terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Como é possível ter ideias segundo o empirismo?



As primeiras noções sobre empirismo se devem a Bacon (1561-1626) que defendia o valor da ciência e da prática como transformadoras do mundo. Nessa época a Inglaterra se tornara potência política e econômica. A filosofia contribuiria com um método novo, revolucionário, o método indutivo. Fazer experiência com a realidade externa, com fatos e assim valorizar a produção de instrumentos e da técnica dos artesãos que poderia ser empregada para fazer ciência útil. Ao contrário da visão platônica de sociedade , na qual o lugar de destaque é o da teoria e dos filósofos - na perspectiva do empirismo nascente, o trabalho técnico não é desprezível. Pelo contrário, a ciência resulta de um esforço conjunto, não decorre da autoridade superior de um só homem, mas de pessoas humildes.

Enquanto Aristóteles considerava que o raciocínio e a demonstração eram a base da ciência, em especial da metafísica, para os empiristas ingleses vale o trabalho de investigação da natureza partindo de fatos particulares; neles descobrem-se variações e permanência. É possível descrevê-los e formular leis a respeito dos acontecimentos. Essa é a base das ciências, a física, a química e mais tarde a biologia.
Locke (1632-1704) era médico, o caminho para o conhecimento é
empírico, a única fonte do conhecimento é a experiência. Mas
como é possível que tenhamos ideias? Como funciona nosso
entendimento?Todas as nossas ideias provieram da experiência, diz Locke, a mente é vazia e vai sendo preenchida pelo contato com o mundo, cujos dados nos vêm por meio das sensações.
Ideia é todo e qualquer “objeto do entendimento quando o homem
pensa , tudo o que pode ser empregado pela mente pensante", diz
Locke. Se uma criança fosse abandonada ao nascer (há casos de
crianças criadas por animais, como os meninos lobo) não
poderia conhecer o mundo como os humanos o fazem e nem ter ideias. Não poderia pensar porque não desenvolveu a capacidade de conhecer. É por meio do uso do entendimento (hoje diríamos "mente" ou "raciocínio"), em um ambiente cultural, que a criança aprende a distinguir cores, sabores, e mais tarde, falar, calcular, perceber formas e figuras, etc.
Mesmo os princípios de moralidade e as virtudes só se desenvolvem em sociedade.
Locke criticou Descartes que defendia haver ideias inatas. Para
Descartes a ideia de Deus como ser perfeito leva à existência de
Deus, pois, ter uma noção de absoluta perfeição exige o ser a quem
essa ideia pertence.
Para Locke, a ideia de Deus não é inata e nem evidente. Ele questiona: “não se descobriram, em épocas mais recentes, nações
inteiras entre as quais não se encontra nenhuma noção de Deus e nem da religião?”

Quem está certo, o racionalista ou o empirista? Segundo Kant são necessários princípios e conceitos que não dependem da
experiência como afirmava Descartes, mas é preciso fazer experiência, do contrário os conceitos seriam vazios de sentido, como afirmava Locke.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Mente, cérebro e linguagem

Mente e cérebro diferem radicalmente, cada qual pertence a um nicho do ser, haveria uma diferença ontológica entre o mental e o cerebral?
Vejamos quando se diz que um fenômeno é mental. Pensar, desejar, falar, sonhar, perceber, imaginar, parece que há um acordo quanto a serem resultado de uma atividade mental, irredutível ao físico, ao neuronal, ao cerebral.
E o que é considerado cerebral? Um déficit de inteligência, um lapso de linguagem, depressão, transtorno de personalidade, impulso suicida, esquizofrenia, são alguns dos fenômenos listados como cerebrais, suscetíveis de modificação com a interferência de medicamentos. Estes incidiriam sobre certa região e modificariam a química cerebral. Claro, com divergências nesse terreno.
Alguns vão mais longe: o mental pode ser reduzido aos circuitos neuronais, às sinapses. O mental seria, então, físico?!
Esses impasses e paradoxos só existem para filósofos, psicólogos, psiquiatras para os quais há diferença de natureza, ontológica, seriam duas realidades distintas, uma imaterial, a outra material.
O que impressiona os defensores da mente é haver o mental distinto do físico, o pensamento distinto do corpo, a consciência distinta do desvario, a capacidade de deliberar distinta dos impulsos cegos, voltar-se para si (introspecção) distinto de comportar-se e reagir ao meio.
A tese oposta se demonstra pelo óbvio: todo o nosso comportamento e as mais variadas atividades dependem do comando cerebral. Isso pode inclusive ser detectado por aparelhos. Eles mostram que tal ou tal emoção afeta tal região, falar afeta outra, sonhar outra, e assim por diante.

