sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Crítica e repetição: sobre as diferenças entre Filosofia e as ciências

Filosofia e ciência diferem? Sim, sob vários aspectos: forma, conteúdo, objetivo, função e inserção social, gênese histórica, aplicação entre outros. Não há, então convergência? Sim, se tomarmos ciência no sentido amplo de saber. Nesse sentido Kant exigiu que a metafísica se firmasse como ciência.
A filosofia nasceu antes da ciência moderna, quando mitos passaram a ser questionados. Portanto, de algum modo,  a filosofia é crítica. Se em seu nascimento a filosofia repete os mitos no modo de ver o cosmo, a origem dos seres e o destino humano, ao contrário da visão mitológica, a filosofia usa a razão, passa a deduzir que há uma causa que determina o ontos, pressupõe um princípio ou causa geral do ser: um elemento primordial ou algo mais abstrato, como o conceito/ideia para Platão, o motor que destrava o movimento para Aristóteles. 
A ciência moderna nasce de outra necessidade, a de explicar por meio de observação, experiência, resultados práticos, a constituição da matéria. Descobre a causa de os corpos, astros inclusive se movimentarem, a existência de corpúsculos, força, inércia, átomos, moléculas, evolução, bactérias, código genético, e não vai parar nesses incríveis resultados. As ciências, Física, Química, Biologia progridem e levam a revoluções na vida humana, transformações que reinventaram o modo como vivemos e nossas relações com o planeta Terra, com benefícios e os conhecidos malefícios (desde a bomba atômica até as emissões de gases com o aquecimento global).
E a filosofia? Formalmente é indagação, construção de conceitos, teoria, crítica, busca de sentido. Seu conteúdo não são leis que explicam a natureza ou a vida, e sim o fenômeno natureza, o fenômeno vida, o fenômeno mente/espírito/alma, o fenômeno linguagem, o fenômeno bem/mal, o fenômeno estético, o fenômeno lógico/inteligível.
Ficou difícil? Sim, conceituar e abstrair não faz parte da lida cotidiana, a não ser quando a pessoa se depara com certo tipo de dificuldade ou pergunta: por que vivemos? qual é o sentido profundo da vida humana? a morte é o fim de tudo? ou o começo de outra vida?
Se a resposta for o transcendente, o sobrenatural não se trata de filosofia e sim de religião, crença, fé, adesão a uma doutrina, prática de ritos.
A filosofia é razão e crítica. Ela não pede adesão e sim argumentação, raciocínio, deduções. Enquanto o objetivo dos cientistas é explicar e obter resultados práticos, e o objetivo da doutrina religiosa, pelo menos das religiões monoteístas é a salvação, redenção, premiação das boas almas, castigo do mal -, o objetivo da filosofia é pensar seu próprio movimento, sua história feita de pensadores que inovam e ao mesmo tempo repetem. 
Repetem temas, renovam o modo de ver, de avaliar os eternos temas ou questões que nos intrigam. O que aprendemos com os grandes filósofos, porque vale a pena estudar seu pensamento, como suas ideias podem mudar algo na cabeça das pessoas? A função e a inserção social da filosofia é sempre educacional. Exemplo: o conceito de ideia. É possível repetir as lições de Platão (conceitos eternos e divinos), as de Descartes (produtos do espírito quando pensa), e até mesmo perguntar como surgiu a ideia de "ideia" (R. Rorty). O conceito de origem ou de causa: imprescindível para Aristóteles, uma categoria usada pelo nosso entendimento (Kant), e um simples recurso do tipo de lógica que usamos (Wittgenstein).
Na ciência há explicação e renovação; na filosofia há crítica e repetição.  

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A polêmica sobre a frase "Deus seja louvado" nas cédulas do real

Ninguém mais reparava na frase "Deus seja louvado" nas cédulas de nosso dinheiro, até que um procurador resolve criar polêmica (sim, pois não passa disso!) e manda retirar dita frase das notas. Argumento: há outros deuses de outras religiões que devem ser respeitados e que não são mencionados.




