quarta-feira, 24 de abril de 2024

Declarações de governantes e sua relação com a verdade

O governante, no sentido antigo do termo, deveria ser autêntico, sábio, franco em seu falar, deveria guiar-se por princípios a fim de bem governar a si mesmo, único modo de bem governar os outros.  

Um exemplo é o de Péricles, governante de Atenas (século IV a. C.), que tinha coragem de dizer a verdade aos seus concidadãos afim de conduzi-los em sua própria ação, ensinar, dar o exemplo, usar o discurso tanto para persuadir quando para dissuadir. O que era difícil num tempo em que havia levantes e guerras.

O dizer verdadeiro na esfera política diz respeito à ética, ao modo como alguém se faz sujeito moral, quer dizer, responsável pelos seus  próprios atos.

Mandatários em geral estão longe, e muito, de alcançar e praticar esse tipo de discurso, agem politicamente, e esse conceito é arrastado para o jogo de interesses e não para a autenticidade e compromisso com a ética. Há que nadar no mar das conveniências do momento.

Mas não é só esse jogo "político", as declarações em geral são estapafúrdias, muitos dizem o que vem à cabeça. Um deles, Bolsonaro, chegava a insultar, encobrir e comemorar mortes num momento em que vidas eram dizimadas; o outro, nosso atual presidente, se vale de uma retórica pobre e circunstancial.

Lula estava sendo sincero quando "aconselhou" seu ministro Haddad?

"O Haddad, ao invés de ler um livro, tem que perder algumas horas conversando no Senado e na Câmara".



21/abril/2024

Era um pedido sincero? Pois justamente uma sinceridade que vem à superfície desse modo, sem nenhuma preocupação com justificativas, com fundamentação. Foi nesse sentido que auxiliares vieram em seu socorro para afirmar que não passavam de brincadeiras. 

Pior, muito pior, brincar? Um chefe de governo em discurso para se dirigir ao público com relação ao trabalho de seus ministros, estava brincando?!

Creio que Lula quis sim, dar lição, exigir que os ministros trabalhem, tudo bem, mas e ele próprio, o que faz, a responsabilidade pelo país é de seus auxiliares?

Voltemos à frase em que pede para o ministro que ele não leia um livro, mas que vá perder tempo conversando com representantes do povo.

"Um" livro, significa o numeral ou significa um livro qualquer? Se for apenas um, qual seria esse determinado livro que Haddad leria? Fiquei curiosa... Se for um livro qualquer, o evidente desprezo por leitura. Ler é desprezível e inútil.

Acrescente-se que tratativas no Congresso significariam "perder algumas horas". Então para que ir se é perda de tempo?

A verborragia irresponsável do anterior e do atual presidente é o avesso da ética, da coragem e da verdade.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Nós, humanos, somos produto da história?

 A história, quer dizer, todo o passado da humanidade juntamente com suas transformações resulta no que somos: tipo de sociedade, de produção, de linguagem e línguas, de cultura, de noções, de valorações.

O que prezamos, o que construímos e destruímos, os resultados de trabalho e exploração da natureza, os cultos, os mitos, os monumentos, tudo isso é obra de milhares de anos, em uma diversidade incrível de realizações que vão de instrumentos de caça até mísseis teleguiados, do arco e flecha até as devastadoras bombas, da construção de açudes a usinas nucleares, das carroças e do cavalo aos jatos.

Onde eu quero chegar? Isso tudo acima relacionado tem qual propósito?

Responder a uma questão crucial para a filosofia, em especial para a metafísica: de que substância somos feitos, a da história ou de uma humana essência?

Desde meados do século 17 a resposta é a que aponta para a história como fruto das realizações humanas, somos produtos de ações e intervenções. Para Hobbes, esse é o papel da sociedade, o homem é o lobo do homem, há luta e desconfiança em uma guerra de todos contra todos, só cessa com um poder impositivo. Mais recentemente, século 19, o marxismo com a luta de classes, a Escola de Frankfurt com o relativismo cultural, o pressuposto é o de que somos produtos dessa longa e multifacetada história.

