terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Realidade e aparência; ser e não ser

Em nosso cotidiano empregamos "realidade" e "aparência" como em oposição, quer dizer, o que é real não pode ser aparente e vice-versa. O mesmo quanto a "ser" e "não ser", e isso desde os princípios do aprendizado da linguagem. Exemplos: esse animal que você vê no zoológico é real, um bicho com vida, tem existência própria. Um desenho desse animal, o leão em um desenho animado, é também real, mas não existe como vivente, em "carne e osso" como se costuma dizer. A cadeira em que me sento é real, sua foto também é real, mas cadeiras não existem no sentido de seres com vida própria. O que é, então o aparente?
Alguém bem vestido, tem "boa aparência". Experimente entrar em uma loja de artigos de luxo "bem" vestido e vestido com simplicidade. O vendedor irá tratá-lo de forma muito diferente. 
Nos habituamos a essas constatações, o hábito faz o monge... 
Acontece que a aparência de algo ou de alguém, é também real. Ninguém dirá que vestimentas são irreais!

Será que a filosofia esclarece essas nomeações e identificações ou as complica?
Realidade tem a ver com ser, e aparência com não ser?
Sim, para Platão. Com um complicador: o ser em sua essência não é o que aparece, o que nossos sentidos visualizam ou percebem são sombras dos verdadeiros seres, cuja identidade (ou essência permanente) se dá no mundo ideal. Então, o que é real para o senso comum, no idealismo platônico é aparência...

Se o filósofo for adepto da concepção realista, Aristóteles, por exemplo, cada ser, cada indivíduo, o animal no exemplo acima, tanto o do zoológico quanto o do desenho, são entes, são entidades com uma essência que permanece, e várias qualificações que mudam. Há uma essência no ser leão, compartilhada por todos os entes dessa espécie, e qualidades como estar em certo lugar, estar doente ou saudável, ser leão no desenho infantil, filhote ou adulto. Quando muda a essência, por exemplo, leão vivo e carcaça de leão, trata-se de diferentes entidades. 
Problema: e quando não se pode identificar, passa a não ser? Outro problema: não ser é nada, e nada não pode receber uma qualidade, um atributo como o da existência. Aparência não pode ser nada, pois, afinal, é o que aparece...

Passemos para o empirismo. Um filósofo do século 18, John Locke, que era médico, postulava que apenas por meio de nossas experiências poderíamos chegar ao que são e ao que não são as coisas. Desde as sensações de amargo ou doce, as visualizações de algo, podermos distinguir, qualificar, e até mesmo nossas ideias, tudo vem da experiência. Meninos lobos (há relatos históricos de sua existência), não aprendem a falar, não se "humanizam", pois falta-lhes a experiência fornecida pela cultura e pelas sociedades humanas.

Se o filósofo for adepto do pragmatismo, dirá que ser e não ser, aparência e realidade, dependem do contexto de uso, são empregáveis em situações exigidas pelo tipo de ação com valor ou não, conforme nossos objetivos. Isso se dá no emprego de termos, de conceitos, inclusive os de uso filosófico e os de uso cotidiano. Em si mesmos, ser e nada são vazios de sentido. É preciso um contexto de uso, seja em sala de aula de filosofia, seja no emprego comum, se não fizer sentido, se não tiver um emprego, se não for explanável, não faz parte de nossa linguagem, de nossa cultura nem de nossa sociedade. Em lugar de postular um mundo absolutamente estável e de essências permanentes, o pragmatismo postula que tudo depende do uso.

Faz sentido perguntar qual dessas escolas filosóficas está certa? 
Não, pois filosofar é ousar levar o pensamento até as últimas consequências. 
Na vida prática, idealizamos o amor, identificamos as coisas, experimentamos quase tudo, e usamos ou não o necessário (também o supérfluo). Somos idealistas, realistas, empiristas e pragmatistas.