Evidentemente que o argumento não procede. Não se trata de Deus específico, e sim do Criador na fé do cristianismo. Além disso, a própria concepção de um  Ser Superior está presente em todas as religiões. Não faz sentido algum haver ritos e doutrinas, crenças e deveres religiosos sem Deus, isto é, sem um ser transcendente, pelo qual se tem respeito, fé, obrigações morais, e, especialmente, devoção.

Outros condenam o uso da louvação a Deus com o argumento da ingerência do poder público na fé privada, pois na constituição nosso Estado é laico e as crenças são de foro íntimo. Nisso o procurador de certa forma segue uma tendência. Começou com a proibição do véu para a muçulmanas na França, e vem até a retirada de crucifixos de gabinetes de juízes no Brasil.

A questão de fundo, nesses casos é uma questão cultural. Há símbolos valorizados, cujo significado está presente não só nos espaços públicos, mas também nas manifestações pessoais. Uma procissão é manifestação de fé pública ou de foro íntimo e privado? Adesivos nos carros (terços, mensagens, figuras), cartazes com frases da Bíblia, significam que a pessoa declara aos outros sua fé? Ou quer com isso adesão à sua fé? Como se vê, a pretensa separação entre público e laico de um lado, e privado de outro, em matéria de crença religiosa é relativa. A quê? À cultura, aos costumes, à aceitação social ou à rejeição social; outras vezes se deve à moral dos grupos sociais. A própria moeda já foi chamada de "cruzeiro", as pessoas esquecem que é um termo derivado de cruz, símbolo máximo da cristandade.

Há um outro fator, esse sim, importante: a liberdade de crença, de opinião, de manifestação em democracias ocidentais é imprescindível. A convivência com o outro, com o diverso, com adversários políticos e mesmo de times esportivos antagônicos, é própria de sociedades modernas. Por tudo isso não se deve impor o uso de símbolos que constrangem a liberdade de expressão, que menosprezem ou ridicularizem outras religiões, crenças ou modos de ver e de viver.

Há quem argumente contra a proposta do procurador por razões filosóficas e teológicas. A necessidade da crença em Deus é incontestável e necessária, sem Deus nada somos, não pode nem passar pela cabeça de ninguém negar Deus. Rejeição do ateísmo como sendo absurdo, perigoso.
E o oposto, não há tal ser superior, o ateísmo deve ser cultuado, Deus não passa de uma invenção.
Ambos radicalizam, o primeiro pelo dogmatismo, o segundo além de radicalizar, acaba em uma redução ao absurdo: o ateísmo passa a ser um tipo de crença, o que é contraditório.

A vida em sociedade institui normas, significados, símbolos. Se eles forem vazios acabam esquecidos ou perdem sentido. Se forem impostos, como foi o caso da frase na moeda do real (por Sarney, em uma atitude hipócrita e nada original), causam desconforto em um primeiro momento, depois são também ignorados.

De qualquer forma, algo não soa bem, pois a crença em Deus pressupõe coração aberto, desprendimento, confiança. O dinheiro simboliza o oposto: luxúria, ganância, e falta. Falta no sentido financeiro para a grande maioria e falta no sentido psicanalítico. Talvez para todos...

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A pedagogia do "engajamento" prejudica e deturpa o ensino

Há algumas décadas os livros didáticos nas áreas de ciências humanas (História, Geografia) e de Sociologia e Filosofia mais recentemente, têm ido além do propósito de ensinar conteúdos dessas disciplinas. Em geral o argumento é o de que não há neutralidade com relação a posicionamento político e/ou ideológico, que entre as missões do educador, está a de engajar os alunos na "luta política", leia-se teses marxistas, supostamente as únicas capazes de satisfazer os aspectos da crítica política e evitar a "alienação" das cabeças dos adolescentes e jovens. 

Analisemos a primeira parte do argumento, a de que não há neutralidade, que esconder-se na neutralidade de valores é o mesmo que entregar a condução da política e da história brasileiras para a direita, para o conservadorismo retrógrado, empecilho para fazer a justiça social.

