domingo, 8 de dezembro de 2019

A Filosofia na era tecnológica

Muito se tem falado de inteligência artificial, mesmo porquê sem ela hoje a comunicação e diversas atividades travariam.
Com alunos antenados o tempo todo, com a mídia social penetrando em nossas vidas, com a foto instantânea de situações, fatos e pessoas, com a permanência por horas e horas diante das telas, algo que eu mesma faço neste momento, a pergunta é:
Ainda faz sentido o aprendizado por meio do exclusivo raciocínio, comunicação verbal face a face, escrita de textos e leitura deles?
Sim, mais do que nunca, especialmente na educação infantil, de adolescentes e jovens, e de todo aquele que quiser ou precisar entender nossa própria trajetória, a da humanidade e de sua história.
Sem aparatos tecnológicos foi criada uma herança e um legado histórico que não se perdeu e que nos serve até hoje como ensinamento. Me refiro aos filósofos, historiadores, escritores, artistas, cientistas. A lista desses personagens é longa, mas provavelmente poucos conhecem e menos ainda compreendem e usam desse legado.

Daí a importância do ensino de Filosofia, História, Geografia. Ensinar por meio de textos que recuperem o pensamento e, ao mesmo tempo, sirvam para contrastar com nossa época.
Que tal propor aos alunos no Ensino Médio, por exemplo, estudar e dramatizar em sala de aula o diálogo sobre a condenação de Sócrates? 
O vocabulário, os conceitos, as questões que surgirem podem servir para o debate, como: qual é o sentido da morte? qual é o sentido da justiça?

E quanto ao público em geral, aqueles que não mais frequentam escolas, e sim o ambiente de trabalho?
Sem tempo, na correria do dia a dia, quando jornais são publicados on-line, onde e para que serviriam textos clássicos?!
É sabido que com exceção de uns poucos países, a cultura, a história, a filosofia estão em segundo plano, e isso quando têm ainda alguma representatividade. Por isso mesmo, o período escolar, de aprendizagem, deve repercutir ao longo da vida adulta.

***

Quanto à inteligência artificial, a dúvida é se um robô poderia ensinar a pensar, seria capaz de conduzir nossa sensibilidade para a fruição poética? Poderia um artefato tecnológico substituir um(a) professor(a)?
Creio que não, pois o que nos faz pensar, o que nos inspira é ilimitado, somos criativos e criadores, a linguagem pode ter infinitos usos. Infelizmente há professores que mais parecem robôs, repetidores em aulas mecânicas, e isso é o avesso do que se entende por  educação.
Evidentemente, na era tecnológica a Filosofia pode se valer de meios ágeis como este de um blog e chegar a mais pessoas. Sem esquecer, no entanto, que robôs são programados por humanos, dificilmente poderão contextualizar, levar adiante o pensamento com conclusões, resolver questões éticas, decidir diante de dilemas, capacitar para a empatia.

A tecnologia deve e pode ajudar, mas um professor dedicado e bem preparado continua a ser imprescindível.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Qual o sentido da Filosofia para Heidegger


O texto abaixo é um extrato de meu livro que será publicado em janeiro/fevereiro de 2020.

"A questão primordial da metafísica ainda é a mesma: 'Por que há o ente e não antes o nada?', mas as respostas de Heidegger ao mesmo tempo são novas e remetem aos primórdios da Filosofia. Em O que é Metafísica? o ponto central é a experiência do nada, muito diferente do “não”, o ente se mostra envolto em mistério, o nada vem ao mundo por meio do próprio homem. Na Universidade de Freiburg, em 1935 ele volta àquela questão primordial, que surge “como uma badalada surda” (HEIDEGGER, 1966, p. 37). Não é a primeira questão da metafísica cronologicamente, porém é a mais importante, profunda e original. Ela abrange todo o ente, e se limita pelo nada. Em certo sentido atinge até mesmo o nada, na expressão “é” nada.
 Ir ao fundamento e indagar “por que” é uma investigação do próprio homem. Nesse nosso planeta, este grão perdido no espaço, nós insignificantes criaturas não seríamos apenas uma pulsação nesse tempo e espaço? Qual o sentido de perguntar por que? Quer perguntemos ou não, quer obtenhamos respostas ou não, nada disso altera o curso do universo. Mas, ao ser posta como questão fundamental, não há como fugir dela.
 Até mesmo para os crentes em Deus e na Bíblia, a fé não impede de questionar sobre a adoção da doutrina. Que a Bíblia mesma responde. Heidegger considera a filosofia cristã um ferro de madeira, não se pode filosofar em matéria de fé, estas estão no domínio da teologia.
A reflexão filosófica é inesgotável, ela se desloca sempre, sem esse deslocar haveria satisfação completa o que acaba com o questionamento, pode virar uma moda, mas não seria verdadeira filosofia. Ao contrário da ciência e da técnica, não há aplicação da Filosofia técnica ou prática para o dia a dia, se bem que o pensar filosófico pode ligar-se à história de um povo. A própria existência histórica do homem inclui a filosofia entre suas necessidades autônomas, criativas. Ao interrogar os fundamentos, o homem também se interroga, orienta seu próprio ser, sem imposições para sua ação. Ao perguntar pela essência um povo é conduzido por caminhos de um saber, o do espírito desse povo. A filosofia pode também ajudar a construir uma cultura, uma visão de mundo, pode levar a ciência a refletir sobre seus pressupostos e assim restituir Ser ao ente, conduzir ao saber e às obras vitais da história de um povo. 
Para Heidegger a filosofia não tem uso imediato, não se presta para nos transformar, ela transcende o ordinário. “Filosofar é investigar o extraordinário”, diz ele (1966, p. 50), sem caminho pronto, nem respostas prontas, até o investigar é investigado, um salto para o mistério, para o extraordinário.
Essas exigências de Heidegger o levaram para o nascimento da Filosofia, para os primeiros filósofos, os gregos e sua primordial noção de physis traduzível impropriamente por “natureza”. A palavra significa algo mais forte, o brotar, o manifestar, o vigor dominante, tudo o que se desvela, desde a pedra até os homens e os deuses, é o extrair, o conservar-se e o vir a ser. Algo grandioso esse começo da Filosofia, que Aristóteles mudou para o conceito de substância. Com isso o conceito de physis perdeu sua força originária e passou a se opor a techne que é o saber prático, de produção, e mais tarde ficou restrito ao conceito de ente natural. Assim, a metafísica ganhou o sentido de reflexão para além do ente: meta ta physika. Heidegger não visou um simples retorno ao pensamento grego, mas pensar os gregos em sentido ainda mais radical, no vigor do aparecer, de seu pensar o inédito e o inaudito. A mensagem do homem é tentar desvelar os limites do ilimitado, mas o mistério inevitavelmente persiste."

terça-feira, 26 de novembro de 2019

O que é a ética dos atos de liberdade para Foucault? (Ainda sobre as práticas para uma vida feliz)

Foram as pesquisas sobre o pensamento antigo que levaram Foucault a voltar-se para a ética.O que chamou a atenção do filósofo foi a diferença entre o "conhece-te ati mesmo" e o cuidado consigo mesmo. O conhecer-se a si mesmo é o oposto da ascese cristã, quer dizer, do acesso a si o qual paradoxalmente significava a renúncia de sua própria pessoa, que ficaria sob tutela de outro, ao qual devia-se obediência.
A ética antiga propõe algo diverso, uma "construção de si", entre os filósofos cínicos cultivavam-se práticas de ascetismo que levavam a provar sua resistência, sua coragem e força (não no sentido físico).
Recuando a Platão, um dos conceitos-chave é o da "vida verdadeira", sendo que verdade neste contexto não se identifica com verdade de enunciados ou de proposições, e sim a dos modos de conduta: não dissimulação no modo de falar, veracidade para evitar opiniões e aparência, adoção de um discurso reto, em conformidade com as leis, e que não possa ser revertido ou derrotado.
Na concepção platônica, seria o verdadeiro amor, autêntico, incorruptível, aquele da verdadeira vida.
Para Sócrates, cuidar de si é cuidar de sua alma em oposição aos cuidados com o corpo. Trata-se de uma metafísica, a da alma que é o fundamento ontológico do ser do homem, e daí provêm as regras de conduta. "Cuidar de si", "ocupar-se consigo", essa é a temática de Sócrates, o permanente e completo exame de si, o cuidado consigo.
Para que conclusões Foucault foi levado com estes estudos detalhados da cultura antiga?
Seu propósito foi evidenciar o quanto somos devedores de nossa própria cultura, em que medida ela se enraíza na cultura grega e como esta se transforma na cultura cristã, que radicaliza a noção do exame de si, mais particularmente, do exame de consciência.
O raciocínio de Foucault é o seguinte:
Se foram inventados métodos e regras para nos constituirmos como sujeitos pensantes e responsáveis, esse é um legado histórico. Poderia ter sido tudo muito diferente, portanto, podemos inventar novos modos de nos constituirmos, de nos transformarmos, de aceder ao nosso "interior", de analisar, ou melhor, de criar algo diverso das análises que implicam em confessar aos que são capazes de nos diagnosticar, e sermos mais livres e criativos.
Daí uma ética dos atos de liberdade, capacidade de aderir ou não em total consonância com nossos próprios valores e propósitos. Ganhar uma autonomia tal que ela seja um tipo de garantia de que nosso agir seja movido e motivado pela recusa do que está aí, pronto, tomado como evidente, obrigatório.

