sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

O que é fenomenologia?

Ao reler a biografia "Heidegger, um mestre da Alemanha entre o bem e o mal", de Rüdiger Safranski, pode-se melhor compreender a relação de Heidegger com a fenomenologia. Os primeiros estudos de Heidegger estavam enraizados na tradição católica, especialmente no tomismo. Seu encontro com as ideias de Husserl a respeito de um  recomeço para a Filosofia, a fim de baseá-la em sólidos e novos fundamentos, foi o ponto de partida para a filosofia existencial de Heidegger.
O novo modelo era a fenomenologia. Ir às coisas mesmas, deixar o real se mostrar, sendo esse real o fenômeno, e isso por meio da consciência.
A consciência passa a ter função primordial,  há que observar seu interior por meio da introspecção. Tudo é dado a ela que percebe o exterior de diversos modos, a distinção clássica da teoria do conhecimento entre essência da coisa e sua aparência, não faz mais sentido. O que se percebe não é a essência das coisas e nem sua aparência enganosa para o sujeito e sim os fenômenos que a consciência capta como isso ou aquilo, como objeto, como visível, invisível, sensível, onírico, ou seja, há muitos modos de se relacionar com o que nos cerca. Nossa consciência não é um quadro em branco, um receptáculo passivo das impressões. Ela vai às coisas, se relaciona com os objetos, "a consciência é sempre de algo", afirma Husserl, não está apartada das coisas, pois isso exigiria um elo, uma ponte. Não, ela está junto às coisas de que é consciência, explica Safranski.
Valorizar a consciência é o mesmo que valorizar o fenômeno, isto é, o que é dado a ela. Daí a necessidade de prestar atenção aos modos pelos quais os fenômenos se apresentam. Uma árvore que vejo assume o status de real, pode-se recordar da árvore, posso representá-la como uma que dá frutos, ou que se tornará madeira, a que abriga animais, a que será plantada, a que já morreu.
Por isso não faz sentido supor a árvore em si, os fenômenos se apresentam a mim, à minha vivência, valem a minha vida e as minhas experiências, não há consciência de nada, mas é sempre de algo, intencional. 
Husserl se deu conta de que essa passagem obrigatória das coisas tornadas fenômenos pela consciência, as torna móveis, mutáveis, variam a cada momento das vivências e com cada um de nós, e assim tornar a Filosofia rigorosa, tanto quanto a ciência, seria inviável. Seria preciso um eu transcendental, aquele que tudo abarca e compreende. Essa conclusão, a da necessidade do "ego transcendental", não foi seguida por Heidegger e nem por Sartre.
Heidegger entendeu a impossibilidade de um tal eu, daí a sua noção de tempo, de fluxo das vivências, da existência nossa aí, da autenticidade (saber-se mortal) ou inautenticidade (deixar-se levar).
Sartre apropriou-se do importante conceito da fenomenologia de intencionalidade. O modo como o objeto é acolhido, temido, querido, rejeitado, compreendido e de muitas outras maneiras, se deve à intencionalidade.
Saber-se aí no mundo para Sartre provoca a náusea, a sensação de que nada preenche o homem completamente, estamos jogados no mundo, daí a angústia.
Claro que Husserl não concordaria com essa reflexão existencialista.
Interessante notar que a fenomenologia é ponto de partida para Heidegger e Sartre, mas não ponto de chegada...