quarta-feira, 24 de maio de 2023

Quem sou eu? Identidade e diferença

 Unidade ou multiplicidade? Identidade ou pluralidade? Interior ou exterior? Nascimento ou renascimento? Nacionalismo ou cosmopolitismo? Saudável ou doente? Rico ou pobre? 

Poderíamos prosseguir com esses contrastes e até mesmo dispensar a alternativa "ou" pois há nuances, gradações, sentido costumeiro e sentido metafórico. Assim, doente de espírito, com corpo são, consciência de si, ao mesmo tempo pertencente a diferentes grupos, classes, nacionalidades. Cada um é o que é, e mais o que os outros acham, o modo como se transforma a vida, a cada mudança, a cada situação, a cada obstáculo vencido.

Se você é mexicano, nos EUA será chicano; se você tem a pele escura sua imagem mudará a cada lugar em que você for, seu bairro, em um super mercado, em um shopping de luxo. Se você for bonito será mais fácil encontrar o primeiro emprego com o mesmo nível de preparo que a pessoa feia. Problema, o que caracteriza o bonito ou o feio?! 

Se você nasce mulher seu caminho será fácil ou difícil, depende do país, da cultura, da educação, da própria família.

Enquanto criança o mundo à sua volta gira colorido e devagar, mas não para a criança que nasce na tenda de refugiados.

O que nos define? Exteriormente o físico, os pertences, o automóvel na garagem, o relógio de luxo, a marca da bolsa, o sapato, o penteado, e detalhes sem fim. Mas e os outros, quem são os considerados "outros"? Os andrajosos, dentes podres, o olhar entre louco e perdido, o vício, a decadência, o sem sentido. Sem sentido também para o depressivo, não há como agarrar-se a algo que importe. O mundo se torna abismo.

O trabalho, o lazer, a rotina, o empenho, a desilusão, o reconhecimento, a mediocridade. Entre um e outro, o sustento, a luta diária, a busca de realização e estabilidade.

As mãos que salvam, as mãos que apedrejam. Os pés que correm, os pés que se arrastam. O sorriso que encanta, as lágrimas que comovem. A gentileza do gesto, o soco na cara. A palavra que consola, a palavra que agride.

Subitamente, a grande e definitiva interrupção, o inesperado, o fim que a todos aguarda. 

E seguimos iguais e diversos nessa superfície de um planeta, no espaço infinito, no mistério do ser e do tempo.


quarta-feira, 17 de maio de 2023

Deltan Dallagnol, um cidadão com princípios

 Dizer a verdade, seguir princípios, buscar e praticar a justiça, essas são qualidades do discurso verdadeiro, aquele que empenha o sujeito a se pronunciar publicamente por meio de suas ideias, com o compromisso e o exercício da cidadania.

Nada disso foi levado em conta, apenas a letra da lei buscada e esmiuçada para punir quem ousou se insurgir contra a corrupção. Basta ler os comentários raivosos do triunfo contra as operações da Lava Jato, a vingança notória do PT e de membros da corte judiciária.

Deltan incomoda, põe o dedo na ferida, demonstrou com provas e argumentos, precisou enfrentar o poder constituído, com determinação, sem esmorecer e por essas qualidades foi eleito deputado federal. 



Mas agora, com Lula no poder, nada disso importa, apenas a vingança contra quem tem a coragem da verdade. Esse é um tema antigo, surgiu na Grécia e se refere à transparência da verdade, o empenho em dizer a verdade nas tribunas, e isso não para convencer, não pelo uso da retórica, do argumento de autoridade, e sim pela sinceridade, honestidade e uma vida exemplar e de princípios.

Sim, princípios éticos, justamente na cena política onde a ética inexiste, onde os princípios de justiça, honestidade moral, intelectual e consciência pública são o tempo todo ignorados. 

As pautas são em geral seguir primeiro o que é de seu interesse, o seu reduto eleitoral, o seu bolso, o seu cargo, e o voto que pode e que provavelmente vai ser barganhado.

Os questionamentos éticos e os princípios de justiça, honestidade, valores morais e intelectuais, nada disso importa. 

Dizer a verdade, denunciar a corrupção, seguir valores e ideais, isso é próprio de pessoas comprometidas com o exercício da legítima cidadania.

Sócrates foi condenado quando Atenas era uma democracia, cidadãos exerciam seu papel nas assembleias, votavam leis, decidiam. Ora foi este regime que o condenou pelo motivo de ser corruptor dos jovens. A razão de fato, é que Sócrates incomodava, tal como Deltan, punido sem ter cometido nenhuma falta, nenhum deslize, a não ser este, dizer publicamente a verdade. 

sexta-feira, 12 de maio de 2023

O fundamentalismo: "fé cega, faca amolada"

 O tema do fundamentalismo me foi sugerido pela amiga Ivone Gradowski. Presente na política e nas ideologias, o fundamentalismo religioso se sobressai. Sempre polêmico e até mesmo cruel, é um fenômeno social e cultural, enraizado em seitas e preceitos obrigatórios recebidos com plena e cega adesão.

Os fundamentalismos religiosos se baseiam em livro sagrado, profecia, ritos, firme adesão, aprendizado da doutrina e, quase sempre, um prêmio de vida eterna benfazeja ou o castigo eterno.

No caso do fundamentalismo islâmico, xiitas e sunitas seguem um ou outro dos descendentes do profeta.  A queda do Xá do Irã em 1971 e o retorno de Khomeini do exílio levaram à criação de um estado islâmico xiita, que baniu tudo o que representava a cultura de tipo ocidental para livrar-se da opressão do Xá e iniciar uma nova era, com, por exemplo, o planejamento de cidades islâmicas (ver "Entre os Fiéis" de V. S. Naipaul), ritos severos e usos obrigatórios como o do véu pelas mulheres, que resultou em protestos recentemente no Irã, logo abafados.

Na Arábia Saudita foi comemorada pelas mulheres a permissão para dirigir seus carros (!). Na África o fundamentalismo aprisionou meninas, e o Afeganistão voltou para as mãos tirânicas da República Islâmica, com multidões em fuga do regime Talibã.

O cristianismo radical no passado caçou "bruxas" e dizimou índios. O judaísmo ortodoxo pode ser constatado em certos bairros da progressista Nova York, mulheres não precisam de véu e sim de peruca, com os ensinamentos da Torá obrigatório para os meninos e a rigidez de normas de conduta.




O que pensar disso e de muitos outros exemplos de fundamentalismo religioso?

Prender-se à sequência de ritos, ao aprendizado da doutrina no livro sagrado, à crença no guia espiritual e nas profecias, isso representa radicalismo, extremismo? Ou significa cumprir rituais que preenchem a vida de significado, trazem paz de espírito e conforto espiritual? 

É possível conciliar a adesão a uma crença que se pretende verdadeira e única com os ideais libertários de sociedades tolerantes, igualitárias, abertas, em que a liberdade de crença, de valores e de aceitação do outro, da convivência de credos foi conquistada na maior parte dos países? 

Uns são fiéis e outros são infiéis? Isso é paradoxal, absurdo. 

Salman Rushdie foi perseguido, recentemente esfaqueado por suas ideias; mesquitas são depredadas; jornais libertários incendiados; torres gêmeas atacadas; pastores se enriquecem às custas de palavras de ordem bíblicas e promessa de cura para todos os males. Uma lista sem fim...

Se certa religião fundamenta sua doutrina como única, e doutrinas são incontestáveis, o fundamentalismo representa o avesso da razão, da liberdade e da crença livremente assumida.