Difícil mas não impossível modo de ver e de viver, livre, liberto e autêntico.
Pergunte a si mesmo: as coisas precisam realmente ser assim?!
Ou posso mudar algo???

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A moral epicurista: regras para o bem viver

Epicuro (341 a.C.-270 a.C.), nasceu na Grécia no período helenístico, época de grande desenvolvimento científico, com Euclides, Arquimedes e Eratóstenes, brilham não só a ciência, como também os ideais de vida plenamente realizada.
A curiosidade de Epicuro pelo saber, seu interesse pela filosofia, a influência de Demócrito, o amor pela poesia, forjaram o pensador. Era morador de Atenas, sofreu com doença no rim, e ainda assim, ou por isso mesmo, cultivava o espírito para se desviar de suas dores e demonstrar o quanto valem a alegria e os prazeres.
Fundou uma escola que seguia uma doutrina próxima de uma seita filosófica, justamente chamada de "epicurista", que contou com inúmeros discípulos, inclusive mulheres. Estes foram fiéis aos ensinamentos do mestre, que era querido e cultuado, ao ponto de a doutrina não ser modificada em nenhum de seus aspectos. 
A filosofia prática e a  vida prática eram enaltecidas, muito mais do que as teorias, pois a prática permite, por meio de raciocínios e discussões, uma vida feliz. O amor à verdadeira filosofia dissolve dúvidas e inquietações, liberta.
"Habitua-te a pensar que a morte nada é para nós, visto que todo o mal e todo o bem se encontram na sensibilidade: e a morte é a privação da sensibilidade", escreveu Epicuro.
Os maiores prazeres são aqueles que não provocam dor alguma, perda alguma, a condição para a felicidade vem de nosso interior, de nossa intimidade dos quais somos os donos.
Para Epicuro o mundo não provém do nada, se compõem de uma variedade infinita de átomos, em movimento eterno e contínuo. Inclusive a alma se compõe de partículas sutis, distribuídas por todo o corpo.
Não há vida feliz sem o prazer, o prazer é o primeiro bem, mas ele não decorre de riquezas, nem de poder e sim por meio da "ausência de dores, a moderação nos afetos e a disposição de espírito que se mantenha nos limites impostos pela natureza"
Assim, o prazer não reside em aproveitar tudo ao máximo, buscá-lo na sensualidade. Isso só para os ignorantes. O verdadeiro prazer vem de nos acharmos livres de sofrimento e de perturbações da alma, vem de nos contentarmos com o suficiente para bem viver, vem de alcançarmos um estado de serenidade, de não perturbação. É importante escolher amizades, e dar é muito melhor do que receber; é melhor ter pouco mas ser sábio, do que ter muito e ser insensato.

Assim Epicuro reflete sobre a existência de Deus:
"Deus ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer e nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que é impossível em Deus. Se pode e não quer, é invejoso: o que também é contrário a Deus. Se nem quer e nem pode, é invejoso e impotente, portanto, nem sequer é Deus. Se pode e quer, a única coisa compatível com Deus, de onde provém então a existência dos males? Por que razão ele não os impede?"

Eis um exemplo do modo sutil de raciocinar dos filósofos gregos, argumentar para pôr em xeque nossas doutrinas, crenças e ideologias.

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

As regras morais de Kant e seu uso para o bem viver

A moral kantiana é considerada rígida, formal, com fundamentos no estrito rigor não só da consciência pessoal, mas com apoio na convivência mútua e pública. E ainda mais importante, a criação do caráter. Em nossos dias, mencionar o caráter, bom caráter, mau caráter, ficou restrito a situações específicas. Ao passo que para Kant, é parte inerente da passagem de certa irresponsabilidade juvenil, para a maturidade.
Como somos livres, a possibilidade de decidir e enfrentar problemas só depende de nós que somos pessoas autodeterminadas, capazes de reflexão, desprendimento e força interior.
Todos esses requisitos soam estranhos, parecem conversas de avós, nós os modernos, nós os antenados, nós os autossuficientes, nós os embalados pelas tecnologias e pela velocidade da informação, não damos importância à tal formação do caráter.
Pode ser uma decorrência de que, quando nos enfrentamos, precisamos de bengalas, de auxílio externo, medicamentos, conselhos psicológicos, receitas psiquiátricas, a meditação ou dieta da moda, enfim, delegamos aos outros o que supostamente seria compromisso consigo próprio.
E não se trata do exame de consciência que antecede confissão de pecados, nem de um desabafo com o amigo ou amiga, mas de firmeza de propósitos pessoais. 
É que para Kant importam leis ou regras de nossa vontade, e não apenas da "boa vontade" a que se referia Santo Agostinho (ver postagem anterior). A reta vontade é imparcial, livre e universal. A autonomia sustenta a dignidade humana. Não somos nossos próprios escravos, nossa liberdade conduz para seguir princípios que julgamos apropriados ao exercício da autonomia da vontade.
Não há moralidade sem liberdade e sem vontade própria.

O ensinamento cristão, não fazer ao outro o que não querem que te façam, é considerado por Kant como uma das regras morais. E ainda:
Age pela máxima segundo a qual tu possas querer que ela se torne uma lei universal.
Age de tal modo a tratar a humanidade seja em sua pessoa ou em outra, sempre como um fim, nunca como um meio.

Difícil, não?
Certa vez expus as máximas aos meus alunos, com um simples exemplo, não jogar papel para fora do carro, nem que seja o de uma bala. Ao que certo rapaz respondeu, que ele faria, mesmo porque muitos outros não jogam. Assim, ele não se considerava exemplo, usava de cinismo, "Ah!, não faz mal, pois nem todos jogam".
"Eu passo no sinal vermelho, posso fazer porque a maioria para".
E assim por diante, o mais absoluto cinismo, até o dia em que eles próprios sofrem as consequências...
Alguns rebatem, e se o que valer como regra para todos for o saque, a guerra, as humilhações, o roubo descarado de dinheiro público?
Essas são também situações justificadas com o mesmo cinismo, em guerra vale tudo, preciso me manter no poder, meu partido político tem essa chance e deve aproveitá-la. Utilitarismo rasteiro, fome de poder, certeza de impunidade.

P.S.:
O julgamento do STF (escrevo essa linhas em outubro de 2019) emprega essa mesma desculpa para liberar criminosos após 2a. instância, em nome da Constituição, o que significa na prática, impunidade. 
Se juízes poderosos podem, por que não eu?
A desproporção, injustiça, mentira, auto-engano comandam as decisões políticas. Ainda assim, creio que apresentar as máximas kantianas, refletir sobre elas ao menos em sala de aula, levantar o debate, já está valendo!


segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Receitas de bem viver

Para Aristóteles:
Dois tipos de virtudes: intelectuais, decorrentes da educação, é preciso cultivar a sabedoria prática e a intelectual, como se vê, para ele a discussão sobre se educar é mais algo técnico ou teórico não faz sentido. É preciso ambas, e a elas se acrescentam as virtudes éticas, levar uma vida com prudência, equilíbrio, adquirir bons hábitos, sendo a regra principal a do justo meio, a temperança ou moderação, e isso não é fácil. Agir com raiva e pelo impulso do momento, e o que hoje se vê: gastar demais, xingar nas redes sociais, exibir suas vaidades e conquistas efêmeras, se comeu isso ou aquilo em qual restaurante, e mandar o tempo todo aqueles conselhos banais só para mostrar serviço. Quanta mensagem vazia e sem sentido...
Para Sto Agostinho, o livre arbítrio e a boa vontade são essenciais. Quer dizer, usar seu próprio discernimento, parar para pensar e decidir conforme sua consciência. Para os cristãos, a partir dos 7 anos a criança se torna capaz de saber o que está fazendo, portanto, deve e pode ser responsabilizada pelos seus atos, e com isso ganhará confiança em si, mais autonomia. E que dizer da boa vontade? Para Agostinho, é o maior dos bens, porque depende apenas da pessoa, não requer riqueza e nem poder, e mesmo se vier a perder cargos e poder, lhe resta esse bem, ninguém pode tirar de ninguém a boa vontade. Mas como obter esse dom? Por meio de ensinamentos, pela prática das virtudes, desejar o bem, saber que dificuldades sempre existirão e que enfrentá-las com boa vontade, quer dizer, com ânimo superior, com iluminação interior, a vida seguirá seu curso.
Para Descartes, esse "olho interior" também importa. O exame de si, de seus atos, de suas possibilidades é que abre caminhos. Mas temos desejos, ambições, competimos, precisamos sobreviver. O que Descarte diria quanto a essa corrida desabalada? Modifique seus desejos e não a ordem do mundo! E ainda com uma dose de dúvida, que desconstrói para reconstruir mais adiante. Examine suas opiniões e crenças, suas preferências e com muito zelo e cuidado, examine suas paixões cegas, estar colado a certo partido, a certo líder, a certo "guia" que tudo sabe, e usar a suspeita, pôr na balança para substituir essas crenças arraigadas por atitudes amparadas pela razão e não pela emoção.
(Nas próximas postagens mais "conselhos filosóficos", que são de graça, como se diz popularmente)

domingo, 29 de setembro de 2019

O que é "significado" para Dewey?

No pensamento de Dewey (1859-1952) há uma convergência entre real e ideal, o que mostra ser o pragmatismo uma alternativa entre duas correntes que sempre se opuseram ao longo da História da Filosofia.
Para o idealismo platônico valem as ideias, como protótipos de todos os seres existentes. Para o realismo aristotélico valem as substâncias, quer dizer, os entes com sua essência e suas determinações.
Essas duas correntes influenciaram diversos filósofos, até que Kant mostrou ser impossível atingir a essência mesma sem que sínteses fossem feitas pelo nosso entendimento.
Mas Dewey propõe algo diferente de Kant, não a solução por sínteses a priori que requerem sempre formas puras do entendimento como tempo e espaço para situar o cognoscível, e sim uma aproximação entre o ideal e o real.
Os modelos ideais de Platão se concretizam nos projetos humanos que transformam a natureza, a sociedade e os nós próprios.
O real descolado de nossas ações não faz sentido algum. Assim, o que nos cerca tem um uso, passa por nossas determinações, pela ação inteligente, pelas experimentações. O filtro da realidade não são anteparos conceituais e formais, absolutos e imutáveis e sim a comunicação. A necessidade humana de comunicar faz com que as coisas saiam de seu estado externo que produz estímulos, para situações que requerem respostas, pois são revestidas pelas necessidades e usos. Os acontecimentos se tornam significativos, se tornam meios para a ação. 
Não somos dotados de uma mente ao estilo cartesiano, de um cogito, como se o pensamento fosse uma energia espiritual e não algo ligado à realidade experimentada. Pensamentos são experimentações que combinam representações com significado. Para tal se usam signos em sentenças que se articulam por meio de recursos lógicos, como consequências, implicações, coordenações e todos esses recursos funcionam como instruções para a ação.
Pensamento é uso inteligente da experiência, impossível sem a linguagem, e esta impossível sem o aprendizado, sem a interação humana.
É em eventos, em situações e em contextos que objetos e coisas se tornam significantes. A linguagem não somente permite a comunicação e a interação humanas, ela vai além, a linguagem acresce a nossa interação com significados que enriquecem a ação.
O simples observar dos movimentos de um pássaro é sempre acrescido de algum sentido, estético, científico, pedagógico, simples fruição, etc. Tudo o que fazemos corriqueiramente com coisas e situações, são como mensagens que usufruímos e transmitimos, as coisas são "lidas" e não simplesmente percebidas como querem os realistas.
"A linguagem é uma forma de ação", diz Dewey. Sem ela viveríamos colados no mundo das coisas, somente afetados por elas. Com a linguagem julgamos, apreciamos, interpretamos, participamos, conservamos, enfim, nos tornamos seres comunicantes, agimos, experimentamos, transformamos a vida em algo compensador, em "uma sociedade digna de afeição, admiração e lealdade" (Dewey).

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Nietzsche: "Todos os filósofos até agora amaram suas verdades"

Que pensamento incrível e certeiro esse de Nietzsche!
E o que ele quis dizer?
Em toda a história da Filosofia, até ele Nietzsche, houve essa marca de vaidade e de considerar-se como único, verdadeiro e insubstituível pensador. Ora, como é possível que cada qual se considere mensageiro da verdade e os outros não? Seriam portadores de mentiras?!
Um olhar para o desfilar dos filósofos mostra que, por um lado, se o pensador não praticasse com seriedade sua doutrina e se não estivesse convencido de contribuir com um pensamento original, teria que calar-se. Por outro lado, se estivesse convencido de que só ele teria razão, deveríamos abandonar a história do pensamento filosófico Ocidental.
Como sair desse dilema? 
E mais, o próprio Nietzsche seria uma alternativa para fazer a crítica e não cair na própria armadilha? É o que se chama em filosofia de "aporia", impossível afirmar algo sem destruir ao mesmo tempo o argumento.
O filósofo opina ou diz a verdade?!
Opiniões podem ser aceitas ou rebatidas, já a verdade seria única.
Não é bem assim. Opiniões não criam amarras, não comprometem, e a  verdade compromete?
Acho que é por aí, há um compromisso com os argumentos, raciocínios, ideias, conceitos, noções e demais meios de que os filósofos dispõem para apresentar suas contribuições à crítica do pensamento.
Sempre que se tratar de criticar, de expor sem contradições os argumentos, o filósofo faz uso legítimo de suas ideias e conceitos.
Se ele tergiversa, se bloqueia o raciocínio, se cai em contradição e aporias, a missão filosófica perde sentido.
Esse é outro desses conceitos filosóficos que são essenciais, fazer sentido.
Faz sentido a afirmação de Nietzsche de que todos os filósofos são até ele vaidosos, que todos se pretendem verdadeiros. É isso que ele quer dizer, faça filosofia, isto é, seja um filósofo comprometido com a história, amar suas verdades leva a ignorar o quão pouco sabemos
E isso não tem a ver com atitudes de humildade ao estilo do rebanho, ao rebaixamento, e sim com atitudes de serenidade, de alegria e satisfação de se saber produtor de ideias, renovador, inovador, aquele que abre caminhos sem exigir aplauso ou submissão.
Os ideólogos exigem adesão cega, seguir o chefe, aceitar (ou seria engolir) a doutrina.
A Filosofia permite respirar, inspirar, e ir adiante.
Fazer as perguntas que ampliem a crítica evita aceitar passivamente os instrutores, os ideólogos, os doutrinadores.
Kant dissera que é mais fácil segui-los, como na brincadeira infantil: "Tudo o que seu mestre mandar, faremos todos!". 

sábado, 31 de agosto de 2019

A metafísica para Heidegger

Em Ser e Tempo e especialmente em Introdução à Metafísica, Heidegger introduz conceitos que renovam a metafísica. Ele não pertence ao rol dos filósofos pós-metafísicos, quer dizer, pensadores como Foucault, Rorty e Habermas. 
Para estes não há sentido em perguntar pelo "por que", pelas causas finais ou por algum tipo de fundamento geral ou origem de todas as coisas. Tudo é humano, finito e já começado na História da humanidade. Somos homens e mulheres com determinações sociais, culturais e histórias. Sem linguagem impossível pensar, mudar, compreender. 
Heidegger não discordaria, somos seres imersos na história e com uma história, somos seres falantes e doadores de significado. Por quais razões não situá-lo entre os pós-metafísicos?
A metafísica culmina, segundo ele, em Nietzsche, o último metafísico. Se Nietzsche é o último, então Martin Heidegger não seria metafísico. A questão é, em que sentido?
Eterno retorno, vida, transvaloração de valores são o último suspiro da metafísica e ele, Heidegger pensa ser necessário recolocar a metafísica em outro patamar. Ele desce e se instala na História da Filosofia, num percurso que começa com os pré-socráticos, em especial Heráclito e Parmênides para retraçar o caminhar do Ser.
Mudança, permanência, ideia, essência, substância, acidente, ato e potência, infinito, cogito, fenômeno e noumenon, razão -, é possível reconhecer a qual sistema filosófico, de qual metafísico se trata.
E o que mostra essa história do Ser?
Para Heidegger nós somos os construtores dessa história, somos aqueles que abriram a clareira para o ente Ser isso ou aquilo, mais recentemente, fenômeno e existência.
O que para certas escolas filosóficas, caso do neopositivismo de Carnap é um palavreado sem sentido, como a frase de Heidegger "o nada nadifica", para o próprio são manifestações de nossa linguagem que abriga o ser, o ente que somos nós, finitos, falantes, determinados pela História e desenvolvedores de sentido. 
Qual o sentido que damos em nossa cultura e civilização?
A pergunta seria antes, qual sentido retiramos do Ser em nossa cultura e civilização?
Escondemos o ser no manto da técnica, civilização do esquecimento do ser, com uso amplo da técnica, inclusive para destruir a natureza.
Não que tenhamos que voltar a alguma pureza primitiva, e sim que os entes se tornaram coisas usáveis e nós, os pastores do ser, os doadores de sentido por meio da poesia, chegamos igualmente a esse nível, o da guerra nuclear, o da devastação, e se Heidegger testemunhasse o que acontece hoje, se visse uma cidade com trânsito engarrafado e perigo em cada esquina, diria, para onde foi o cuidado, os homens se comunicam apenas por palavrório, cadê a autenticidade?
A montanha virou obstáculo a ser vencido com túneis, os que nela sobem são os que querem conquistar o topo, pagam para isso.
Nossa metafísica, a da proteção do ser, seria aquela em que nós entes humanos, os seres-para-a-morte, galgassem os cumes para contemplar, para abrigar pela palavra o Ser. 

