quarta-feira, 25 de maio de 2011

A gramática da língua portuguesa e seus algozes

Antes do surgimento da ciência da linguagem, a linguística, no século 19, os estudos sobre as línguas se limitavam ao seu aspecto evolutivo. Compreender que há uma estrutura, que há regras que formam as línguas, do contrário seria impossível qualquer articulação, qualquer fala, é relativamente novo.
A essa estrutura dá-se o nome de sintaxe. São ainda necessários sons, os fonemas e as palavras que são dicionarizadas; essas palavras têm uma ortografia (sua escrita) e um significado, seu sinônimo, ou uma descrição/exposição de seu uso. 
Pois bem, as línguas são vivas, dependem de seus usuários. A língua portuguesa falada no Brasil,  inclui diversas variantes regionais e diversos empregos conforme camadas sociais, culturais, e até mesmo variam de profissão para profissão (caso dos idioletos dos médicos, dos economistas, advogados, vaqueiros, pescadores do norte do Brasil, criadores de gado gaúchos, e muitos outros).
Há também a chamada norma culta, que vem sendo praticada e aceita como padrão para formar a "gramática", as regras gramaticais. E isso não é uma imposição de classe, da elite, da classe mais culta ou poderosa sobre outra! É simplesmente o resultado de uma necessidade de normatizar. Seguir essas normas não é uma opção no caso do ensino e da confecção de livros didáticos: é obrigatório. Escritores seguem essas normas, jornalistas têm seu "manual de redação", e mesmo assim cometem "erros", isto é, fogem de um padrão.
O que é, nesse sentido, errar? Sair das regras de ortografia, de sintaxe (concordância verbal, colocação de pronomes, por exemplo), uso inadequado de termos. Li há poucos dias em jornal conceituado "exitar" e o que o jornalista queria dizer era "hesitar", no sentido de vacilar. Ora, certos deslizes comprometem o próprio sentido da frase ou do texto. Por vezes textos como os da academia, dos doutores e dos especialistas são ininteligíveis. Mesmo quando há um revisor bem treinado nas chamadas normas do português padrão, não se entende o texto!
Livros didáticos e professores de língua portuguesa, no ensino fundamental ou médio podem explicar que há diversos modos de falar, que eles são aceitáveis, pois, afinal, a mensagem que comunicam esses diversos falares, é compreendida. Tudo bem até aqui. O problema é levar essa discussão para o terreno do juízo de valor: todos os que não reconhecerem esse fato são preconceituosos e intolerantes.
Do lado oposto, a academia e a grande imprensa consideram que o erro gramatical se deve a não seguir regras sagradas, que a gramática é tão certa quanto a matemática.
Estão equivocados também. Ninguém escreve e nem tampouco fala o português estrito da norma culta.
Mas é esse português que se deve ensinar, da melhor forma possível. Do contrário, e aí sim há uma dívida social para com a grande maioria de nossas crianças e jovens: se não lhes for ensinado o português padronizado pela norma e que é cobrado pela própria escola, como ser aprovado em testes e em concursos? Não se pode, não se deve sonegar a capacidade de se expressar bem, de escrever um texto de modo compreensível, interpretar o que se lê, evitar erros de ortografia (sim, erros) e frases mal construídas. Não se trata de elitismo ou de "preconceito linguístico". Leitura, muita leitura, interessante, de qualidade, e confecção de textos para preparar os alunos, o maior número possível deles, de modo que possam competir em igualdade de condições.
E isso não vem sendo feito. Esse é o problema, essa é a questão crucial.
Professores bem preparados e bem pagos, aí começa um ensino de qualidade. Ideologizar o ensino de língua portuguesa é inaceitável.

