sexta-feira, 31 de maio de 2019

Qual o sentido dos Cursos de Filosofia?

No longínquo ano de 1967, quando ainda aluna do antigo Clássico no Colégio Estadual do Paraná, que veio a ser 2o. Grau e atualmente Ensino Médio, o curso era direcionado para áreas da universidade: Ciências Humanas e Sociais, Ciências Biológicas, Ciências Matemáticas. 
Essas escolhas inexistem atualmente, pois o Ensino Médio passou a ser generalizado, sem opção por áreas.
Escolhi o Clássico porque vinha de colégio de freiras, o ensino de ciências exatas e biológicas não era reforçado o suficiente e, além disso, sempre tive maior afinidade com as línguas estrangeiras, história, geografia, português.
Fiz a escolha certa, as matérias de Filosofia, Sociologia, Psicologia me fascinaram, abracei a Filosofia, havia a curiosidade pelo saber, primeira exigência do primeiro mestre, o sábio Sócrates.
Entrei para o Curso de Filosofia da Universidade Federal do Paraná em 1968. Época da ditadura militar, havia o medo de sermos denunciados e isso devido aos estudos em paralelo de autores censurados, Marx, Mao Tsé, Engels, Lênine dos quais líamos em grupo trechos de seus estudos.
No curso propriamente, com exceção de professores leigos, havia os padres que ensinavam filosofia pelo viés do tomismo. Padre Dreher era um deles, filosofar era aprender o pensamento católico juntamente com o de Aristóteles. Já Frei Raimundo Vier, professor de História da Filosofia, mesmo sendo adepto de Duns Scotto, nos brindava com aulas inteligentes, que levavam a questionamentos.
Mas como se pode ver, havia um conflito entre duas posturas extremas, ambas de cunho doutrinário, quer dizer, aprender marxismo acabou por se tornar um contrapeso, tanto ao pensamento católico de direita, como à ideologia militarista. Com a chamada abertura democrática, quando eu já era professora da mesma instituição, ingressaram professores marxistas, gramscianos e aos poucos os padres foram se aposentando.
Havia a linha dos independentes, mas também os reacionários, além da turma dos que se consideravam portadores da verdade social, política, ideológica e pedagógica. 
Até hoje essa última tendência se faz presente. São poucos, espero que cada vez menos professores insistam neste tipo de abordagem de cunho salvífico. Não estão salvando ninguém, pelo contrário, isso instiga o confronto, leva à uniformização do pensar.
Essa linha doutrinária de esquerda perdura em alguns alunos que se formam e que serão futuros professores, ou no Ensino Médio, ou em universidades, e que se consideram destinados a "fazer a cabeça" dos jovens.
Em contrapartida, e essa é a coluna mestra e a razão de ser dos cursos de Filosofia, há um expressivo grupo de professores nesses que sustentam postura aberta, com diálogo permanente com o saber, adeptos da reflexão crítica. Ao ensinar disciplinas como Teoria do Conhecimento, Ontologia, Ética, Filosofia Política, apresentam os filósofos mais expressivos, e assim exercem sua missão de realmente ensinar, dialogar, aprofundar o conhecimento.
Induzir alunos ao tomismo é página virada há muito tempo.
A esperança é que induzir alunos ao marxismo, à "luta revolucionária", à "tomada de poder da classe trabalhadora" -, em dias próximos seja também página virada.
Nem Marx, nem Engels, nem Lênin, nem Gramsci foram filósofos, sua linha é política e sociológica.
A Escola de Frankfurt representa o que há de mais articulado em matéria de filosofia de linha esquerda/hegeliana. Sem esquecer, entretanto, que é uma entre outras escolas de pensamento. 
A História da Filosofia é rica e precisa ser levada em conta sempre.
Coleção os Pensadores 

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Para resumir, a missão dos cursos de Filosofia é essa: ensinar Filosofia, raciocinar com e por meio dos filósofos, eles sim abrem cabeças, mostram caminhos.
Nesse sentido, os Cursos de Filosofia, em universidades públicas ou particulares são fundamentais para as sociedades democráticas
Contra qualquer tipo de sectarismo é que, justamente, a Filosofia se torna essencial. A legitimidade da Filosofia se ampara no leque de pensadores geniais, na insistência de mestres comprometidos com o pensar apoiado nessa longínqua e imortal história de filósofos, que com suas ideias e conceitos, inspiram o livre pensar.
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Eu não seria o que sou, não publicaria, não escreveria esse blog, se não tivesse cursado Filosofia. Não me habilitei para investir em negócios, mas sei que negócios, e sociedade criativa e pensante, podem e devem coabitar. 

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Verdade, veracidade e justificação na perspectiva de Wittgenstein

A verdade é um valor? Sem dúvida, impossível fazer ciência em nome da falsidade. Como ficariam as provas e contraprovas? Resultados pode e devem ser contestados, o método científico exige igualmente que se justifiquem axiomas, leis, teorias de acordo com uma visão mais ampla da ciência em foco, aquilo que se pode chamar de paradigma.
Além disso, o cientista deve ser veraz, isso significa que ele precisa estar aberto às explanações, que ele tem consciência das consequências danosas ou frutíferas que sua pesquisa produz.

Algumas reflexões de Wittgenstein ajudam a ir além do já sabido que acima foi exposto.
Impossível falar a verdade a menos que a pessoa tenha autodomínio, e isso não tem nada a ver com ser incapaz, tem a ver com ser veraz, com ficar à vontade no terreno da verdade. Ao mesmo tempo, que deitar em seus louros, isto é, acomodar-se, corre-se o risco de cair como se fosse um sonâmbulo.
Há coisas evidentes que passam despercebidas, e "para aquele que sabe muito, para este é difícil não mentir". O que Wittgenstein quer dizer?

No começo tudo se resumia a sentenças com ou sem sentido, que, respectivamente poderiam ou não espelhar fatos e serem ditas em linguagem universal da lógica. As ciências naturais empregam sentenças que podem ser verdadeiras ou falsas, como um tipo de rede lançada pelo pesquisador formando um conjunto entrelaçado de hipóteses confirmadas e a confirmar.

Mais adiante o pensamento do filósofo se debruçou na linguagem ordinária cuja capacidade de dar sentido se multiplica de acordo com o uso, com a situação, com a intenção dos falantes. Foi como se o céu puro da lógica viesse abaixo. Nós nos compreendemos, pensamos, agimos, comunicamos e muito mais pela linguagem aprendida, cujas regras passamos a dominar. "O limite da linguagem se mostra por ser impossível descrever o fatos que corresponde ou que uma sentença traduz, simplesmente pela repetição da sentença" e Wittgenstein acrescenta entre parênteses "(Isso tem a ver com a solução kantiana para o problema da filosofia)". Extraí essa citação de "Cultura e Valor"
Em apenas uma frase, o filósofo foi além de si mesmo e mostrou o interesse que precisamos ter com o pensamento clássico. Qual foi a solução de Kant para o problema da filosofia? Impossível chegar à realidade em si, ao noumenon, podemos aceder com os recursos da razão aos fenômenos! Papel da justificação para o uso de conceitos, algo que muitos filósofos estão longe de alcançar, muitos se consideram donos da verdade...
A filosofia está imersa na cultura, ou melhor, em certas culturas e isso é decisivo para que tenha um papel, ao mesmo tempo em que a história da filosofia, ou seja, os filósofos, devem e podem se debruçar um sobre o outro para apoiar ou para criticar, não importa.
Importa essa abertura, e nisso entra tanto a verdade, como a veracidade e a justificação.