segunda-feira, 29 de julho de 2019

Wittgenstein: "Se um leão pudesse falar, nós não o compreenderíamos"

A afirmação acima se encontra em "Investigações Filosóficas", cujo tema principal é o sem número de jogos de linguagem por meio dos quais nos servimos para diferentes e diversos usos.
Em parágrafos numerados, Wittgenstein (1889-1951)

expõe vários exemplos de situações corriqueiras, como pedir algo a alguém, explicar, mostrar, ordenar, descrever, saber disso ou daquilo, representar por meio de figuras, interpretar, ver algo como isso ou aquilo, apontar, distinguir mudanças de aspecto e muitos outros usos da linguagem.
O que ele pretende com essas descrições é trazer questões filosóficas do patamar abstrato e superior, para o normal do dia a dia. Os conceitos de consciência, de imagem, de sensações, de vivências, de clareza, de certeza, de verdade, de espírito entre muitos outros, são dissolvidos em sua complexidade por meio do emprego em questão, por meio das situações nos quais ocorrem.
A linguagem descreve uma imagem, o que fazer com essa imagem?
A própria imagem indica um emprego, evocará um sentimento? Um sabor? Uma cor? Um sonho?
Alguém diz "Tenho medo", e isso pode ser entendido como uma confissão, um alerta, que se deve tomar cuidado, enfim, para a compreensão do significado de um jogo de linguagem importa o que se quer dizer, a ocasião, a intenção, o resultado, e tantas outras situações, como enganar alguém, manipular, ou simplesmente esclarecer um sentido.
Por isso mesmo, se um leão pudesse falar não o compreenderíamos, esse exemplo é uma hipótese absurda que serve apenas para ilustrar o que Wittgenstein propõe como objeto de sua análise filosófica, isto é, investigar nossas formas de vida e concluir a partir de aspectos que dão inteligibilidade às nossas ações, entre elas as ações linguísticas. Nossas formas de vida são radicalmente humanas, e não leoninas. Dizemos que o leão ataca, mas isso é na nossa perspectiva...

O refúgio de Wittgenstein em uma cabana nos fiordes da Noruega.
Viver simples, pensar simples

O que construímos, como o fazemos, nossa vida cotidiana, os atos corriqueiros são o objeto de análise do filósofo.
Ao invés de penetrar na reflexão filosófica do que é mesmo a verdade, por exemplo, Wittgenstein vai às situações em que precisamos usar o termo. E o mesmo com os vários conceitos filosóficos.
E com essa virada em direção à linguagem cotidiana, Wittgenstein não estaria "menosprezando" a Filosofia?!
Filósofos como Habermas pensam que sim. Afinal, reduzir verdade, pensamento, justificação às situações em que ocorrem em nossas vidas, seria o mesmo que reduzir a Filosofia ao senso comum.
O que Wittgenstein responderia?
O que interessa é o que podemos fazer com a linguagem. Essa virada pragmática horizontaliza as questões e nos deixaria como que aliviados do peso de ter que investigar a fundo o que são mesmo as coisas, o que é mesmo o homem, o que é mesmo o conhecimento, e assim por diante.
Essa "terapia filosófica" não convenceria outro filósofo da atualidade, Heidegger. O homem, mesmo quando considerados os aspectos mais simples de sua existência, ainda assim é o "pastor do ser".

O importante é que essa troca de ideias dos filósofos nos faz entender que nenhum pensador é completo, nenhuma perspectiva filosófica é única, o diálogo entre saberes permanece como o ensinamento por excelência da História da Filosofia.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Nietzsche: "Quem não é ave não deve voar sobre abismos"

A frase acima significa que os fortes, apenas eles, ousam voar tal como aves sobre abismos.
Muitas metáforas de Nietzsche servem para que vejamos a condição humana assemelhada à dos nobres animais (leão, ave de rapina), e quase sempre na "paisagem" predileta do filósofo: as alturas, os abismos, o alegre meio-dia, a luz, a dança.
Se levarmos em conta a vida de Nietzsche de muito sofrimento físico, dores de cabeça alucinantes, paixões não correspondidas, ficamos até mesmo perplexos perante sua vasta produção intelectual e a mensagem original, única, que inverte valores aos quais a tradição filosófica nos habituou. 
Quarto de Nietzsche em Sils-Maria (Suíça)

Vontade de poder nada tem a ver com ambição, moral dos fortes nada tem a ver com luta pela sobrevivência, eterno retorno nada tem a ver com transmigração das almas, o ateísmo nada tem a ver com descrença.
A força da vida, desde seus elementos mais simples até nós, os humanos demasiadamente humanos, o não servilismo, a reinvenção de valores no sentido de evitar sentimentos como o de culpa, de pertença à massa, ao rebanho, ao pobrezinho humilde, trata-se, repito, de uma reinvenção que exige de si ir à luta. 
E, novamente, não a das espadas, não a da busca do conforto material, não a dos bens. A luta é interior. 

Que interior seria esse?
O interior socrático do conhece-te a ti mesmo, a iluminação da alma imortal, o interior do penso, logo existo de Descartes,  ou trazendo mais para a atualidade, o inconsciente psicanalítico?
Não, nada desse tipo introspectivo e sim da força vital.
Cada qual se torna criador de seu ideal, revê seus valores, prescinde de guias espirituais, de gurus, prescinde do Estado diante do qual multidões se ajoelham, prescinde do poder econômico. 
Entretanto, essas atitudes não excluem a visão do terrível, do absurdo. 
A abundância da vida fortalece, imbuídos dessa vontade de poder, não há porque recorrer a um salvador, a um criador de todos os seres. Nós seríamos nossos próprios criadores!

Mensagem de difícil compreensão e de mais difícil ainda realização.
Estamos cada vez mais imersos na multidão, somos usados pelo obscurecimento de religiões de massa, de líderes políticos mistificadores, somos a curva dos gráficos, ingerimos por vezes o mais abjeto dos pratos. O que vem pronto, aquele no qual tivemos zero de participação.
A moral dos senhores seria algo próximo ao sentido dado à própria existência, ou melhor, à vida. Substancial, serena, criadora.


