos reduzimos às escalas do tudo pronto, do imediato, do consumo instantâneo que leva ao esquecimento do primordial, não fazemos mais uso de nossa liberdade.
Isso é o que nós modernos temos feito com o ser dos entes, reduzimos tudo à mensagem, à imagem.

Mas ainda dá para perguntar, o que cada um de nós faz consigo, o que pensa de si, ao que dá valor?