terça-feira, 16 de julho de 2019

Nietzsche: "Quem não é ave não deve voar sobre abismos"

A frase acima significa que os fortes, apenas eles, ousam voar tal como aves sobre abismos.
Muitas metáforas de Nietzsche servem para que vejamos a condição humana assemelhada à dos nobres animais (leão, ave de rapina), e quase sempre na "paisagem" predileta do filósofo: as alturas, os abismos, o alegre meio-dia, a luz, a dança.
Se levarmos em conta a vida de Nietzsche de muito sofrimento físico, dores de cabeça alucinantes, paixões não correspondidas, ficamos até mesmo perplexos perante sua vasta produção intelectual e a mensagem original, única, que inverte valores aos quais a tradição filosófica nos habituou. 
Quarto de Nietzsche em Sils-Maria (Suíça)

Vontade de poder nada tem a ver com ambição, moral dos fortes nada tem a ver com luta pela sobrevivência, eterno retorno nada tem a ver com transmigração das almas, o ateísmo nada tem a ver com descrença.
A força da vida, desde seus elementos mais simples até nós, os humanos demasiadamente humanos, o não servilismo, a reinvenção de valores no sentido de evitar sentimentos como o de culpa, de pertença à massa, ao rebanho, ao pobrezinho humilde, trata-se, repito, de uma reinvenção que exige de si ir à luta. 
E, novamente, não a das espadas, não a da busca do conforto material, não a dos bens. A luta é interior. 

Que interior seria esse?
O interior socrático do conhece-te a ti mesmo, a iluminação da alma imortal, o interior do penso, logo existo de Descartes,  ou trazendo mais para a atualidade, o inconsciente psicanalítico?
Não, nada desse tipo introspectivo e sim da força vital.
Cada qual se torna criador de seu ideal, revê seus valores, prescinde de guias espirituais, de gurus, prescinde do Estado diante do qual multidões se ajoelham, prescinde do poder econômico. 
Entretanto, essas atitudes não excluem a visão do terrível, do absurdo. 
A abundância da vida fortalece, imbuídos dessa vontade de poder, não há porque recorrer a um salvador, a um criador de todos os seres. Nós seríamos nossos próprios criadores!

Mensagem de difícil compreensão e de mais difícil ainda realização.
Estamos cada vez mais imersos na multidão, somos usados pelo obscurecimento de religiões de massa, de líderes políticos mistificadores, somos a curva dos gráficos, ingerimos por vezes o mais abjeto dos pratos. O que vem pronto, aquele no qual tivemos zero de participação.
A moral dos senhores seria algo próximo ao sentido dado à própria existência, ou melhor, à vida. Substancial, serena, criadora.


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