sábado, 6 de julho de 2019

O pensamento mágico

Quem não gostaria de ter seus problemas resolvidos em um passe de mágica?
No século 16 acreditava-se que realidade e magia eram inseparáveis. As coisas se comunicavam umas com as outras ao que chamavam de simpatia ou se repeliam, era a antipatia. Sem distinguir entre as diversidade dos seres, sem classificá-los, todos se enredavam uns nos outros.
Foi nessa época que despontou Francis Bacon, nascido na Inglaterra em 1561, onde morreu em 1626. A crença em espíritos voláteis, no fantástico, nas fábulas, lendas e na alquimia, conviviam com a necessidade de expansão do comércio e defesa da marinha inglesa. O que levou aos estudos da astronomia (não astrologia) em prol dos estudos mecânicos. Havia necessidade de orientar os navegadores e aprimorar a navegação. Ao mesmo tempo surgiam as primeiras máquinas usadas na manufatura de produtos. Assim, técnica e ciência uma impulsionou a outra.
Bacon, o pai da ciência moderna, aconselhava o método da indução, quer dizer, experiências diretas com a natureza para verificar o que se conservava e o que mudava, e controlar essas modificações anotando-as em tabelas. Em resumo, Bacon preconizou o uso de método, inaugurou assim um novo tipo de mentalidade. Se desde Platão, Aristóteles e todo o medievo as técnicas eram subalternas, ligadas ao trabalho útil mas menos valorizado, menos nobre, para Bacon as técnicas eram primordiais.
Quando há necessidade de uma longa série de razões, a maior parte dos homens desvia-se do caminho e erra por falta de um método correto, dizia ele.
Manufatura de tecidos
E na modernidade? Prevalece o caminho da razão, da justificação, enfim, são adotados métodos e procedimentos racionais, ou não teríamos chegado ao estágio de desenvolvimento a que chegamos. Para fins por vezes antagônicos, como para preservar e favorecer a vida, ou para destruí-la. Isso é bem sabido, notório.
A pergunta é:
Por que o pensamento mágico e supersticioso perdura?!
A imaginação, os desejos, o inconsciente, a fragilidade e a capacidade de crer no impossível talvez expliquem porque o pensamento mágico e fantástico têm lugar no mundo moderno. Se ficassem restritos à arte que cultiva a imaginação fantástica, isso seria interessante e serviria para expandir os horizontes da criatividade.
Mas não, o pensamento mágico se aloja no dia a dia, seja nas seitas que orientam pessoas e se deixarem picar por cobras, seja nos rincões com cultos animistas, seja expulsão de demônios e "espíritos do mal" por pastores aos quais se concede poder mágico, seja pela crença em exorcismo ou em videntes. E nem foram mencionadas várias outras modalidades de "passe mágico".

Ora, o lado espiritual da vida pode ser sustentado pela paz interior,  pela iluminação que a fé proporciona. Nesse caso, a realidade não é anulada, pelo contrário, ela se reveste com as cores da luz interior. 

Esse lado benéfico contraste com o lado em que espírito se torna algo ininteligível, é quando esse "espiritual" se reveste de superstição, pode ser estímulo para a fraqueza, para o uso espúrio do sofrimento humano por uma autoridade, por alguém que se investe do poder mágico de solucionar aquele sofrimento. Nesse caso, a razão, os argumentos, o olhar para a realidade é substituído pela submissão ao detentor dos segredos e dos ritos. 

O inexorável método racional, da técnica, da ciência, da tecnologia abriu seu caminho, segue até nossos dias. Com sucesso e com falhas. Na maior parte das vezes o êxito tem sido superior aos fracassos. E assim prossegue a marcha humana, esse formigueiro de gente que habita o planeta azul.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Qual o sentido dos Cursos de Filosofia?

No longínquo ano de 1967, quando ainda aluna do antigo Clássico no Colégio Estadual do Paraná, que veio a ser 2o. Grau e atualmente Ensino Médio, o curso era direcionado para áreas da universidade: Ciências Humanas e Sociais, Ciências Biológicas, Ciências Matemáticas. 
Essas escolhas inexistem atualmente, pois o Ensino Médio passou a ser generalizado, sem opção por áreas.
Escolhi o Clássico porque vinha de colégio de freiras, o ensino de ciências exatas e biológicas não era reforçado o suficiente e, além disso, sempre tive maior afinidade com as línguas estrangeiras, história, geografia, português.
Fiz a escolha certa, as matérias de Filosofia, Sociologia, Psicologia me fascinaram, abracei a Filosofia, havia a curiosidade pelo saber, primeira exigência do primeiro mestre, o sábio Sócrates.
Entrei para o Curso de Filosofia da Universidade Federal do Paraná em 1968. Época da ditadura militar, havia o medo de sermos denunciados e isso devido aos estudos em paralelo de autores censurados, Marx, Mao Tsé, Engels, Lênine dos quais líamos em grupo trechos de seus estudos.
No curso propriamente, com exceção de professores leigos, havia os padres que ensinavam filosofia pelo viés do tomismo. Padre Dreher era um deles, filosofar era aprender o pensamento católico juntamente com o de Aristóteles. Já Frei Raimundo Vier, professor de História da Filosofia, mesmo sendo adepto de Duns Scotto, nos brindava com aulas inteligentes, que levavam a questionamentos.
Mas como se pode ver, havia um conflito entre duas posturas extremas, ambas de cunho doutrinário, quer dizer, aprender marxismo acabou por se tornar um contrapeso, tanto ao pensamento católico de direita, como à ideologia militarista. Com a chamada abertura democrática, quando eu já era professora da mesma instituição, ingressaram professores marxistas, gramscianos e aos poucos os padres foram se aposentando.
Havia a linha dos independentes, mas também os reacionários, além da turma dos que se consideravam portadores da verdade social, política, ideológica e pedagógica. 
Até hoje essa última tendência se faz presente. São poucos, espero que cada vez menos professores insistam neste tipo de abordagem de cunho salvífico. Não estão salvando ninguém, pelo contrário, isso instiga o confronto, leva à uniformização do pensar.
Essa linha doutrinária de esquerda perdura em alguns alunos que se formam e que serão futuros professores, ou no Ensino Médio, ou em universidades, e que se consideram destinados a "fazer a cabeça" dos jovens.
Em contrapartida, e essa é a coluna mestra e a razão de ser dos cursos de Filosofia, há um expressivo grupo de professores nesses que sustentam postura aberta, com diálogo permanente com o saber, adeptos da reflexão crítica. Ao ensinar disciplinas como Teoria do Conhecimento, Ontologia, Ética, Filosofia Política, apresentam os filósofos mais expressivos, e assim exercem sua missão de realmente ensinar, dialogar, aprofundar o conhecimento.
Induzir alunos ao tomismo é página virada há muito tempo.
A esperança é que induzir alunos ao marxismo, à "luta revolucionária", à "tomada de poder da classe trabalhadora" -, em dias próximos seja também página virada.
Nem Marx, nem Engels, nem Lênin, nem Gramsci foram filósofos, sua linha é política e sociológica.
A Escola de Frankfurt representa o que há de mais articulado em matéria de filosofia de linha esquerda/hegeliana. Sem esquecer, entretanto, que é uma entre outras escolas de pensamento. 
A História da Filosofia é rica e precisa ser levada em conta sempre.
Coleção os Pensadores 

***
Para resumir, a missão dos cursos de Filosofia é essa: ensinar Filosofia, raciocinar com e por meio dos filósofos, eles sim abrem cabeças, mostram caminhos.
Nesse sentido, os Cursos de Filosofia, em universidades públicas ou particulares são fundamentais para as sociedades democráticas
Contra qualquer tipo de sectarismo é que, justamente, a Filosofia se torna essencial. A legitimidade da Filosofia se ampara no leque de pensadores geniais, na insistência de mestres comprometidos com o pensar apoiado nessa longínqua e imortal história de filósofos, que com suas ideias e conceitos, inspiram o livre pensar.
***
Eu não seria o que sou, não publicaria, não escreveria esse blog, se não tivesse cursado Filosofia. Não me habilitei para investir em negócios, mas sei que negócios, e sociedade criativa e pensante, podem e devem coabitar. 

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Verdade, veracidade e justificação na perspectiva de Wittgenstein

A verdade é um valor? Sem dúvida, impossível fazer ciência em nome da falsidade. Como ficariam as provas e contraprovas? Resultados pode e devem ser contestados, o método científico exige igualmente que se justifiquem axiomas, leis, teorias de acordo com uma visão mais ampla da ciência em foco, aquilo que se pode chamar de paradigma.
Além disso, o cientista deve ser veraz, isso significa que ele precisa estar aberto às explanações, que ele tem consciência das consequências danosas ou frutíferas que sua pesquisa produz.

Algumas reflexões de Wittgenstein ajudam a ir além do já sabido que acima foi exposto.
Impossível falar a verdade a menos que a pessoa tenha autodomínio, e isso não tem nada a ver com ser incapaz, tem a ver com ser veraz, com ficar à vontade no terreno da verdade. Ao mesmo tempo, que deitar em seus louros, isto é, acomodar-se, corre-se o risco de cair como se fosse um sonâmbulo.
Há coisas evidentes que passam despercebidas, e "para aquele que sabe muito, para este é difícil não mentir". O que Wittgenstein quer dizer?

No começo tudo se resumia a sentenças com ou sem sentido, que, respectivamente poderiam ou não espelhar fatos e serem ditas em linguagem universal da lógica. As ciências naturais empregam sentenças que podem ser verdadeiras ou falsas, como um tipo de rede lançada pelo pesquisador formando um conjunto entrelaçado de hipóteses confirmadas e a confirmar.