A outra resposta, a de que há uma essência humana, nasceu com a filosofia, afirma haver por detrás das modificações algo que permanece, justamente, a essência, uma característica indelével, propriedade do fato de sermos humanos, com realce para esse "sermos, "o ser". Desde Platão até Heidegger, o pressuposto é o de que há essência humana, a alma imortal para Platão, e para Heidegger, o Ser-aí, o homem no mundo. A temporalidade é inelutável, nos incorpora e designa o fim inevitável, ser-para-a-morte.

Creio que essa visão se sustenta sob uma base, a de que somente por reconhecer que realizamos a nós mesmos nesses turbilhões de acontecimentos, é que podemos entender a propriedade permanente, própria ao ser humano. 



Sem uma permanência, a que chamamos de essência, não haveria no que se transformar, se fôssemos tão somente produtos da história, como reconhecer nesses mesmos produtos, nós, nosso passado, nossos símbolos, nossas lutas? Nem haveria como interpretar e compreender o diferente, e identificar nos atos, nos símbolos, na linguagem e nos múltiplos significados, a presença humana.

Essência, então, não implica em negar mudanças, isso seria absurdo, e nem que não possamos lidar com situações caóticas, complexas ou simples, violentas ou pacificadoras. Nem significa desconhecer a evidência das transformações históricas.  Essência não deve ser entendida no sentido de imutabilidade.

Essência deve ser entendida no sentido de podermos nos reconhecer em meio à diversidade histórica, o que e quem somos.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

O Rio de Janeiro de Jorge Ben Jor e o Rio de Janeiro de Oruan

Para uns poucos que não o conhecem, Oruam é um dos rappers mais ouvidos e vistos nas plataformas digitais.

Pois bem, qual é o sentido de comparar Jorge Ben (Jor) com o filho de Marcinho, "dono do complexo do Alemão" e sobrinho de Elias Maluco?!

Foi o contraste entre as letras de ambos, em particular com o samba de Jorge Ben, "País Tropical", com as de Oruan. Provavelmente dirão: nada a ver, impossível e mirabolante essa ideia, pois são dois estilos inteiramente diferentes.

O que mudou? E não foram só os estilos...

Moro, num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza (mas que beleza); em fevereiro tem carnaval. Eu tenho um fusca e um violão; sou Flamengo, tenho uma nega chamada Teresa. 

Jorge Ben enaltece o Rio, aquele do sol, o do mar, do Flamengo, e ele, dono de um modesto fusquinha, mas... ter uma "nega chamada Teresa", esse tipo de juízo em tempos de correção política, em tempos de cultura de cancelamento, em que a mulher aparece como posse, pode ser considerado ofensivo. Chamar de "nega" não pega bem, além disso a mulher é vista como um item em meio a carro e violão.




Mas, que tal comparar com o sucesso nas redes, com os ganhos milionários do rapper Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, o Oruan? Com 6,8 milhões de ouvintes mensais, 5,6 milhões de seguidores no Instagram, suas letras enaltecem não as belezas do Rio, nem certa mulher, que seria a sua "nega Teresa". Ele enaltece as minas, "facinho elas entra no clima", "tira o sutiã, tira a calcinha", exalta o desejo de a menina aparecer no Instagram, seminua, maquiada, unhas enormes e brilhantes, enfim, o que o politicamente correto chamaria de "mulher objeto". Ora, essa mulher, alvo de desejo, para dizer o mínimo, esse tipo de garota é cantada, assim as "mina" desejam ser e aparecer.


Oruam, visual é fundamental


Novamente, o que mudou? 

Em poucas décadas surgiram as práticas de cancelamento devido ao desrespeito à cor, as críticas à mulher-objeto, pois passamos a viver e conviver em uma sociedade que combate o racismo, e isso é um avanço, sem dúvida, porém surgiu outro lado. O lado de um tipo de sociedade que exalta o crime, o tráfico, na qual os morros cariocas se tornaram espaço e lugar de gangues rivais, que brigam entre si, enfrentam a polícia sem medo, ultra armados, ousados e perigosos. E, é esse lado que o rapper canta em suas letras. Com o corpo todo tatuado, preparo visual para chocar, para Oruan agredir não faz mal algum. A plateia aplaude, é legal "as mina entrar no clima".

