terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O ser e a palavra

Não há ser sem a palavra, mas a palavra não tem ser. Se considerarmos os sons ou fonemas emitidos, é somente desse modo que as palavras teriam ser, quer dizer, gravadores podem captar esses sons emitidos, mas gravadores não captam o que se quer dizer...

Para chegarmos às coisas e situações de qualquer natureza, precisamos emitir sons, ou significar o sentido que queremos dar às coisas. Confunde-se o nome com a coisa nomeada, e isso devido à adesão entre o nome "rosa", por exemplo, e à flor no jardim. Esse nome ou significante, nasceu da cultura, da língua herdada e convencional que falantes do português, ou de qualquer outra língua, aprenderam. 

Se apontarmos para uma rosa e dissermos, "inseto", nosso interlocutor procuraria, para evitar a hipótese de o falante não saber o que diz, uma razão para apontar à rosa e dizer "inseto". Uma abelha pousou na rosa, digamos.

Isso mostra que aprender uma língua é relacionar sons, palavras, frases à realidade, aos objetos, às coisas como se apresentam e mesmo como poderiam se apresentar. E mais. É compreender nossa situação no mundo, como lidamos, como nos havemos uns com os outros e com nossas circunstâncias.

Tudo o que existe, nós humanos inclusive, poderia subsistir sem a presença humana, sem a linguagem. Problema: não há como saber que mundo seria esse. Para significar essa própria possibilidade, precisamos da linguagem. A palavra tem poder, mas ela não cria, não produz seres, coisas, artefatos. Entretanto, a palavra produz efeitos, como dissuadir, convencer, mentir, elogiar, ordenar, intimidar, e muitos outros jogos de linguagem, como explicou Wittgenstein. Inclusive o silêncio pode ser mais significativo do que expressar o pensamento.

Atenção, "expressar o pensamento" não deve ser entendido como se tivéssemos tudo pronto em nossa mente, e as palavras apenas servissem para expressá-lo. Só podemos pensar (o que inclui, analisar, entender, supor, argumentar, etc., etc.) por meio da linguagem.

Deu para entender porque "a palavra não tem ser, mas não há ser sem a palavra"?

domingo, 10 de dezembro de 2017

O que significa "virada linguística"?

Não só nas ciências há transformações (mais propriamente, mudanças de paradigmas), também a Filosofia passa por importantes mudanças, algumas delas chamadas de "viradas". Na chamada "virada linguística", o centro das problematizações não mais estaria nas ideias e nas abstrações; nem no sujeito e sua mente cognitiva; tampouco nos conceitos puros da razão. Onde, então?
Na linguagem, mas não a linguagem entendida como simples expressão de pensamentos, mas como lugar e condição para pensar, abstrair, conceituar, comunicar, relacionar palavra/frase a objetos e situações da realidade.
O impulso para essa virada veio da própria Linguística, que é uma ciência, e também da consideração de que nosso pensamento habita proposições, quer dizer, frases completas e com significação, mas não só isso, elas que se referem a fatos, situações, estados de coisa tanto da realidade empírica, como das inumeráveis ocorrências, passadas, presentes e futuras. Se alguém diz: "Há previsão de que vai chover a semana toda", precisou significar algo, precisou de signos concatenados por regras de certa língua, e a sentença diz respeito a algo, ela tem valor que os lógicos chamam de "valor de verdade". Refere-se a uma estado possível de coisas.
A essa virada linguística, que retira de cena o sujeito que conhece e põe em cena significações, sobreveio outra virada, a "virada pragmática".
As proposições significam e também comunicam por meio de atos de fala em que o valor não é somente o de verdade, nem a referência, nem apenas a relação entre linguagem e realidade. Vai além, são interlocutores em situação concreta em que o dito pode valer também como advertência, como no exemplo acima que pode significar, não volte para sua casa, ela pode vir abaixo com as chuvas. Também pode ser que se queira comemorar, após um período de seca, finalmente poderá chover toda a semana.
O que mudou? Atenção ao contexto, à situação de fala ou também de discurso.
Filosofar implica levar essas viradas em consideração, sem elas o mito do sujeito esclarecido e esclarecedor prevalece, e com ele a a presunção de que ideias brotam como quer por si do pensamento.