segunda-feira, 29 de julho de 2019

Wittgenstein: "Se um leão pudesse falar, nós não o compreenderíamos"

A afirmação acima se encontra em "Investigações Filosóficas", cujo tema principal é o sem número de jogos de linguagem por meio dos quais nos servimos para diferentes e diversos usos.
Em parágrafos numerados, Wittgenstein (1889-1951)

expõe vários exemplos de situações corriqueiras, como pedir algo a alguém, explicar, mostrar, ordenar, descrever, saber disso ou daquilo, representar por meio de figuras, interpretar, ver algo como isso ou aquilo, apontar, distinguir mudanças de aspecto e muitos outros usos da linguagem.
O que ele pretende com essas descrições é trazer questões filosóficas do patamar abstrato e superior, para o normal do dia a dia. Os conceitos de consciência, de imagem, de sensações, de vivências, de clareza, de certeza, de verdade, de espírito entre muitos outros, são dissolvidos em sua complexidade por meio do emprego em questão, por meio das situações nos quais ocorrem.
A linguagem descreve uma imagem, o que fazer com essa imagem?
A própria imagem indica um emprego, evocará um sentimento? Um sabor? Uma cor? Um sonho?
Alguém diz "Tenho medo", e isso pode ser entendido como uma confissão, um alerta, que se deve tomar cuidado, enfim, para a compreensão do significado de um jogo de linguagem importa o que se quer dizer, a ocasião, a intenção, o resultado, e tantas outras situações, como enganar alguém, manipular, ou simplesmente esclarecer um sentido.
Por isso mesmo, se um leão pudesse falar não o compreenderíamos, esse exemplo é uma hipótese absurda que serve apenas para ilustrar o que Wittgenstein propõe como objeto de sua análise filosófica, isto é, investigar nossas formas de vida e concluir a partir de aspectos que dão inteligibilidade às nossas ações, entre elas as ações linguísticas. Nossas formas de vida são radicalmente humanas, e não leoninas. Dizemos que o leão ataca, mas isso é na nossa perspectiva...

O refúgio de Wittgenstein em uma cabana nos fiordes da Noruega.
Viver simples, pensar simples

O que construímos, como o fazemos, nossa vida cotidiana, os atos corriqueiros são o objeto de análise do filósofo.
Ao invés de penetrar na reflexão filosófica do que é mesmo a verdade, por exemplo, Wittgenstein vai às situações em que precisamos usar o termo. E o mesmo com os vários conceitos filosóficos.
E com essa virada em direção à linguagem cotidiana, Wittgenstein não estaria "menosprezando" a Filosofia?!
Filósofos como Habermas pensam que sim. Afinal, reduzir verdade, pensamento, justificação às situações em que ocorrem em nossas vidas, seria o mesmo que reduzir a Filosofia ao senso comum.
O que Wittgenstein responderia?
O que interessa é o que podemos fazer com a linguagem. Essa virada pragmática horizontaliza as questões e nos deixaria como que aliviados do peso de ter que investigar a fundo o que são mesmo as coisas, o que é mesmo o homem, o que é mesmo o conhecimento, e assim por diante.
Essa "terapia filosófica" não convenceria outro filósofo da atualidade, Heidegger. O homem, mesmo quando considerados os aspectos mais simples de sua existência, ainda assim é o "pastor do ser".

O importante é que essa troca de ideias dos filósofos nos faz entender que nenhum pensador é completo, nenhuma perspectiva filosófica é única, o diálogo entre saberes permanece como o ensinamento por excelência da História da Filosofia.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Nietzsche: "Quem não é ave não deve voar sobre abismos"

A frase acima significa que os fortes, apenas eles, ousam voar tal como aves sobre abismos.
Muitas metáforas de Nietzsche servem para que vejamos a condição humana assemelhada à dos nobres animais (leão, ave de rapina), e quase sempre na "paisagem" predileta do filósofo: as alturas, os abismos, o alegre meio-dia, a luz, a dança.
Se levarmos em conta a vida de Nietzsche de muito sofrimento físico, dores de cabeça alucinantes, paixões não correspondidas, ficamos até mesmo perplexos perante sua vasta produção intelectual e a mensagem original, única, que inverte valores aos quais a tradição filosófica nos habituou. 
Quarto de Nietzsche em Sils-Maria (Suíça)

Vontade de poder nada tem a ver com ambição, moral dos fortes nada tem a ver com luta pela sobrevivência, eterno retorno nada tem a ver com transmigração das almas, o ateísmo nada tem a ver com descrença.
A força da vida, desde seus elementos mais simples até nós, os humanos demasiadamente humanos, o não servilismo, a reinvenção de valores no sentido de evitar sentimentos como o de culpa, de pertença à massa, ao rebanho, ao pobrezinho humilde, trata-se, repito, de uma reinvenção que exige de si ir à luta. 
E, novamente, não a das espadas, não a da busca do conforto material, não a dos bens. A luta é interior. 

