quarta-feira, 30 de junho de 2021

Morremos e resta uma foto de lembrança

 Cercam a morte o medo, o terror, o pânico, o não retorno, o nunca mais, o abissal, o fim. A vida eterna, prêmio ou castigo atenua ou anula para os que nela creem aquele medo do fim inevitável.

Cartazes, dizeres, consolação, imagens, os números e assim sucumbimos à pandemia, para a minha geração algo inédito, parecia que as mortes, as guerras, as devastações, as doenças mortais passavam ao largo, estavam longe, como o ebola na África, a violência e matanças no mesmo continente, a Síria arrasada, tufões e terremotos longínquos, sempre longe e por isso mesmo incapazes de despertar o medo e de lamentarmos pois o que acontecia, acontecia à distância.

De repente ambulâncias, covas enfileiradas, hospitais lotados, e o que nascera na China não ficara por lá, atingiu e atinge todo o planeta.

A violência do crime organizado ou ordinário ficou um tanto de fora dos noticiários e cedeu lugar ao enfrentamento do mal. Sim, do mal, o mal que sufoca e pode matar.

A resposta veio lenta, emaranhada com os discursos e atitudes de negação. A sensação de desamparo e as distorções se misturaram.

Agora sabe-se o que se enfrenta e como se enfrenta, não é preciso acrescentar nada.

Mas a guerra de discursos da vacina foi além. E chegou em março às negociações fraudulentas de que apenas hoje se tem notícia. E eis que ressurgem o Brasil e os governos de sempre. Há que lembrar de um termo que ficou um tanto esquecido, as "maracutaias"...

Parte do exército cooptada e pastores a bater no peito e exigir de seu rebanho a submissão. E mais, uma parte da população cegada, obnubilada por uma bandeira nacional humilhada. Pobre nação, ao contrário de países civilizados, fomos conduzidos ao morticínio (515 mil se foram) e a uma ideologia disfarçada de patriotismo que conduz o país àquela vala do extremismo, divisão extrema direita e esquerda esta chefiada por um ex-presidiário vestido de pele de cordeiro.

Há que reagir. A morte chega para todos, escolher a vida implica enfrentar dificuldades, vencê-las e. ao chegar a hora de cada um decidir, discernir, deixar as boas lembranças, os feitos, as lições de vida, os exemplos além de um retrato na parede. 

sábado, 19 de junho de 2021

Dostoievski, o que é o inferno em "Irmãos Karamazov"

 Como todos que leram a obra acima, "Irmãos Karamazov" sabem, as ideias acerca do amor, de família, de religiosidade, de prazer, de luxúria, de rivalidade, de traição e muitas outras fazem da obra um dos pontos máximos da literatura mundial. 

É uma dessas obras eternas, que tematizam o amor, traição, sofrimento, dúvidas, cinismo, fé religiosa e, principalmente o retrato de uma família despedaçada, na qual paixão, ciúme e ódio se entrelaçam.

Comecemos com uma reflexão para conduzir o que vem a seguir:

Pode-se até mesmo guardar uma lembrança emocionada da pior família, se a pessoa tem uma alma capaz de emoção. (in: Dostoievski, Les Frères Karamazov, p. 157).

Ivan, Dmitri e Aliocha são capazes de emoção sim mesmo com o pai debochado, beberrão, cujos relacionamentos com as mulheres com quem teve os filhos foi uma sequência de desmandos, de abandono. A paixão atual, uma bela e sofrida jovem, linda e sedutora, é disputada com o filho Dmitri.

O pai debochou dos religiosos e da fé sincera de seu filho mais novo em uma reunião como o místico Zozima, ao perguntar sobre o tridente do capeta, como e onde foi forjado? No próprio fogo do inferno? E como seria queimar-se nesse fogo eterno sem se consumir?

Mais adiante, uma outra visão do inferno, provavelmente a do próprio autor, na boca do ancião religioso do mosteiro, o starets: "Meus Pais, eu me pergunto: 'O que é o inferno?' Eu o defino assim: 'o sofrimento de não mais poder amar'". Mais adiante ele completa: "Fala-se do fogo do inferno em sentido literal; eu temo sondar esse mistério" e se houvessem mesmo chamas, os condenados se sentiriam bem, pois eles gozariam com o sofrimento físico...

Deixando um pouco o inferno de lado e indo para a alma humana, do que ela é capaz? De amor e de ódio, de desprendimento e de inveja/ciúme, de grandiosidade e de mesquinhez, e, principalmente em nossos dias, seria alma capaz de busca sincera para uma vida fidedigna, com abertura para o conhecimento e busca de verdade de um lado, e de outro, podendo distinguir a mentira, a falsidade, o engano e o autoengano? 

Vive-se sob pressão, o verdadeiro alcance do significado de inferno se desmancha em ameaças vociferadas por militantes religiosos. Ora, basta olhar a sua volta, o beberrão do pai Karamazov se multiplica, mas nem ele seria capaz da violência de muitos homens e maridos, a violência extrema e aquela diluída nos pequenos atos do dia a dia.

O inferno não está nos outros, como entendeu Sartre, ele está em nossa própria incapacidade de reação, de busca sincera de valores, de mente veraz e aberta.

Deveríamos buscar ser essas almas capazes de emoção e não aquelas enrustidas e incapazes de compreensão, de sair de si, de olhar em volta, de avaliar e poder decidir com autonomia e liberdade.