Mas, se considerarmos que para falar e perceber, para pensar e imaginar, para compreender e agir, enfim, para o diversificado tipo de vida dos seres humanos, foi necessário tanto que o cérebro se desenvolvesse e se adaptasse para comandar nossas atividades, como essas atividades constituiram pessoas vivendo em sociedades e dependentes de regras e instituições, que são culturais. Na medida em que a criança entra no circuito social da linguagem, portanto, das significações e signos, dos ruídos que passam a formar signos com sentido, é impossível separar o físico/cerebral da vida humana inteligente.
É por meio de signos, da linguagem humana articulada que nos tornamos pessoas, formas de vida que empregam vários jogos de linguagem sempre mergulhados em regras que validam ou invalidam nossas atividades.
Respondemos ao meio, o enfrentamos e o modificamos desde há muito tempo. Assim, separar em duas regiões ontológicas o mental e o cerebral se deve a particularidades da cultura humana. Por exemplo, perguntar a um amigo se sua tristeza é "curável", seria classificá-la como cerebral e apostar no prozac. O mais incrível, é que isso é cultural, há poucos anos se medicaliza emoções e sentimentos "excessivos".
Enquanto que, procurar compreender as reações e sentimentos desse amigo, é algo que se faz desde que relações humanas, entre elas a amizade, passaram a constituir nossa humanidade, o ser que somos. Há milênios.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A descoberta do eu

Há uma considerável distância temporal e conceitual entre as Confissões de Sto Agostinho, escrita entre 396-397, e as Confissões de Rousseau (1764). Agostinho narra episódios de sua vida pessoal para marcar uma revelação, uma iluminação, a busca da verdade encontrada na conversão à doutrina cristã. Ele encontra o que busca, a paz interior, a plena identificação de uma intenção com a realização dessa intenção. Seus ensinamentos são exemplares, podem ser universalizados, aliás, devem servir para todos os que crêem em Deus como criador. O mal reside apenas nas criaturas dotadas de livre arbítrio. Ele partiu do exame de si mesmo, encontrou Deus pela iluminação interior, avaliou suas ações pela ótica do bem e do mal, e concluiu que a graça divina pode salvar os homens.
A ótica e a intenção de Rousseau ao redigir suas confissões diferem bastante. Rousseau quis pôr a nu seus sentimentos, não apenas fatos da vida, não a verdade a que se chega pela reflexão sobre o exterior, mas reunir palavra e sentimento na narração de si para si mesmo. A busca não é mais pela redenção e pela conciliação entre o homem e o mundo.
A "invenção", a novidade é a consciência, o eu interior que é trazido à superfície pela linguagem, pela narração do que Rousseau sentiu, experimentou, a força da emoção. Ao contrário dos estoicos, ele não consegue um domínio sobre si, e isso inclusive deve ser confessado, suas fraquezas, as desilusões, os impasses, a dificuldade em ser autêntico e sincero. Starobinski chamou a essa nova atitude, a esse novo discurso de "ética da autenticidade", o pacto com sua própria verdade, com o ser-se. A reflexão leva à justificação, e Rousseau deseja outro tipo de "verdade", a de si mesmo, espontânea, a ponto de evitar culpabilização. Mesmo quando se sabia em erro ou mentira, o que mais importava era revelar isso.
A linguagem considerada por ele como meio difícil e puramente convencional, acaba sendo a única fonte que para levar o eu a estabelecer uma relação consigo mesmo.

E isso é novo, na literatura Rousseau é considerado um romântico. Para além das classificações, ele inova em outro sentido, a difícil e imperiosa tarefa de fazer com que o leitor mergulhe nas experiências do narrador. Palavra e ação se complementam.
É possível, diz ele em Confissões enganar-se sobre episódios, fatos, datas, mas não sobre seus sentimentos.
Reconhe-se aí facilmente Proust, a psicanálise, a enorme quantidade de literatura boa e ruim da busca de si, do que move nossas emoções, enfim, a pergunta sobre o que afinal somos nós? Como e quais são as razões para a consciência revelar-se? Confessar, expor, desnudar-se sem ambiguidade, sem falsidade.
Mas sabemos que isso é impossível: a linguagem nos trai, os motivos confessos e inconfessos nos traem, a tarefa de dizer a si mesmo o que se é, de explorar suas emoções, não cessa. Arte, literatura, cinema, com resultados ora excepcionais ora medíocres, atestam essa característica do homem moderno.