Mais adiante o pensamento do filósofo se debruçou na linguagem ordinária cuja capacidade de dar sentido se multiplica de acordo com o uso, com a situação, com a intenção dos falantes. Foi como se o céu puro da lógica viesse abaixo. Nós nos compreendemos, pensamos, agimos, comunicamos e muito mais pela linguagem aprendida, cujas regras passamos a dominar. "O limite da linguagem se mostra por ser impossível descrever o fatos que corresponde ou que uma sentença traduz, simplesmente pela repetição da sentença" e Wittgenstein acrescenta entre parênteses "(Isso tem a ver com a solução kantiana para o problema da filosofia)". Extraí essa citação de "Cultura e Valor"
Em apenas uma frase, o filósofo foi além de si mesmo e mostrou o interesse que precisamos ter com o pensamento clássico. Qual foi a solução de Kant para o problema da filosofia? Impossível chegar à realidade em si, ao noumenon, podemos aceder com os recursos da razão aos fenômenos! Papel da justificação para o uso de conceitos, algo que muitos filósofos estão longe de alcançar, muitos se consideram donos da verdade...
A filosofia está imersa na cultura, ou melhor, em certas culturas e isso é decisivo para que tenha um papel, ao mesmo tempo em que a história da filosofia, ou seja, os filósofos, devem e podem se debruçar um sobre o outro para apoiar ou para criticar, não importa.
Importa essa abertura, e nisso entra tanto a verdade, como a veracidade e a justificação. 

domingo, 28 de abril de 2019

O que é a priori? O que é a posteriori?

Na fala do dia a dia empregamos esses dois termos. Entre os franceses é bem comum ouvir-se "a priori" como sinônimo de "antes", "previamente". E "a posteriori", menos usado, significa "depois de algo".
Os usos e implicações dos termos em filosofia são mais intrincados.
Além disso, pressupõem toda uma concepção de Teoria Conhecimento e até de Ontologia e Metafísica.
Por exemplo, para os empiristas como Locke, e para o positivismo lógico do século XX, todo conhecimento passa pela experiência, quer dizer, é a posteriori, e só assim pode receber um emprego, uma validação, um sentido. 
A palavra-chave para o conceito de a posteriori é experiência, isto é, foi preciso usar um fazer, uma prática, observar, testar, e depois validar. 
No terreno da lógica e da metafísica, o a priori é que faz sentido. Impossível pensar, conhecer, chegar a resultados sem o uso de recursos que independem da experiência. Por exemplo, resolver um teorema ou concluir um raciocínio do tipo silogístico.
Se todo A é B, e C é A, então C é B. Inclusão, maior que, exclusão, enfim, para raciocinar, bastas usar dos recursos a priori.
Mas e se a questão for, como se usa, por que faz sentido um cálculo ou um raciocínio?
É sempre referido a um acontecimento, a atividades humanas, à nossa compreensão do mundo, à nossa relação com a realidade que as conclusões a priori, que em princípio não dependem da experiência, fazem sentido. Em outras palavras, impossível desligar da ação humana prática e teórica, o que se sabe sem que fosse preciso usar nossos sentidos e nossas experiências.
Nas ações humanas, o a priori tem sempre um uso, e isso para os pragmatistas como J. Dewey, só enriquece a experiência e a vida. Esta exige o pensar abstrato, que leva ao concreto e deste de extraem resultados.
Kant, que não foi por esse caminho, acabou concluindo também que o puro a priori precisa de sínteses retiradas da experiência, mas que não se detêm na lida prática. A pura experiência é cega se não for comandada pelo raciocínio, e este é vazio se não receber conteúdos retirados da experiência. Os juízos sintéticos a priori comandam nosso conhecimento. 
Para saber mais, acessar postagens sobre o grande Kant.

sábado, 13 de abril de 2019

A maiêutica socrática


De Sócrates o mais importante a reter, foram ensinamentos que espelhavam sua própria forma de vida. Ele mexia com a cabeça das pessoas, em especial os jovens, seu modo de vida era muito simples, e sua missão, a educação e a formação da juventude. Costuma ouvir sua voz interior, que ele chamava de seu “demônio”, e essa voz lhe dizia que filosofar era dialogar. 
Poderia o professor de Filosofia usar o método socrático?Creio que sim, formular perguntas instigantes e ouvir seus alunos, mesmo que as ideais deles ainda seja trôpegas. Indagar, por exemplo, qual é a finalidade de suas vidas, o que entendem por justiça, quais seriam os valores mais importantes, como usar com clareza e sabedoria as palavras, o alcance e definição de conceitos como "existência", "abstrato", "pensamento", e de valores como bem, mal, justo; quais seriam as virtudes que deveriam conduzir suas vidas, e assim por diante. 
E que para atingir as metas propostas, seria preciso teorizar, pensar, refletir, e que essas ações exigem conteúdo, leitura, informação. Sócrates acreditava que ensinar a pensar era iluminar a alma, retirá-la de sua ignorância. E, por isso mesmo, os jovens deveriam partir do princípio de que "nada sabem", admitir sua ignorância é o mesmo que desejar saber. Como empregar tal conceito, essa simples questão faz com que se tome consciência do que a pessoa é, ela passa a questionar seu modo de viver, seus preconceitos e é levada pela razão, a entender suas motivações. 
Essa introspecção é condição necessária, segundo Sócrates, o espírito se liberta, o diálogo leva a suplantar noções que antes eram tidas como certas, e assim se poderia reconstruir o conhecimento. Para Sócrates o ideal é uma vida guiada por valores, o mais alto deles, a sabedoria. 
O método da parturição de ideias, foi inspirado pela mãe do filósofo, que era parteira. Extrair ideias significa levar o jovem a entrar dentro de si, sempre conduzido pelas perguntas do mestre. O professor de Filosofia conduz as questões pertinentes a um tema, por meio do por que, do como, de como você sabe disso, das razões que levaram o aluno a tal ideia E isso nada mais é do que a "arte do diálogo". Platão aprendeu essa arte com Sócrates, seus escritos tomaram a forma do diálogo que conduz, primeiro, ao reconhecimento das dúvidas, depois à afirmação e ao conhecimento dos temas filosóficos.
Os alunos podem a princípio estranhar que se fale em alma, interioridade, valores, sabedoria. Cabe ao professor demonstrar que na cultura grega havia a crença em uma alma eterna, que retorna ao corpo, sua prisão, e que almeja o divino.  
Essa seria uma deixa para contrastar com a cultura moderna, e levar a um debate ou pesquisa sobre valores, religiosidade, crendices. 
Um pouco trabalhoso, mas que vale a pena tentar. 

terça-feira, 9 de abril de 2019

Importância de criticar marxismo, sem cair em olavismo.

Em "Introdução à Filosofia da Ciência" (1a. ed. 1993, 3a. ed. 2003), apresentei um capítulo chamado "Abordagem dialética".
Mostrei os conceitos principais da dialética, a de Hegel e a de Marx/Engels.
Em outros capítulos apresentei a abordagem neopositivista, a funcionalista, a estruturalista e a abordagem pragmatista, bem como a crítica a cada uma dessas perspectivas.

Como entender que a dialética marxista pode e deve ser criticada?
Mostrar que a história evolui por contradição, movimentos em que há luta dos contrários, negação e ultrapassagem, pode até dar um retrato da história em certa perspectiva, a econômica. Mas nem mesmo em termos de economia política o marxismo pode ser método que retrate as mudanças e os fundamentos da economia em suas inúmeras facetas. Lucro, divisão do trabalho, salário, história do capitalismo não encontram na dialética explicações suficientes.
Inserir todos os acontecimentos, sociais e econômicos na história vista como base e ao mesmo tempo como produtora e condutora da ação, tanto a ação de fato como a ação revolucionária, acaba por presumir que só podemos agir em sociedade se essa ação for ao mesmo tempo determinada pelo fator econômico e determinante do futuro. Justamente, uma impossibilidade!
E esse futuro no qual as lutas de classe cessariam e o fruto do trabalho seria apropriado pelo trabalhador, exigiria o regime socialista e culminaria no regime comunista. 
Ora, a história mostrou que a produção não cessa, que ela se transforma, que o lucro representa possibilidade de investimento, e, finalmente, que em parte alguma houve uma revolução socialista em que o lucro fosse abolido.
Em termos de ciência, preconizar que fatos sociais são fetiches, significa tratar a realidade social e econômica como embustes. Ou seja, o movimento financeiro, produtivo, industrial, pesquisa científica de ponta, serviriam apenas aos interesses da burguesia, da classe econômica dominante. O cientista social deveria combater essa classe, e mudar o curso da história. É desse o papel que pretendem se incumbir intelectuais e professores marxistas e os que consideram Gramsci como guru.

