terça-feira, 20 de março de 2012

Como se começa a filosofar?

Para filosofar basta fazer certo tipo de indagação: por que? como? quando?
E ir fundo com as questões. Quais são as causas mais essenciais e imprescindíveis de todas as coisas? Como é possível existirem tais coisas, como elas vieram a ser, não é incrível que haja o ser e não o nada? O que determina que um ser tenha as propriedades e características que o distinguem dos demais? Há um tempo, um "quando" responsável pela origem de tudo?

Essas perguntas também são feitas pelas religiões, e recebem respostas definitivas: no começo o caos ou o nada, depois a organização por forças cósmicas ou por Deus como nas crenças monoteístas. Tudo faz sentido, há um destino para todos os seres e em especial para os seres humanos.

A ciência também propõe investigar e procura respostas para o que nos intriga: tempo finito ou infinito, qual é a origem do universo, como a vida começou? Mas, ao contrário da filosofia e da religião, os cientistas não visam conciliar, consolar, dar sentido, apaziguar a existência humana, nossas dúvidas, nossos anseios.

A filosofia, sim. Ela busca pela razão de sermos no mundo, o que nos move, se há um sentido na história da humanidade, o que se pode mudar e o que nos condiciona.
O questionamento filosófico exige dialogar. Exige que nesse diálogo entrem pessoas dispostas a argumentar, a raciocinar, a ouvir as razões do outro, buscar respostas, inclusive com o risco de não encontrá-las, o que não leva a desistir do diálogo. Até mesmo o cético necessita argumentar para expor suas dúvidas. 
Mas se o caminho for o da imposição dogmática, o diálogo cessa. Sempre que um dos lados se considera  com a plena razão, resta ao outro submeter-se. É a morte da filosofia e o nascimento da intolerância, da violência, da censura.
Sendo assim, por que os próprios filósofos dificultam o acesso a essas indagações com seu vocabulário especializado, com termos e expressões que parecem nem fazer sentido?
Quem ler o prefácio da Crítica da Razão Pura ou o da Fenomenologia do Espírito desiste, a menos que haja um professor para debulhar conceitos e noções, comparar, expor com termos acessíveis o difícil pensamento dos mestres da filosofia.

Aulas de filosofia são exemplos de diálogos em estilo platônico: examinar conceitos revirando-os para que os alunos possam acompanhar o significado, ou seja, seu uso ou usos.
Se, ao final da aula pelo menos alguns alunos chegarem, eles próprios, a novas questões, se eles chegarem a esse ponto: "Como é que eu nunca havia pensado nisso!", a aula foi bem-sucedida.
Mudar algo na cabeça das pessoas, como disse certa vez Foucault, levá-las a pensar novamente o que estava assentado e dado como evidente, isso é filosofar.
Outros filósofos acrescentariam que há também a esperança iluminista de que tais diálogos melhorem nossas relações, ainda primitivas sob muitos aspectos.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Teoria do Conhecimento e Epistemologia

O que é conhecimento, quais são suas fontes, como é possível assegurar se o conhecimento é confiável, verdadeiro, falível ou não, é disso que se ocupa uma área da Filosofia chamada de "Teoria do Conhecimento".
Para os céticos nada se pode saber com certeza. Platão discorda, pensamos por meio das ideias, ao mesmo tempo elas são o que há para ser conhecido após uma difícil empreitada, que começa com os objetos físicos apreendidos pelos sentidos, que nos enganam, até o mundo superior, inteligível.
Aristóteles considera que o acesso ao real, aos seres individuais é direto; a fonte do conhecimento é a capacidade de perceber e de pensar, e isso não se deve às ideias, que são apenas abstrações. Para conhecer a causa geral de todos os seres é preciso partir da experiência e ir abstraindo até formular juízos sobre a essência e as características das coisas.
Empiristas pensam que a experiência é fundamental, racionalistas como Descartes rejeitam a experiência como fonte: ela pode nos enganar e todo saber só é digno do nome se for indubitável, evidente e claro.O homem é uma coisa pensante dotado de um corpo, pura matéria.
Kant dá um passo definitivo e imprescindível: o conhecimento se estrutura por meio de formas puras, transcendentais sem as quais o mundo sensível permaneceria caótico e inacessível.
A fenomenologia eleva os fenômenos kantianos à condição de essência. Enquanto Kant se detinha na faculdade humana de apreensão ou intuição, dizia que o mundo das coisas em sua própria essência é inacessível, a fenomenologia de Husserl afirma que o conhecimento é das coisas mesmas. O fluxo da consciência que se tem dos fenômenos, das coisas (seja qual for a natureza delas) é próprio da consciência, é imanente a ela e, ao mesmo tempo, há a consciência que tem papel transcendental, o "eu penso" é evidente, tal como para Descartes.
Chama-se "Epistemologia", a indagação sobre o tipo de conhecimento da ciência. Já não é mais um sujeito que conhece realidade a questão central, e sim quais são os meios para construir o edifício da ciência: experiência, testes, observações, instrumental técnico, sínteses sob a forma de leis e grandes teorias.
Entre os epistemólogos se destacam: Wittgenstein (de cuja expressão "edifício da ciência" me apropriei); os filósofos analíticos (como Carnap, para quem o conhecimento científico é o único verificável, portanto, o único confiável); Popper (o critério para o conhecimento científico é a refutação, em contraste com o que é irrefutável como ideologias e credos) e T. Kuhn com a noção de paradigma (apenas a ciência progride e isso se deve aos paradigmas que funcionam como modelos capazes de levantar todo um campo prático e teórico utilizável pelos cientistas em dada época).

