sábado, 14 de maio de 2011

O leão de Nietzsche e as vacas de Bin Laden

Coragem e força para refazer os princípios e valores em nome dos quais se luta e se vive, isso é imperioso na moral, para Nietzsche, mas não imperativo. Se prestarmos atenção à história e ao modo como valores foram inventados para possibilitar trocas, convívio, expectativas humanas, então saberíamos que bem, mal, medo, valentia, bondade -, provieram de situações em que eles tiveram certo uso, serviram, por exemplo, para resolver conflitos. Sofrer, atingir o ideal do desprendimento total de tudo o que é humano, significa renunciar à vida. Não é nada nobre. 
A atitude nobre, no sentido de "espírito livre", de "heroísmo refinado", mesmo trabalhando e sofrendo, usufrui de domingos de sol; esses entram e saem silenciosamente civilização após civilização, o espírito livre busca razões e não crenças.
O espírito, diz Nietzsche em Assim Falava Zaratustra, se transforma em camelo, animal da carga pesada, este se transforma em leão. O leão não se detém no "tu deves", cria liberdade, seu fardo na solidão em que se encontra para poder criar e decidir, é mais pesado que o do camelo. Se ainda não tem "o direito de instituir novos valores", pois para isso precisaria ser ave de rapina, em contrapartida, o leão pode ver nas imposições, pura arbitrariedade. Ao se tranformar em criança, brinca, gira sobre si, recomeça.
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No refúgio de Bin Laden foram encontradas cerca de cem galinhas, alguns coelhos e duas vacas. Havia crianças e mulheres, afinal todos precisam comer. Na eventualidade de não poderem sair e precisarem se esconder "melhor", não morreriam de fome.
A que se apega o terror que covardemente usa o subterfúgio de uma religião, a muçulmana, que prega a fidelidade absoluta ao texto sagrado, dogma e guia de milhões de pessoas em diferentes culturas pacíficas, não apenas a árabe?
Como ocorreu essa transformação em ódio, como um credo pode degenerar em ideologia da vingança inclusive contra culturas que não são "inimigas" (recente ataque no Paquistão que dizimou 80 soldados da etnia dos pashtuns)? Isso se deve ao apoio dos EUA a Israel em detrimento dos palestinos? Porém, guerras e soluções diplomáticas, que serviram e servem à luta pelo poder, seja ele qual for, não são as armas do terror. As armas do terror nascem da intolerância, da vingança, qualquer um a qualquer momento pode ser vítima. Não há rosto, não há identidade, há a  promessa de que a imolação é a salvação.
São como tarântulas, diria Nietzsche. Vivem em tocas, é preciso destruir a teia e fazer com que a cólera dessas aranhas saia "do antro de mentira"; a vingança trará "justiça"? É isso que as tarântulas querem, provocar a vingança e execrar tudo o que não seja igual a elas, igualdade entre elas e morte aos poderosos. Ora, os homens não são iguais, e nem devem sê-lo.
A diversidade de religiões, de culturas em sociedades que se emancipam de tutelas, isso é insuportável para os que vivem em esconderijos e acusam todos os demais de "infieis". 
Ver a criança brincar, nascer o novo, isso a vingança não suporta!
Covardes, suas seitas pregam a violência, cegam os que são treinados para matar e morrer, mas eles próprios se escondem, possuem até mesmo vacas, doces e pacíficas a seu dispor!
Várias esposas, comida, TV, algum conforto para o chefe, o "mártir", o inspirador. Quanto aos doutrinados, esses sim devem seguir a ordem: morra e mate, o maior número possível, de inocentes, é claro!

2 comentários:

  1. Victor vc acertou ao lembrar do aforismo sobre nutrir-se com um só valor ou sentimento, o que produz obsessão. Como não há "cura", isso pode ser atribuído à adaptação ao rebanho e, como consequência, a não precisar nem cogitar em mudança, em transvaloração. Só de tempos em tempos pode o rebanho se dispersar...
    Problema: risco de sucumbir novamente à necessidade de um novo guia, talvez mais sedutor.

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  2. Profª. Inês,
    esses seus pequenos artigos, creio, têm sido de grande valia para fomentar uma discussão mais nítida e menos tendenciosa sobre esses assuntos que temos sido bombardeados, ultimamente.
    Acompanho todos os seus textos e a maior parte partilho com os amigos do Alma.
    Sim, creio que seria muito interessante que a sra. escrevesse alguma coisa sobre essa polêmica dos "erros" envolvendo alguns livros didáticos. São poucos os que têm feito essa discussão com lucidez e competência.

    Um grande abraço!

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