Pois bem, a história não se resume a luta de classes, não há leis que determinem a história, as mudanças sociais e econômicas seguem padrões que dependem de inúmeros fatores, desde os geográficos, até os culturais, passando pelo avanço (ou não) tecnológico.
As sociedades humanas são desiguais, o capitalismo surgiu de necessidades da vida humana, seus efeitos maléficos podem e devem ser revertidos. Mas não inculcando na cabeça dos alunos uma ideologia. Nem sob o pretexto de que não há neutralidade. 
O que há e deve haver é empenho em estudos sérios, bem fundamentados, na exposição de razões e não de preconceitos.

Outro erro do marxismo é o finalismo, considerar que a história tem um enredo com um fim, a revolução socialista.
Perguntem aos russos e chineses se foi a revolução socialista ou comunista que pôs comida no prato e deu emprego. 
A fase comunista da URSS foi catastrófica! Mao Tsé Tung assassinou opositores. Há crueldade em vários regimes de força mundo afora. Vide a Venezuela de Maduro, cruel e despótica.

Em resumo, considerar que o reverso na educação brasileira sejam os "ideais" de Olavo de Carvalho soa como algo ridículo diante do grau em que a ideologia de esquerda penetrou em currículos e na pesquisa em ciências sociais.
Usar Olavo de Carvalho significa a tentativa de emplacar o reverso da medalha: Deus, pátria e família no lugar de luta de classes, socialismo e revolução. Mais um véu ideológico.

Do que a educação no Brasil precisa?
QUALIDADE, PESQUISA SÉRIA, PROFISSIONAIS PREPARADOS.

terça-feira, 26 de março de 2019

O que é signo?

Bem conhecido é o ditado: "Uma imagem vale mais do que mil palavras".
Quem atentar para o dito acima, de pronto verificará que foram precisos alguns signos para transmitir a mensagem. Millôr Fernandes, com seu humor inteligente observou: "Experimente dizer isso sem palavras".
Outro dia um cartaz em uma floricultura dizia: "Flores dizem tudo o que você precisa expressar". Mais uma mensagem, construída não com imagens, fotos, ícones, ou flores e sim com signos linguísticos.
Devemos a Saussure uma das concepções mais apropriadas de signo. Eles se compõem de significantes orais, os sons, o que ouvimos a cada palavra ou frase, e de significados, o que conseguimos entender. Para explicar o significado, precisamos de outros signos, por sua vez necessariamente compostos com grafismos, que formam as palavras com seu significado. 
Assim, se alguém ouve um palavra cujo significado a pessoa desconhece, só captará o signo completo quando souber o que a palavra significa, o que se quer dizer com aqueles puros sons. A sucessão de fonemas se torna então signo completo apenas quando o som se liga por convenção de certa língua com o significado. 
Os signos são estruturados de acordo com o que Saussure chamou de "língua", isto é, o sistema de regras que rege toda e qualquer fala de certo idioma.
Sem os signos e as regras sistemáticas, o pensamento seria uma massa desprovida de forma. O sistema da língua permite que o pensamento se articule, se expresse, desde os primeiros sons da criança, até as obras literárias.
Os signos têm valor, quer dizer, podem ser trocados na comunicação linguística. Sempre que alguém explica melhor o que quis dizer, ocorrem essas trocas. A característica da linguagem que usamos na comunicação, é essa capacidade de usar regras e apenas as regras de uma língua, que foram todas elas aprendidas e internalizadas sem que o usuário precisasse de "aulas de Português".
A performance linguística decorre imediatamente do sistema gramatical dominado pelo falante. Ninguém diz em português "livro o compra" e sim "compra o livro". E isso porque no ato de aprender a língua, as regras gramaticais estruturam toda e qualquer emissão. 
Seria impossível nos comunicarmos sem esse sistema que regra toda e qualquer fala. Não há como inventar uma gramática, isto é, um sistema linguístico. 
E a gramática aprendida nas escolas? Ela é necessária para o desempenho social da língua, é um acréscimo, um auxiliar importante para o domínio da fala e da escrita. Portanto, nada a ver o argumento de alguns linguistas de que todo e qualquer falar vale, que a língua culta é elitista. Neste sentido, precisamos sim de "aulas de Português"

quarta-feira, 13 de março de 2019

Olavo de Carvalho, sob o manto da erudição a Filosofia é erodida.

Incomodada com os rumos do Ministério da Educação sob o comando de um assecla de Olavo de Carvalho, resolvi ler algo sobre sua escola filosófica. Tomei por base o ótimo e sério artigo de Martim Vasques da Cunha, publicado na "Gazeta do Povo".
Pude observar que o dito filósofo, é mais um guru que domina seus asseclas sem que seu pensamento represente uma contraposição confiável e bem construída ao esquerdismo. Ambos são extremistas, ao invés de convidarem ao pensar crítico e independente, emitem juízos para apoiar sua posição político-filosófica.
No caso de Olavo de Carvalho, o convencimento e a arrogância o levam a se proclamar único, professor universitário algum teria chance de debater com ele. E pior é que tem razão, pois muitos professores de Filosofia adotam um só filósofo ou uma só doutrina filosófica o que lhes veda o olhar para a História da Filosofia. Mas não é nisso que esse julgamento de O.C. se baseia e sim no seu autoproclamado conhecimento filosófico e literário.
O.C. pretende recuperar o verdadeiro sentido do ser. Que tal ficarmos com Heidegger para essa empreitada? Segundo O.C. Heidegger falhou porque almejou ao sistema total. Errado, Heidegger inseriu o seu próprio pensamento na história do ser.
O.C. diz que se deve ficar com a tensão entre unidade e multiplicidade, mas isso não tem nada de original. Sua "dialética simbólica" que superaria Hegel se baseia em um "modelo celeste", círculos entrelaçados de céus, Platão, inteligência divina, a Filosofia teria que ter uma "disciplina da alma".
Há uma mistura entre filosofia e misticismo, o Espírito faria a síntese. Esse "céu" de O.C. nada fica a dever ao céu redentor do proletariado, as massas operárias no paraíso...
Esse desejo de poder místico explica em parte que seus asseclas sofram um processo de convencimento e não de reflexão independente, de crítica, de uso de conceitos e noções próprios a esse debate inteligente de ideias de que a Filosofia deve se nutrir.
O.C. sofre de delírio de grandeza. Apregoa que ser inteligente é admitir a verdade. Mas qual verdade, como entender esse conceito?
Propõe criar "uma elite intelectual treinada para perceber a verdade" (!)
E o pior é não admitir o contraditório!
Por essas e outras razões é que os seus asseclas atualmente ocupando cargos no Ministério da Educação se vêm às voltas com a necessidade de lidar com dificuldades gritantes que os sistemas de ensino enfrentam em nosso país, em todos os níveis. E não conseguem dar um rumo confiável e necessário ao ensino.
O.C. e cia limitada não representam uma alternativa à doutrinação esquerdista. Trata-se de uma opção tão ideologizante e perigosa quanto à dos marxistas/leninistas/gramscianos.
É preciso urgente recuperar a razão, em todos os sentidos da expressão.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

O que é Filosofia Cristã?