Em contrapartida, o sambista negro incluir entre suas posses um fusca, um violão e sua mulher, isso ficou lá atrás, bem atrás...

O rapper faz parte de uma contra cultura, dirão, e as redes sociais impulsionaram as mais variadas manifestações. Há total liberdade, justamente a liberdade de expressão. Este blog é um exemplo disso. Resta ficar atentos, saber julgar, avaliar.


quarta-feira, 3 de abril de 2024

A causa primeira para Aristóteles

A noção de substância baseia a teoria do conhecimento de Aristóteles. Ele considera que o indivíduo, que o ser individual é sempre determinado, e a esse ser ele chama de "substância". Se não houvesse indivíduo ou substância, não seria possível determinar aquele ser como isto ou aquilo, em certa situação, tempo, estado. Não seria possível conhecer as coisas. Substância, diz ele, é inerente ao ser de cada coisa. 

Em cada substância há propriedades, que são suas qualidades, quantidade, tempo, lugar, um tipo de atividade ou de passividade. Certo ser, como uma árvore, tem matéria, sua raiz, tronco, galhos, folhas; tem forma, pode ser baixa, alta, seca, distinguível como tal; brota, cresce, precisa dessas causas eficientes; a árvore fornece madeira, seiva, frutos, e esses vários usos são a causa final.

E como tudo isso veio a ser? Para haver mudança, algo age, em ato, e algo sofre esse agir, é a potência.

Em pura especulação metafísica, Aristóteles considera que todo esse movimento das substâncias, quer dizer, dos seres, não poderia ser indefinido, indeterminado, impelido sem cessar e desde sempre. Em um movimento infinito não teria como haver antes e depois, algo não ser e depois ser. Esse movimento infinito impossibilitaria haver geração. Deve haver, portanto, uma causa inicial, uma causa primeira que deu início a tudo o que veio a ser. Não erram os que veem nesse raciocínio, Deus, essa é uma das razões pelas quais Aristóteles influenciou a filosofia medieval, em especial, São Tomás de Aquino.  


Universo finito, com uma causa primeira

Impressiona no raciocínio filosófico de Aristóteles ser essa uma questão que intriga, fonte de inúmeras elucubrações, e, ao que tudo indica, impossível de ser solucionada. Até mesmo pela ciência, pela física, pela astrofísica. Mas que para Aristóteles era clara e solucionável.

Como tudo começou, o que deu o início a tudo? E se tudo, o próprio presente, o que se faz e refaz, e se fará sempre, essa especulação tornaria a questão de uma causa primeira impossível de receber resposta. 



Universo infinito para a Física atual.

Já para Aristóteles e, seguindo apenas o raciocínio filosófico-metafísico, teria que ser algo que a tudo movesse, mas esse motor inicial não poderia ser movido por outro. Isso sob pena de regressão ao infinito. Para aquele motor, teria que haver um princípio motor que o movesse, e assim por diante.

Nas teorias causais, determinísticas, conceber algo determinado como causa, é princípio necessário, fundador, fundamental. Nas metafísicas da finitude, o começo de todo ser, do determinado, da substância, segue o princípio geral da causalidade. 

Para o realismo aristotélico o conhecimento dos seres, das substâncias não advém dos nossos sentidos, nem de categorias puras do entendimento, não são propriedade de uma subjetividade transcendental. O conhecimento vem de uma relação do intelecto com as coisas, uma relação de adequação, em um juízo do entendimento por meio do qual se atribui a algo, a uma essência determinada, certas propriedades. Há uma adequação entre o pensado e o ser em sua realidade. Aquilo que se conhece é realmente aquilo que se conhece, um ser, substâncias e seus acidentes, suas particularidades.

Análise do inconsciente seria para Aristóteles sem sentido...

Duvidar do princípio de causalidade seria para Aristóteles absurdo...