Pois bem, em linhas muito gerais é disso que trato em meu último livro "Curso de Teoria do Conhecimento e Epistemologia", resultado de aulas na UFPR e das aulas na PUCPR sobre essas disciplinas. Agradeço aos meus ex-alunos e alunas. 



quinta-feira, 8 de março de 2012

Tempo cíclico, dialético e o eterno retorno

O cosmo para os gregos na antiguidade clássica era circular, fechado, finito. Os astros se movimentavam em esferas fixas. Não havia noção de expansão e todo espaço era limitado pelo lugar ocupado pelos diversos corpos. Os mais pesados abaixo, os mais leves para cima, em movimentos circulares. Vácuo ou vazio são inconcebíveis, pois implicam em nada. Ora, nada pela lógica e pela ontologia não "é".
O que é se opõe ao que não é absolutamente. Algo não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Aliás, o tempo cíclico garante que as coisas permaneçam em sua essência e identidade. Nascer e morrer, geração e corrupção das coisas, faz da vida uma repetição das características das espécies.
A divindade (Zeus) é uma projeção de vícios e virtudes humanos.

Sem contestar o princípio de contradição para os discursos, Hegel (1770-1831) inaugura outra visão de tempo, de história, de natureza e de sociedade. Ele renova a metafísica posta em xeque por Kant ao entender que toda realização humana, seja na arte, na religião ou na filosofia, é obra do espírito, são ideias que movem a história. Essas realizações passam por mudanças. Para Hegel, houve o momento grego, uma cultura de harmonia na cidade-estado, legitimada pela representação do cidadão na pólis. Com o cristianismo houve nova transformação: todos podem pleitear representação mediante sua crença, há uma universalização do conceito de liberdade. E esta se torna plena nos Estados modernos. No início do século 19, após as conquistas napoleônicas, a Alemanha e a Prússia resgatam a representação política e a vida do povo como nação que se realiza em um tipo de moral social.
Hegel na chegada triunfal de Napoleão em Jena

A dialética é a lógica que expõe e que permite essas transformações históricas. Se houvesse simplesmente o ser e o não ser, algo e nada, teríamos duas "naturezas" distintas, fechadas em si mesmas. O ser não poderia determinar nada para o não ser e vice-versa. Mas, supõe Hegel, se olharmos para a história, as culturas e as sociedades, o que se tem é um movimento, um devir, o vir a ser isso ou aquilo.
Todo ser identificável, determinado, o é pelo não ser outro, e não por uma identidade ou essência fixas. Ser e não-ser só são inteligíveis pelo mover-se, pelo transformar-se.
E tudo culmina na plena realização do Espírito Absoluto. Em um céu platônico ou cristão? Não, na história moderna, na liberdade dos cidadãos.


Nietzsche (1844-1900) detona com todos esses conceitos. Não se deve buscar na história nenhum resgate, ela é feita de acontecimentos opacos, não há um Napoleão para encarnar o Estado. O próprio Estado e todas as instituições recebem uma marca, a das necessidades humanas, de troca, de vingança, de negociação. O tempo volta sempre, como em um imenso carrossel. Não há um valor transcendente, acima das lutas que envolvem desde a mesquinharia até a necessidade de poder. Em meio a esse tempo de condicionamentos, não há um absoluto e nem um devir a não ser aquele que serve para apascentar rebanhos, o dos conformistas. Ausência de fé, ausência de metas, de sentido e de valor, esses são os guias do niilista. Mas o niilismo não significa abandono ou renúncia absoluta, o puro não ser, o nada. Niilismo significa ir ao modo como os entes se manifestam, pelo eterno retorno do mesmo.

Concepção estranha e de difícil compreensão. É como se todo ente tivesse como condição ontológica a vontade de poder. Quer dizer, não se atinge nunca um fim, não há apaziguamento, e sim a vontade de poder que se distende sempre e nunca é satisfeita. Isso porque é impossível não haver obstáculos, e é covardia sucumbir a eles.