sábado, 14 de maio de 2011

O leão de Nietzsche e as vacas de Bin Laden

Coragem e força para refazer os princípios e valores em nome dos quais se luta e se vive, isso é imperioso na moral, para Nietzsche, mas não imperativo. Se prestarmos atenção à história e ao modo como valores foram inventados para possibilitar trocas, convívio, expectativas humanas, então saberíamos que bem, mal, medo, valentia, bondade -, provieram de situações em que eles tiveram certo uso, serviram, por exemplo, para resolver conflitos. Sofrer, atingir o ideal do desprendimento total de tudo o que é humano, significa renunciar à vida. Não é nada nobre. 
A atitude nobre, no sentido de "espírito livre", de "heroísmo refinado", mesmo trabalhando e sofrendo, usufrui de domingos de sol; esses entram e saem silenciosamente civilização após civilização, o espírito livre busca razões e não crenças.
O espírito, diz Nietzsche em Assim Falava Zaratustra, se transforma em camelo, animal da carga pesada, este se transforma em leão. O leão não se detém no "tu deves", cria liberdade, seu fardo na solidão em que se encontra para poder criar e decidir, é mais pesado que o do camelo. Se ainda não tem "o direito de instituir novos valores", pois para isso precisaria ser ave de rapina, em contrapartida, o leão pode ver nas imposições, pura arbitrariedade. Ao se tranformar em criança, brinca, gira sobre si, recomeça.
*****
No refúgio de Bin Laden foram encontradas cerca de cem galinhas, alguns coelhos e duas vacas. Havia crianças e mulheres, afinal todos precisam comer. Na eventualidade de não poderem sair e precisarem se esconder "melhor", não morreriam de fome.
A que se apega o terror que covardemente usa o subterfúgio de uma religião, a muçulmana, que prega a fidelidade absoluta ao texto sagrado, dogma e guia de milhões de pessoas em diferentes culturas pacíficas, não apenas a árabe?
Como ocorreu essa transformação em ódio, como um credo pode degenerar em ideologia da vingança inclusive contra culturas que não são "inimigas" (recente ataque no Paquistão que dizimou 80 soldados da etnia dos pashtuns)? Isso se deve ao apoio dos EUA a Israel em detrimento dos palestinos? Porém, guerras e soluções diplomáticas, que serviram e servem à luta pelo poder, seja ele qual for, não são as armas do terror. As armas do terror nascem da intolerância, da vingança, qualquer um a qualquer momento pode ser vítima. Não há rosto, não há identidade, há a  promessa de que a imolação é a salvação.
São como tarântulas, diria Nietzsche. Vivem em tocas, é preciso destruir a teia e fazer com que a cólera dessas aranhas saia "do antro de mentira"; a vingança trará "justiça"? É isso que as tarântulas querem, provocar a vingança e execrar tudo o que não seja igual a elas, igualdade entre elas e morte aos poderosos. Ora, os homens não são iguais, e nem devem sê-lo.
A diversidade de religiões, de culturas em sociedades que se emancipam de tutelas, isso é insuportável para os que vivem em esconderijos e acusam todos os demais de "infieis". 
Ver a criança brincar, nascer o novo, isso a vingança não suporta!
Covardes, suas seitas pregam a violência, cegam os que são treinados para matar e morrer, mas eles próprios se escondem, possuem até mesmo vacas, doces e pacíficas a seu dispor!
Várias esposas, comida, TV, algum conforto para o chefe, o "mártir", o inspirador. Quanto aos doutrinados, esses sim devem seguir a ordem: morra e mate, o maior número possível, de inocentes, é claro!

terça-feira, 10 de maio de 2011

O absurdo na/da vida

Li Kafka na juventude, ele era cultuado pela intelectualidade dos anos 50 e 60. Isso fez dele um autor "difícil" e a leitura de sua obra uma espécie de rito de passagem para alguém ser considerado "culto". Essa moda passou, reler Kafka em um contexto inteiramente diferente, em que se lê cada vez menos e menos ainda se cultua um autor (exceções, talvez: aqueles que escrevem sobre magos e vampiros ...), mostra o quanto Kafka intriga e perturba. Tudo bem com O Castelo e com O Processo, é possível compreender a crítica à burocracia, à falta de sentido da vida, em procurar e não encontrar um porto seguro, ou melhor, pressupor que haja um porto seguro. Mas assimilar a transformação de Gregor Samsa em inseto em A Metamorfose, no seu próprio quarto (supostamente um abrigo), ser visto como inseto pelos familiares, perceber sua couraça e patas gigantes, o choque e o sentimento do absurdo, da não aceitação e de como ler essa metamorfose - é chegar a situações em tudo e por tudo intransponíveis. 