Que interior seria esse?
O interior socrático do conhece-te a ti mesmo, a iluminação da alma imortal, o interior do penso, logo existo de Descartes,  ou trazendo mais para a atualidade, o inconsciente psicanalítico?
Não, nada desse tipo introspectivo e sim da força vital.
Cada qual se torna criador de seu ideal, revê seus valores, prescinde de guias espirituais, de gurus, prescinde do Estado diante do qual multidões se ajoelham, prescinde do poder econômico. 
Entretanto, essas atitudes não excluem a visão do terrível, do absurdo. 
A abundância da vida fortalece, imbuídos dessa vontade de poder, não há porque recorrer a um salvador, a um criador de todos os seres. Nós seríamos nossos próprios criadores!

Mensagem de difícil compreensão e de mais difícil ainda realização.
Estamos cada vez mais imersos na multidão, somos usados pelo obscurecimento de religiões de massa, de líderes políticos mistificadores, somos a curva dos gráficos, ingerimos por vezes o mais abjeto dos pratos. O que vem pronto, aquele no qual tivemos zero de participação.
A moral dos senhores seria algo próximo ao sentido dado à própria existência, ou melhor, à vida. Substancial, serena, criadora.


sábado, 6 de julho de 2019

O pensamento mágico

Quem não gostaria de ter seus problemas resolvidos em um passe de mágica?
No século 16 acreditava-se que realidade e magia eram inseparáveis. As coisas se comunicavam umas com as outras ao que chamavam de simpatia ou se repeliam, era a antipatia. Sem distinguir entre as diversidade dos seres, sem classificá-los, todos se enredavam uns nos outros.
Foi nessa época que despontou Francis Bacon, nascido na Inglaterra em 1561, onde morreu em 1626. A crença em espíritos voláteis, no fantástico, nas fábulas, lendas e na alquimia, conviviam com a necessidade de expansão do comércio e defesa da marinha inglesa. O que levou aos estudos da astronomia (não astrologia) em prol dos estudos mecânicos. Havia necessidade de orientar os navegadores e aprimorar a navegação. Ao mesmo tempo surgiam as primeiras máquinas usadas na manufatura de produtos. Assim, técnica e ciência uma impulsionou a outra.
Bacon, o pai da ciência moderna, aconselhava o método da indução, quer dizer, experiências diretas com a natureza para verificar o que se conservava e o que mudava, e controlar essas modificações anotando-as em tabelas. Em resumo, Bacon preconizou o uso de método, inaugurou assim um novo tipo de mentalidade. Se desde Platão, Aristóteles e todo o medievo as técnicas eram subalternas, ligadas ao trabalho útil mas menos valorizado, menos nobre, para Bacon as técnicas eram primordiais.
Quando há necessidade de uma longa série de razões, a maior parte dos homens desvia-se do caminho e erra por falta de um método correto, dizia ele.
Manufatura de tecidos
E na modernidade? Prevalece o caminho da razão, da justificação, enfim, são adotados métodos e procedimentos racionais, ou não teríamos chegado ao estágio de desenvolvimento a que chegamos. Para fins por vezes antagônicos, como para preservar e favorecer a vida, ou para destruí-la. Isso é bem sabido, notório.
A pergunta é:
Por que o pensamento mágico e supersticioso perdura?!
A imaginação, os desejos, o inconsciente, a fragilidade e a capacidade de crer no impossível talvez expliquem porque o pensamento mágico e fantástico têm lugar no mundo moderno. Se ficassem restritos à arte que cultiva a imaginação fantástica, isso seria interessante e serviria para expandir os horizontes da criatividade.
Mas não, o pensamento mágico se aloja no dia a dia, seja nas seitas que orientam pessoas e se deixarem picar por cobras, seja nos rincões com cultos animistas, seja expulsão de demônios e "espíritos do mal" por pastores aos quais se concede poder mágico, seja pela crença em exorcismo ou em videntes. E nem foram mencionadas várias outras modalidades de "passe mágico".

Ora, o lado espiritual da vida pode ser sustentado pela paz interior,  pela iluminação que a fé proporciona. Nesse caso, a realidade não é anulada, pelo contrário, ela se reveste com as cores da luz interior. 

Esse lado benéfico contraste com o lado em que espírito se torna algo ininteligível, é quando esse "espiritual" se reveste de superstição, pode ser estímulo para a fraqueza, para o uso espúrio do sofrimento humano por uma autoridade, por alguém que se investe do poder mágico de solucionar aquele sofrimento. Nesse caso, a razão, os argumentos, o olhar para a realidade é substituído pela submissão ao detentor dos segredos e dos ritos. 

O inexorável método racional, da técnica, da ciência, da tecnologia abriu seu caminho, segue até nossos dias. Com sucesso e com falhas. Na maior parte das vezes o êxito tem sido superior aos fracassos. E assim prossegue a marcha humana, esse formigueiro de gente que habita o planeta azul.