Se a história é resultado de luta de classes, nesse caso, a classe dominante e os países dominantes são responsáveis por todos os nossos males (pobreza, ignorância, injustiça social); e mais: todos os patrões oprimem, a classe operária é vítima. Para fazer essa crítica social é imperativo adotar uma concepção marxista da história e da sociedade, cujo método é o dialético, o único correto. Como esse método da dialética é compreendido e aplicado? Grosso modo: a história é movida pela luta de classes, em um processo contraditório, a superação do capitalismo se fará em uma sociedade socialista. O modelo de preferência é o cubano, mas serve um modelo antiamericano, vale até o dos guerrilheiros mexicanos. De qualquer modo, a solução passa pela crítica social via lições marxistas, já que a luta armada não deu certo.

Mas é essa mentalidade desses pedagogos "engajados" que precisa e deve ser contestada. A história é movida por séries de acontecimentos, há choque de civilizações e de interesses políticos e econômicos; evidentemente a base material de toda sociedade, em especial desde a modernidade, tem sido o comércio em escala mundial, a industrialização, e hoje o fortalecimento da informação, do conhecimento e das fortes transações financeiras. O capitalismo mudou, há uma crise financeira mundial, endividamento e desemprego. O terceiro mundo permanece alijado da concorrência, sofre com a pobreza e a ignorância. Há corrupção, tráfico de armas e de drogas. Problemas ambientais se agravam, e sim, EUA e China produzem energia suja.

É por essas razões, pela análise desses acontecimentos locais, nacionais e internacionais que o ensino de História e Geografia deve se pautar. O ensino deve ser aberto, sério, bem documentado, com fontes fidedignas, para assim os fatores em jogo poderem ser melhor analisados, comentados e, claro, criticados. Isso vale especialmente para a Sociologia e para a Filosofia. É nesse sentido que não há texto didático "neutro" e não porque sem o discurso marxista ao aluno estaria vedada uma "visão crítica da sociedade". 

A segunda parte do argumento, combater a alienação. Faz parte dessa linha, predominante entre pedagogos principalmente, a adoção de uma "visão crítica da sociedade",  que representa uma batalha com dois lados, ou se é engajado ou se é alienado. Alienado é todo aquele que não compartilha de noções como luta de classes, injustiça social produzida exclusivamente pelo capitalismo, sendo o mercado o grande vilão, o poço em que a sociedade está mergulha até a alma.
Assim, se nossos alunos não tomarem partido, no caso o único partido válido porque comprometido com a "transformação da sociedade", eles permanecerão alienados. A eles é preciso ensinar que o capitalismo e a "classe dominante" devem ser abolidos, para isso o professor precisa engajá-los na "ideologia crítica". A julgar pelo sucesso da imagem do Che, até hoje, parece que têm conseguido. Para quebrar a monotonia "protestantes" vestiram recentemente máscaras do personagem Guy Fawkes.

Esse tipo de pensamento simplificador e impositivo impede de se ter uma visão dos processos realmente prejudiciais da economia e da má distribuição de riquezas. Escolhem-se vilões que cabem na ideologia mistificadora que demoniza o capitalismo e o mercado, como se fosse possível eliminá-los. Isso resulta em uma absoluta falta de alternativas e de soluções factíveis (certamente difíceis) para serem postas na mesa e discutidas em sala de aula. É que cabeças "engajadas" pela doutrina marxista acabam com uma visão unilateral, ao invés de pensarem, param de pensar, ficam ocas.

O processo de escolarização, juntamento com o processo de educação visa a formação completa. O compromisso dos livros didáticos é com a informação, com a honestidade intelectual e ética, com a apresentação de questões e situações, a análise acurada dos fenômenos sociais, econômicos e culturais. 
A história ensina, sim, mas é preciso apresentá-la e não deturpá-la. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Política revolucionária X política autoritária, a trajetória do PT

