segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Os vinhedos de Frederico II e o quarto de Van Gogh

Entre as mais vívidas impressões de um breve percurso recém feito a alguns países europeus, há duas que são contrastantes e marcantes. Ambas dão a pensar.
Frederico II, rei da Prússia (1717-1786) construiu um castelo para lazer onde passava muito de seu tempo, em Potsdam, arredores de Berlim. Entre jardins, estátuas de filósofos e de personagens mitológicos, o rei poliglota, que não se recusava a participar de batalhas e conquistou vastos territórios, ambicionava ser filósofo de estilo platônico, tendo por modelo Marco Aurélio. Foi amigo de Voltaire, a quem hospedou várias vezes e com o qual se correspondia. Flautista, amigo de grandes compositores, não casou, não teve descendentes, há rumores de que seria homossexual. Aberto, brilhante, tolerante, pregou a liberdade religiosa em tempo de dogmatismo. Permitiu que Kant publicassse em Berlim escritos sobre religião, que foram proibidos no resto da Europa.
Ao castelo ele deu o sugestivo nome de Sans Souci (Sem Problemas, em francês). Em estilo rococó, se chega a ele por uma enorme escadaria entremeada de vinhedos, que lá estão até hoje, mas sem produzir. Um sistema de calefação abrigava e ainda abriga as vinhas do frio de 15 a 20 graus abaixo de zero. No verão cada porta era aberta e vinhas e figueiras davam seus frutos.


Na outra ponta, o quarto de Van Gogh, a simplicidade, a austeridade, apenas o estritamente necessário. O museu a ele dedicado em Amsterdam realizou um detalhado e perfeito trabalho de restauração, e ali está o quarto, como também as botas, as flores, as paisagens, a tentativa de aproximar-se de um suposto gosto comum para vender as obras e poder sobreviver, primeiro em Paris, depois retira-se para o sul da França. Voluntariamente se interna, mas a solidão é demasiada.
Em uma das mais emocionantes cartas a seu irmão, Van Gogh escreveu: "Na natureza está tudo pronto para ser pintado, mas é preciso saber interpretar". Quer dizer, o real nada é sem a interpretação do artista, de seu traço, da pincelada, da cor.


Sem ser filósofo, Van Gogh foi mais e melhor filósofo do que muitos prestigiados acadêmicos.
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É possível usar o fausto para promover a grandeza como fez Frederico II.
É possível usar o simples para chegar ao essencial, como fez Van Gogh.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

A perda de referência nos princípios da educação no Brasil

Os índices internacionais mostram as insuficiências na educação básica e na formação profissionalizante brasileiras; mostram também as disparidades regionais e entre ensino público e privado. Inclusive disparidades entre escolas públicas. O ensino médio em escolas técnicas federais tem índice de qualidade bastante alto que rivaliza com países tradicionalmente fortes em educação de jovens.
De cada dez crianças que ingressam no ciclo básico, apenas três concluem o ensino médio!
Basta de índices, eles são bem conhecidos...
Despreparo dos professores, baixo salário, falta de condições físicas, e muitos outros problemas, são igualmente bem conhecidos, podem e devem urgentemente ser sanados.
Há um ponto em que poucos tocam, a formação de professores nos cursos de educação, nos de pedagogia, nas licenciaturas, e, de modo geral, o modo como esses cursos compreendem a função da educação e da formação no ensino fundamental e médio.
A filosofia da educação, quer dizer, os princípios que norteiam o ensino, sofre de uma doença que parece incurável: sua ideologização.
Tudo começou com uma luta justa e necessária contra a ditadura militar (anos sessenta), mas que se enrijeceu em doutrinas, bem ao gosto dos regimes totalitários. Educar passou a incluir obrigatoriamente a ideologia que supostamente combateria um tipo nocivo de educação imposto pelos militares. Ela favoreceria o trabalho, as profissões, a técnica, o que representava uma ameaça, a da intervenção de interesses do grande capital (americano, claro). Se não houvesse uma reação da esquerda dirigida pelo único pensar, o do marxismo, os alunos permaneceriam "alienados".
Infelizmente essa tem sido uma forte motivação por detrás das concepções de educação. A história, decretam esses pensadores, não passa de lutas de classes, a classe oprimida precisa tomar consciência dessa opressão e avançar para o socialismo.
Com um agravante: intelectuais e estudiosos da educação que não seguem essa cartilha ideológica "compactuam" com o capitalismo.
Estuda-se Gramsci, endeusa-se Adorno, cita-se Saviani e Chauí, condena-se a chamada "prática mercantil" (sic), a "desumanização produzida pelo capitalismo" (sic), como se nesse tipo de filosofia da esquerda houvesse solução para os problemas crônicos da educação, como se buscar qualidade no ensino fosse incompatível com o trabalho e a profissionalização.
Nessa "filosofia" há noções aceitas sem nenhum exame crítico, ela é cega para a história dos acontecimentos recentes como mundialização, como o crescente e poderoso capitalismo financeiro que invade fronteiras, os acelerados processos de industrialização que aos poucos cedem lugar à sociedade de informação.
Há necessidade de alta qualidade na educação para compreender e reagir a essas novidades.
Se alguém mencionar J. Dewey ou Anísio Teixeira, por exemplo, corre o risco de não ter seu trabalho ou sua proposta aceitos.
"Para Dewey o fim da educação é a vida progressiva, em constante ampliação...ela cresce à medida em que aumentamos o conteúdo de nossa experiência, alargando-lhe o sentido, enriquecendo-a com ideias novas, novas distinções e novas percepções...O mundo em que vivemos é essencialmente precário e indeterminado, mas o esforço humano conta como fator predominante no destino que esse mesmo mundo pode tomar. O homem refaz o mundo pelo seu esforço."
Quem diz isso é Anísio Teixeira e como ele há outros para inspirar uma urgente renovação na filosofia da educação que possa acompanhar mais de perto nossa época e dar condições para uma melhoria na educação, na formação e no preparo de nossos alunos.