O OUTRO que habita em cada um de nós pode surgir a qualquer momento, não como animal a olhos vistos, mas como o secreto animal que habita em nós ou o estranho, como uma atitude que assusta, como um limite ao qual só se pode chegar por meio de nossas próprias condições, mesmo quando elas são incríveis e absurdas.


Camus não precisou de monstro algum, a situação limite em que ele põe seu personagem de O Estrangeiro, é a de agir guiado pela sensação de que falta o chão. Em francês o título é ambíguo, étranger significa estrangeiro e também estranho. Vazio de esperança, condenado pelo assassinato de uma pessoa que não lhe diz respeito, em uma sucessão de atos absolutamente banais, em que a morte e o enterro de sua mãe são a cadeia inicial, o calor, o sol, um revólver são os meios, e a condenação à morte, o final. Não há como justificar o injustificável. Alguém vazio de coração se torna um abismo que ameaça a vida em sociedade, diz Camus.

O personagem se vê diante de um céu cheio de signos e estrelas, e se abre "pela primeira vez, para a terna indiferença do mundo". Morre-se sem que uma folha ou um pássaro sequer saiba disso. Entretanto, sofre-se.
O personagem de Camus, ao contrário, sente-se livre e feliz.
Viver depende de reagir, cada um(a) a seu modo.

domingo, 1 de maio de 2011

Por que o PT não condena mais o liberalismo e neoliberalismo?

De repente o vilão não é mais o liberalismo, nem o neoliberalismo, nem o Banco Mundial, nem o FMI para a política da chamada esquerda brasileira, cujo maior representante é o PT, Lula e seus fieis seguidores. Não se fala mais nisso, não há mais bodes expiatórios!
Desde meados do século 18 governos mundo afora se veem diante de problemas sociais e econômicos com os quais precisam lidar para governar populações que não param de crescer. 
O século 19 viu o capitalismo industrial avançar, fábricas produzirem, trabalhadores darem seu suor, salários serem aviltados, comércio e relações entre países se expandirem.
As tentativas de implantar outro modo de produção, socialismo e comunismo, não evitam haver trabalho, produção, fábricas, suor, e, mais uma vez, salários aviltados...
A produção de bens e serviços aos poucos se sofisticou com a progressiva introdução de novas tecnologias. Assim o maquinário, o transporte, comércio, escolas, urbanização, valorização ou desvalorização das moedas, bolsas de valores, tudo isso incrementa ou afunda o capital e a capacidade de investimento.
Governos precisam lidar com esses fatores e com as consequências desses fatores econômicos para a sociedade.
Mesmo na Europa os partidos de esquerda ou de centro-esquerda encontram dificuldades, como o desemprego. Todo governante precisa resolver problemas que impedem o investimento em educação e em tecnologia, e também precisam manter a população das cidades suficientemente saudável e produtiva.
Que dizer dos países mais pobres da América Latina, África e Ásia?
Com baixo investimento em avanço tecnológico, em educação, em transporte e melhoria da qualidade de seus produtos, sofrem com a concorrência, que é, por si, predatória.
Quer dizer, a discussão ideológica não resolve problemas sociais e econômicos, não acaba com a pobreza e a ignorância.
Governos liberais são governos que prezam a liberdade, leis, eleições com regras claras, o mesmo se pode dizer de governos que interferem com instrumentos legais no processo produtivo.
Uns e outros não podem fugir de haver mercado, esse mercado seguir regras do comércio internacional ou não, ou pretender segui-las, assinar acordos, cumpri-los ou não. As palavras de ordem que culpavam por todos os males do planeta, até mesmo pela degradação ambiental o FMI, o Banco Mundial, o capitalismo dos EUA, o liberalismo, e o neoliberalismo, perderam o sentido!
E até algum tempo atrás, a culpa era de FHC!
É preciso acabar, isso sim, com a pobreza conceitual, com a falta de visão histórica de grande parte de nossos intelectuais.
É preciso pensar nosso país, pensar nossas políticas. A pobreza intelectual é tão terrível quanto a pobreza e a miséria de uma larga fatia de brasileiros.