terça-feira, 10 de maio de 2011

O absurdo na/da vida

Li Kafka na juventude, ele era cultuado pela intelectualidade dos anos 50 e 60. Isso fez dele um autor "difícil" e a leitura de sua obra uma espécie de rito de passagem para alguém ser considerado "culto". Essa moda passou, reler Kafka em um contexto inteiramente diferente, em que se lê cada vez menos e menos ainda se cultua um autor (exceções, talvez: aqueles que escrevem sobre magos e vampiros ...), mostra o quanto Kafka intriga e perturba. Tudo bem com O Castelo e com O Processo, é possível compreender a crítica à burocracia, à falta de sentido da vida, em procurar e não encontrar um porto seguro, ou melhor, pressupor que haja um porto seguro. Mas assimilar a transformação de Gregor Samsa em inseto em A Metamorfose, no seu próprio quarto (supostamente um abrigo), ser visto como inseto pelos familiares, perceber sua couraça e patas gigantes, o choque e o sentimento do absurdo, da não aceitação e de como ler essa metamorfose - é chegar a situações em tudo e por tudo intransponíveis. 

O OUTRO que habita em cada um de nós pode surgir a qualquer momento, não como animal a olhos vistos, mas como o secreto animal que habita em nós ou o estranho, como uma atitude que assusta, como um limite ao qual só se pode chegar por meio de nossas próprias condições, mesmo quando elas são incríveis e absurdas.


Camus não precisou de monstro algum, a situação limite em que ele põe seu personagem de O Estrangeiro, é a de agir guiado pela sensação de que falta o chão. Em francês o título é ambíguo, étranger significa estrangeiro e também estranho. Vazio de esperança, condenado pelo assassinato de uma pessoa que não lhe diz respeito, em uma sucessão de atos absolutamente banais, em que a morte e o enterro de sua mãe são a cadeia inicial, o calor, o sol, um revólver são os meios, e a condenação à morte, o final. Não há como justificar o injustificável. Alguém vazio de coração se torna um abismo que ameaça a vida em sociedade, diz Camus.

O personagem se vê diante de um céu cheio de signos e estrelas, e se abre "pela primeira vez, para a terna indiferença do mundo". Morre-se sem que uma folha ou um pássaro sequer saiba disso. Entretanto, sofre-se.
O personagem de Camus, ao contrário, sente-se livre e feliz.
Viver depende de reagir, cada um(a) a seu modo.

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