Para uma melhor compreensão de um dos mais representativos fatos políticos da atualidade brasileira, o julgamento da compra e venda de votos de parlamentares no primeiro governo Lula, uma breve incursão na ideologia político-partidária do PT é esclarecedora.
A oposição ao regime militar fez surgir uma oposição combativa e corajosa. Um dos marcos foi a arregimentação, após a ditadura militar, de um partido de esquerda, socialista, surgido da militância de sindicatos e de intelectuais, com destaque para professores universitários.
Proclamava-se a esperança em um governo eleito, não por meio de revolução proletária, mas de instituições democráticas como via para o socialismo. Esse governo deveria levar a uma mudança radical, afinal socialismo é a repartição social igualitária de todos os bens produzidos. Deveria redimir a pobreza, aplicar a justiça social na cidade e no campo. A produção de riqueza viria da industrialização com base em crescimento de recursos internos. E, entre os mais radicais ou talvez mais ingênuos, a crença de que combater e mesmo eliminar o capitalismo, seria a redenção do povo brasileiro.
Com base nessas crenças e lutas, firmou-se certo autoritarismo, quem está do nosso lado, está no lado da verdade e do bem. Os outros, presume-se, estão errados e serão um dia vencidos. Ora, sem a pressuposição de que há diversidade ideológica, de que em uma democracia vozes diferentes e diversas expressões devem e podem coexistir, isso tudo gera intolerância
Aos poucos, e depois da vitória de Lula para o seu primeiro mandato, os motivos ideológicos acima descritos passaram por uma mudança inesperada. Um choque de realidade. Como de fato governar? Sem capitalismo, sem produção com lucro, sem investimento externo? Sem FHC, Banco Mundial e FMI surgiria o melhor dos mundos? Declarar a moratória?
Nada disso: para governar é preciso administrar a sociedade, a economia real (e do real, nossa moeda); há uma constituição a ser respeitada, cidadãos com direitos e deveres; também há três poderes, legítimos e independentes.
Praça dos Três Poderes - Brasília
Seguiram-se ações governamentais ancoradas na realidade econômica, projetos de mudança foram implementados, com ganhos visíveis. O malfadado capitalismo não pôde ser eliminado...
Mas havia ainda outro projeto ou estratégia: o que fazer para permanecer no poder? Além de planejar para bem governar e alcançar as metas de redução da pobreza e da enorme diferença social, do gritante déficit educacional, do sofrimento com doenças,projetos legítimos, alguns deles alcançados -, seria preciso também ganhar o total apoio do Congresso.
Nascia a ideia de compra de votos. Afinal parlamentares são corruptíveis, não é mesmo? Toma lá, dá cá, na surdina. Até que alguém dá com a língua nos dentes. 
Entretanto, o governo Lula seguiu, firme, forte e confiante, caiu um aqui, (Dirceu) outro ali (Genoino). Julgamento pelo Supremo Tribunal Federal? Adia-se, quando chegar a hora, contrata-se advogados, afinal o PT e seus membros acusados podem pagar, regiamente! Tinham, além disso, costas quentes, o próprio Lula. 
Imprevisto: passados 7 anos, juízes examinam o processo vindo da procuradoria, julgam e condenam!
Para o PT e seu presidente, Rui Falcão, houve "apenas" caixa 2, o partido da ética valida a prática de caixa 2, e vai além: 
Primeiro uma reforma política, financiamento público de campanhas; mas quem em sã consciência quer dinheiro público, do meu e do seu imposto para pagar campanhas de pessoas que visam o poder a qualquer preço, quantos medíocres se candidatem e se elegem! 
Segundo ponto: controlar a mídia. Afinal, jornais "estragam" e "deturpam" tudo, por isso precisam ser monitorados...
E o antigo projeto de ética na política? O partido não o menciona mais! Não expulsará de seus quadros os condenados pelo STF. Ao invés disso pretende regulamentar a mídia. Jornalistas teriam então regras sobre o que escrever e noticiar?
No século 18 Kant defendia a liberdade de escrita e de publicação! Esclarecimento, é disso que o público precisa. Sim, pois a imprensa pauta-se pela defesa da liberdade de expressão, cuidado com a verificação e a veracidade, resposta do leitor, não precisa de um partido político para "regulamentá-la".
O cunho autoritário do PT é o lado avesso de suas pretensões revolucionárias.