sexta-feira, 19 de abril de 2024

Nós, humanos, somos produto da história?

 A história, quer dizer, todo o passado da humanidade juntamente com suas transformações resulta no que somos: tipo de sociedade, de produção, de linguagem e línguas, de cultura, de noções, de valorações.

O que prezamos, o que construímos e destruímos, os resultados de trabalho e exploração da natureza, os cultos, os mitos, os monumentos, tudo isso é obra de milhares de anos, em uma diversidade incrível de realizações que vão de instrumentos de caça até mísseis teleguiados, do arco e flecha até as devastadoras bombas, da construção de açudes a usinas nucleares, das carroças e do cavalo aos jatos.

Onde eu quero chegar? Isso tudo acima relacionado tem qual propósito?

Responder a uma questão crucial para a filosofia, em especial para a metafísica: de que substância somos feitos, a da história ou de uma humana essência?

Desde meados do século 17 a resposta é a que aponta para a história como fruto das realizações humanas, somos produtos de ações e intervenções. Para Hobbes, esse é o papel da sociedade, o homem é o lobo do homem, há luta e desconfiança em uma guerra de todos contra todos, só cessa com um poder impositivo. Mais recentemente, século 19, o marxismo com a luta de classes, a Escola de Frankfurt com o relativismo cultural, o pressuposto é o de que somos produtos dessa longa e multifacetada história.

A outra resposta, a de que há uma essência humana, nasceu com a filosofia, afirma haver por detrás das modificações algo que permanece, justamente, a essência, uma característica indelével, propriedade do fato de sermos humanos, com realce para esse "sermos, "o ser". Desde Platão até Heidegger, o pressuposto é o de que há essência humana, a alma imortal para Platão, e para Heidegger, o Ser-aí, o homem no mundo. A temporalidade é inelutável, nos incorpora e designa o fim inevitável, ser-para-a-morte.

Creio que essa visão se sustenta sob uma base, a de que somente por reconhecer que realizamos a nós mesmos nesses turbilhões de acontecimentos, é que podemos entender a propriedade permanente, própria ao ser humano. 



Sem uma permanência, a que chamamos de essência, não haveria no que se transformar, se fôssemos tão somente produtos da história, como reconhecer nesses mesmos produtos, nós, nosso passado, nossos símbolos, nossas lutas? Nem haveria como interpretar e compreender o diferente, e identificar nos atos, nos símbolos, na linguagem e nos múltiplos significados, a presença humana.

Essência, então, não implica em negar mudanças, isso seria absurdo, e nem que não possamos lidar com situações caóticas, complexas ou simples, violentas ou pacificadoras. Nem significa desconhecer a evidência das transformações históricas.  Essência não deve ser entendida no sentido de imutabilidade.

Essência deve ser entendida no sentido de podermos nos reconhecer em meio à diversidade histórica, o que e quem somos.

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