Como se sabe, a influência de Aristóteles na Filosofia Cristã foi significativa. Os escritos de Aristóteles já eram conhecidos pelos filósofos árabes, e quando chegaram à Europa no período medieval, acenderam uma acirrada polêmica, pois havia muita discussão entre os que ensinavam Teologia e os que ensinavam Filosofia nas universidades. O problema era a questão de Deus como criador para os filósofos cristãos diversamente de Aristóteles que havia demonstrado pela razão, não pela fé, que a causa de tudo é o primeiro motor. Por isso os conceitos de Aristóteles foram proibidos. Acontece que seus ensinamentos já vinham sendo estudados e eram convincentes. Daí a proposta de conciliar a doutrina cristã com os conceitos de Aristóteles.  
E essa tarefa coube a São Tomás cujos estudos impulsionaram o movimento escolástico, que se iniciara no século IX e que foi até o século XV. Os filósofos cristãos reinterpretaram os conceitos filosóficos à luz dos ensinamentos teológicos. 
O ponto de partida da filosofia cristã é a noção de causa, todos os seres são causados, se há começo e fim, deve haver uma causa geral, ela determina a essência de cada ser. Chega-se a esses seres por meio da experiência dos sentidos, o conhecimento imediato de todos os seres se dá pela razão natural que pergunta pela causa da perfeição nos seres sensíveis a que ela, razão natural, tem acesso. A resposta é: Deus. 
Os seres materiais não podem ter advindo da própria matéria, pois como ensinara Aristóteles, em tudo age uma causa eficiente, quer dizer, que move, que faz com que os seres sejam o que são, sua essência. A matéria não pode gerar a matéria, assim como uma substância não pode ser a sua própria causa eficiente.  
Daí a diferenciação feita por São Tomás entre a existência e a essência dos seres. Como a essência "funciona" nas substâncias, isto é, no cerne dos seres?
 A mais determinante de todas as essências, é a de Deus, nele essência e existência formam uma unidade, assim Deus não se diferencia, não sofre determinações como ocorre com as demais espécies. Se disséssemos que Deus existe, deveria ocorrer mudança, se houvesse mudança Deus não poderia ser criador de todas as coisas. Sendo perfeito, não muda nisto ou naquilo.
O nível seguinte é o da realização da essência nos seres dotados de alma ou intelecto. A alma é insubstancial, não depende da matéria, o corpo é apenas o modo pelo qual a alma é a de cada pessoa, ela é a forma do corpo, forma no sentido de Aristóteles (matéria/forma). Para a filosofia cristã a alma é individual e imortal. 
Por último, há a essência que determina as substâncias materiais, concretas, que se compõem de matéria e forma, finitas, sua essência vem da matéria responsável pelas características das espécies e dos indivíduos. Trata-se dos diversos seres em sua variedade, que podem ser reconhecidos e diferenciados uns dos outros.
Na linha da filosofia cristã tomista, não se pode atribuir predicados a Deus, como dizer "Deus é fiel". Não deveria ser o contrário, o crente é fiel a Deus? 
Em aberto ficam as questões da infinitude e da eternidade, para uma outra postagem.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

O Ministro da Deseducação

Vélez Rodríguez, atual Ministro da Educação, ao invés de promover os princípios básicos do ensino brasileiro, comete uma série de impropriedades, generaliza, critica o que não conhece, propõe a volta de uma disciplina que desfigura o sentido do que é ensinar e aprender valores.
Não precisamos de moral e civismo nas escolas e sim de ensino com qualidade, com seriedade, com formação e valorização dos professores.
Se é pernicioso impor ideologia marxista ou gramsciana, de nada resolve descambar para o lado oposto e impor uma ideologia de tipo Deus/Pátria/Família, com cheiro de fascismo.
Chega, basta de imposições ideológicas da esquerda, com suas percepções distorcidas da realidade social, histórica e econômica de nossa sociedade. 
Basta de enaltecimento de conceitos ultrapassados como luta de classes, demonização do capitalismo, pregação de que a propriedade é um mal. 
A produção econômica é obviamente indispensável, e se o capitalismo pode gerar distorções, estas podem e devem ser reguladas pelo Estado e por meio de recursos do próprio sistema produtivo.
O outro lado da moeda:
Qualidade de ensino sim, e isso não requer que se instaurem o que prega o movimento "escola sem partido".
Educação, justamente, não é ter ou não ter partido.
Educação é dispor de meios para instruir, socializar, formar, informar, discutir, levar crianças e jovens a usar da linguagem, de conceitos, à compreensão do mundo em termos de história e geografia locais e globais. Preparar jovens para a vida social, para o trabalho, para saberes e profissões. Despertar o interesse, tornar o processo educacional produtivo, fecundo. Debater ideias e conceitos. Expor, explicar, o que são e como funcionam ciências, técnicas, tecnologias. Dar instrumentos para analisar, sintetizar, usar a inteligência, a linguagem, o pensamento. Capacitar para o futuro pessoal e profissional do jovem.
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Rebeldia, comportamentos execráveis de alguns jovens no exterior não se resolvem com Hino Nacional e sim com educação de qualidade! 
***
Nota: 
Meu ponto de vista de professora durante 40 anos: Bolsonaro deveria demitir Vélez Rodrígues. Em tempo, idem a Damares.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O que é metafísica para Heidegger?


A interrogação metafísica se dá pela pergunta sobre os fundamentos de todos os entes.A questão foi abordada por Heidegger na conferência de 1929 “Que é Metafísica?” e envolve a totalidade do problema e até aquele que questiona, quer dizer, o homem em sua situação existencial. Por exemplo, a própria situação de Heidegger como professor, e junto dele outros pesquisadores nas diversas áreas da ciência. Nessas condições, o que surge são os entes, quer dizer, aquilo que é pesquisado. Nunca surge o nada. Justamente, se o nada não aparece, é porque de certa forma precisou ser considerado.

O que leva à consideração metafísica do nada que conduz à experiência com a negação. Quando nos angustiamos, sentimos algo parecido com nada. Angústia de que? Do nada... “A angústia manifesta o nada”, diz Heidegger na obra mencionada acima. Quando passa a angústia, parece que foi por nada. Esse assédio do nada na angústia, permite compreender a famosa afirmação, o nada “nadifica”, quer dizer, só podemos captar os entes em si por meio do nada, isto é, do que eles não são. 
O homem, ser-aí no mundo, existe como que suspenso no nada, e essa suspensão dentro do nada permite transcender tudo o que há, o ente em sua totalidade. Assim, pode-se abarcar esse todo, os limites, negar, e nesse dizer não, ser livre. Ser livre é dizer não, e isso difere da mera proibição. O nada nos conduz como que a um abismo, o de nossa radical finitude.

Em tempo de pensamento pós--metafísico, Heidegger retorna à Metafísica e lhe dá outro sentido: “Metafísica é o perguntar além do ente para recuperá-lo enquanto tal, em sua totalidade, para a compreensão” (1979, p. 43). Difere de outras metafísicas, como a da filosofia cristã, a criação do mundo a partir do nada. Ora, Deus eterno e absoluto exclui totalmente o nada, quer dizer, o absoluto é incompatível com o nada. Esse impasse é superado por Heidegger com a pergunta, de onde vem a negação? Da essência mesma do homem, seus questionamentos o põem em contato com o ente, suspenso no nada. 

Nossa própria essência, enquanto ser-aí em situação, é indagar, e indagar é fazer metafísica. Existir é já estar posto dentro da metafísica, de onde brota a mais essencial das questões: “Por que há o ente e não antes o nada?"

Cada um de nós pode ensaiar sua resposta...

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

O que é pensamento?

Quais são os sinônimos na língua portuguesa para "pensamento"?
Raciocínio, mente, ideia, abstração, reflexão, inteligência, alma, espírito, e outros que o leitor pode acrescentar.
Interessante observar que termos como "cérebro" não são sinônimos em muitos contextos, como o médico/biológico, por se referirem a algo físico. Pensamento são apreendidos, cérebros nunca...
Outra observação: sem o cérebro não se pode pensar, é claro!
Então surge um problema, como algo físico produz algo mental?!
Essa dificuldade levou a maioria dos filósofos a distinguir radicalmente o corpo físico do pensamento impalpável, abstrato, portanto, incorpóreo. A relação corpo/alma vem de Platão, passa pela filosofia medieval, sofre algum abalo com o empirismo inglês, é reforçada por Descartes, se sofistica com Kant e se transforma com os filósofos que adotaram a hipótese da linguagem como decifração para a oposição material/mental.
Se a linguagem possibilita pensar, o cérebro com suas regiões e suas sinapses é condição necessária. 
Mas então o que ou melhor, como pensamos? 
Certos animais reagem, aprendem e memorizam. Mas não falam...
Assim, o tipo de pensamento exclusivamente humano vem de algo mais complexo, a capacidade de significação, quer dizer, de usar signos, símbolos, grafismos, imagens, códigos (braile, por exemplo).
"Eu penso" é uma expressão verbal, com significado e com ela alguém quer dizer algo em certo contexto e situação.  Ao escrever esta página eu penso, raciocino, uso a memória, meus conhecimentos com o propósito de expor algo a alguém, que eu possa ser compreendida. 
Calados pensamos, sonhamos, nos preocupamos, desejamos, criamos, duvidamos, chegamos a conclusões. Todas essas atividades são fruto de cérebro, linguagem, aprendizado, situações pessoais, ambiente, e a miríade de circunstâncias que nos fazem ser alguém.
Comparemos o artista escrevendo sua obra prima com alguém que sofre sob efeito de drogas, álcool, miserabilidade, escravo, dependente, sem possibilidade de reagir.
A que circunstância um e outro respondem?
Comparemos um bebê com suas reações a estímulos e seu rápido aprendizado com a velhice ao ser sugada pelo Alzeimer. Chegaremos à conclusão de que somos constituídos por essas e muitas outras condições. Assim deixaremos de lado a divisão platônica corpo/alma e veremos os seres humanos em sua diversidade e complexidade.