sexta-feira, 27 de abril de 2018

Três questões fundamentais de Kant

Por incrível que pareça, Kant já foi considerado pensador "perigoso" por abalar os fundamentos da Filosofia Cristã. Como assim?
Kant formulou três questões imprescindíveis ao filosofar:
Na Crítica da Razão Pura (1781) pergunta o que podemos conhecer, e responde que precisamos de recursos da nossa própria capacidade racional de usar conceitos e justapor à realidade formas, que funcionam como que "fôrmas" em que o mundo vem até nós ao modo do conhecimento.
Na Crítica da Razão Prática (1788), pergunta como proceder em nossas ações, em nossa prática. Trata-se da ética, que para Kant difere de nossos modos de conhecer, isso porque diz respeito às leis morais, ao nosso senso de dever uns para com os outros. 
Em Crítica do Juízo (1780), questiona, o que se pode esperar? Essa última levanta a questão moderna, quais são os objetivos de nossa sociedade? Por que guerras e não a paz?
Estátua de Kant em Königsberg
Com tão importantes questões, como entender que Kant pudesse ameaçar as bases do pensamento cristão?
Foi justamente separar as duas primeiras capacidades humanas. A de conhecer que depende de categorias do nosso entendimento, de situar todas as coisas no tempo e no espaço, de nossa sensibilidade.
A busca da verdade vem da razão, mas as crenças vêm da prática, não podem ser provadas.
E Deus? A necessidade de provar a existência de Deus não decorre da razão pura e sim da razão prática. Isso porque um Ser em si mesmo, soberano e além de toda experiência possível, esse Ser  é inacessível por meio de nossos recursos "teóricos". O que leva a um grande problema: não se pode provar a existência de Deus como fez, por exemplo, São Tomás de Aquino, com as 5 vias racionais. Uma dessas vias afirma que se tudo tem uma causa, deve haver uma maior, absoluta e necessária que é a causa de tudo o que existe.
Para Kant a lei moral, que guia nossas ações é o dever para com todos os homens, almejar para si apenas o que deve valer para todos. Nesse sentido, a alma imortal e Deus são postulados da razão prática. Não podem ser comprovados. Se há injustiça, cabe esperar que uma alma imortal possa compensar os méritos e deméritos. E quem para julgar? Deus, fonte de justiça e não o criador de todas as coisas.
Assim, pode-se compreender como Kant revolucionou a Filosofia e abalou princípios da Filosofia Cristã.
Para conhecer precisamos organizar o material que vem da experiência por meio de formas "transcendentais". Para agir, devemos seguir obrigações morais, a consciência do dever. 
Enfim, soberania da razão livre de tutelas, ao mesmo tempo seguindo rigorosamente a consciência que deve levar em conta toda a humanidade em nossas ações.
Kant obviamente acreditava que somos capazes disso tudo, será que somos?! 

domingo, 22 de abril de 2018

Argumentação é o melhor meio de evitar intolerância

Em um de seus romances, Haruki Murakami escreve o seguinte:

"Às mentes estreitas falta imaginação. A intolerância, as teorias desligadas da realidade, a terminologia vazia, ideais usurpados, sistemas inflexíveis. Essas são as coisas que realmente me assustam. O que eu absolutamente temo e detesto. Claro que é importante saber o que é certo e errado. Erros de julgamento podem quase sempre ser corrigidos. Desde que você tenha a coragem de admitir enganos, as coisas podem ser contornadas. Mas as mentes estreitas e intolerantes, sem nenhuma imaginação são como parasitas que transformam o hospedeiro, mudam de forma e continuam a vicejar. Elas são uma causa perdida ..." (in Kafka on the Shore, p. 181).

Vivemos esse tipo de sociedade e de mentalidade nos dias atuais. Ao invés de argumentar, procurar informar-se com fontes idôneas e fidedignas, por na balança prós e contras, as pessoas mergulham de cabeça, sem pensar, na primeira leva que os fascina. Em geral caminhos fáceis, com doutrinamento ideológico pronto para o uso, com palavras de ordem ocas, mas que servem para fazer barulho, que podem ser pichadas e berradas pelo megafone.

É preciso pensar antes para poder argumentar com mais acertos do que erros.
Mas como saber se há correção ou não?
Não é fácil, isso requer paciência, preparo e abertura de mentes.
Ou como ensina Habermas, a ação que comunica passa antes por três "peneiras":
- Constatar fatos e situações, o que permite entendimento acerca de uma verdade no mundo objetivo. Por exemplo: antes de condenar ou absolver, juntam-se evidências que são expostas ao julgamento e que são permeáveis à contestação ou comprovação. É preciso compreender de que se trata, o que evita pré-julgamentos e pré-conceitos.
- Comunicar-se com alguém nos círculos sociais, no mundo socialmente compartilhado afim de situar as ações com relação às normas, com relação ao que podemos e ao que devemos fazer.
- Entrar em entendimento uns com os outros requer também sinceridade de propósitos, convenhamos, algo difícil. Não só o que se diz e como se argumenta, importa igualmente o que se pretende com o dito. Se o propósito for manipular ou exercer influência indevida, a comunicação falhou e entra-se no terreno das disputas em que vale justamente ganhar, influenciar, derrotar o adversário.

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As redes sociais infelizmente alimentam a intolerância, a irreflexão, as divisões e os caminhos curtos que ignoram até mesmo de que se está falando. Importa aparecer, estar por dentro, considerar que apoiar tal ou tal seita ou ideologia é obrigatório. Que se está no único lado certo, politicamente correto. Como diz Murakami, "uma causa perdida"!