terça-feira, 28 de novembro de 2017

O que é discurso para Foucault?

Discurso não é simplesmente uma fala, não é simplesmente linguístico, nem um enfático pronunciamento. Tampouco provém de uma infraestrutura econômica, nem baseado em ideologia. Foucault não fez história das ideias, nem se preocupou com a evolução histórica em termos de causalidade.
Discurso para Foucault se forma não só com palavras e conceitos, pois seus enunciados são de fato ditos por quem de direito assume o lugar de sujeito. Como são práticas que ordenam o saber de uma época, podem ser avaliados por seus efeitos que se disseminam e se constituem pelas instituições, costumes, certos objetos que surgem em dada configuração de saber, as chamadas "epistemes".
E isso sem nada de transcendental, sem buscar causa definitiva ou superior, sem invocar o ser nem o nada, sem ambição de fazer ciências, de encontrar um método geral e definitivo. Pelo contrário, pesquisa em arquivos históricos, em geral anônimos, não para detectar se são verdadeiros ou falsos, e sim para mostrar seus usos.

Foucault foi criticado pelos marxistas por desprezar as forças históricas da evolução dialética dos modos de produção, por esquecer das lutas de classe, e assim compactuar com o "status quo", quer dizer, com o poder das classes dominantes.
Ora, isso é no mínimo risível, pois justamente seus estudos, os documentos e arquivos que ele recolhe, têm sua própria singularidade, são específicos, são acontecimentos que não requerem uma interpretação definitiva, ideal, que pudesse, por assim dizer, guiar o destino humano, dar um sentido geral para a história.
A história é obra humana, e transformá-la em dever ser, funciona como refúgio, como panaceia, como se nós devêssemos seguir um guia geral, uma fórmula para acabar com todas as diferenças, estas vistas como prejudiciais, malévolas.
A questão é que os discursos, as formações discursivas não retratam o mais geral, nem conduzem a soluções grandiosas. As formações discursivas trazem a tona temas, conceitos, os modos como certos discursos são atribuídos, circulam, quais instituições se apropriam deles, como são distribuídos, quais são seus efeitos.
Assim, verdade deixa de ser concebida como única, preciosa, confirmada, para ser algo produzido por discursos. O que e como certa época vê, trata, interna ou não, ouve ou não, concebe ou não como anormal, por exemplo, se mostra justamente na escavação que Foucault fez das práticas discursivas, dos dispositivos de saber.

E isso o que é? Filosofia? Ciência? História? 

Isso é pesquisa histórica, uma cartografia com resultados que dão o que pensar, uma reflexão sobre a condição humana. Como? Pela análise das técnicas, comportamentos, instituições e suas transformações, os efeitos no modo de constituição de nossas formas de existência, de pensamento, de exercício da liberdade, de fazer leis, de governar, enfim, de como produzimos não só coisas, mas também verdades, valores, corrigimos comportamentos, examinamos corpos, e vários outros procedimentos.
Enfim, uma história dessas práticas "pouco gloriosas".

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O que é paradigma?

O termo "paradigma" se tornou um desses muito usados e mal compreendidos.
Há um emprego genérico para significar mudança no modo de ver ou entender algo, quase sempre com uma conotação de transgredir uma situação e adotar outra digamos, mais apropriada ou mesmo revolucionária. Inclusive por detrás desses usos há certa inclinação a considerar a mudança de paradigma como algo necessário até mesmo benéfico.
Nada contra essa concepção. Mas propriamente dito, o conceito é muito mais específico. Refiro-me a Thomas Kuhn e sua obra "A Estrutura da Revoluções Científicas" publicada no longínquo ano de 1962, fruto de monografia quando estudante de Física em Harvard.
O primeiro mito que Kuhn derruba é o de que as ciências naturais (Física e Química) retratam a realidade mesma dos fatos, que suas teorias são comprovadas e que por isso sua verdade é inquestionável.
Se assim fosse, a ciência não progrediria, as atuais teorias seriam definitivas. Mas como foi possível que antes outras teorias fossem consideradas como comprovadas e mais tarde questionadas?
Então não seriam teorias científicas e sim mitos?
Para solucionar esses impasses, T. Kuhn considera que as ciências naturais não acumulam verdades, elas fornecem modelos, paradigmas aceitos e praticados por uma comunidade de cientistas. Os paradigmas funcionam regularmente por fornecerem diretrizes metodológicas que conduzem a contento as experimentações e com as quais se chega a resultados. Praticar a ciência é propor questões, solucionar problemas, usar os meios apropriados (laboratórios, pesquisas, artigos científicos, conjunto de leis e teorias) para chegar a resultados. Esse corpo de estudos e de práticas, forma o paradigma e quando ele é bem sucedido, a ciência progride rapidamente, pois o paradigma enseja coletar ainda mais fatos por meio das experiências, inclusive inventar instrumentos, aparelhos, e permite precisar cálculos.
Ora, quanto mais aprofundadas essas pesquisas maior a probabilidade de encontrar "furos", o que pode levar a dúvidas, e ou o paradigma aceito e praticado soluciona o problema, ou ele se torna mais difícil e pode levar a rompimento com as regras que norteavam o paradigma aceito.
Kuhn chama a esse problemas de anomalias, pois fogem às exigências teóricas do paradigma que vinha sendo praticado.
As mudanças de paradigma são as revoluções científicas. Assim, por exemplo, a teoria da relatividade revolucionou a Física e a anterior concepção de Newton sofreu abalos.
Como se vê, os paradigmas podem mudar, o que não significa que devam mudar. E quando mudam, muda a imagem de mundo, muda todo um quadro teórico e prático de referências.

Então não posso confiar na atual teoria porque ela poderá mudar?
Claro que não, se a pesquisa dá resultados confiáveis, ela vale. Mas não é simplesmente verdadeira, definitiva ou absoluta.

Conclusão: se você considera que pode apoiar suas ideias e crenças em teorias científicas, saiba que é próprio da ciência mudar de modelo. Já ideias, crenças, fundamentos religiosos, éticos ou filosóficos não são regidos por paradigmas. Não busque respostas para o sentido da existência do homem ou do cosmo na ciência.