segunda-feira, 28 de outubro de 2019

As regras morais de Kant e seu uso para o bem viver

A moral kantiana é considerada rígida, formal, com fundamentos no estrito rigor não só da consciência pessoal, mas com apoio na convivência mútua e pública. E ainda mais importante, a criação do caráter. Em nossos dias, mencionar o caráter, bom caráter, mau caráter, ficou restrito a situações específicas. Ao passo que para Kant, é parte inerente da passagem de certa irresponsabilidade juvenil, para a maturidade.
Como somos livres, a possibilidade de decidir e enfrentar problemas só depende de nós que somos pessoas autodeterminadas, capazes de reflexão, desprendimento e força interior.
Todos esses requisitos soam estranhos, parecem conversas de avós, nós os modernos, nós os antenados, nós os autossuficientes, nós os embalados pelas tecnologias e pela velocidade da informação, não damos importância à tal formação do caráter.
Pode ser uma decorrência de que, quando nos enfrentamos, precisamos de bengalas, de auxílio externo, medicamentos, conselhos psicológicos, receitas psiquiátricas, a meditação ou dieta da moda, enfim, delegamos aos outros o que supostamente seria compromisso consigo próprio.
E não se trata do exame de consciência que antecede confissão de pecados, nem de um desabafo com o amigo ou amiga, mas de firmeza de propósitos pessoais. 
É que para Kant importam leis ou regras de nossa vontade, e não apenas da "boa vontade" a que se referia Santo Agostinho (ver postagem anterior). A reta vontade é imparcial, livre e universal. A autonomia sustenta a dignidade humana. Não somos nossos próprios escravos, nossa liberdade conduz para seguir princípios que julgamos apropriados ao exercício da autonomia da vontade.
Não há moralidade sem liberdade e sem vontade própria.

O ensinamento cristão, não fazer ao outro o que não querem que te façam, é considerado por Kant como uma das regras morais. E ainda:
Age pela máxima segundo a qual tu possas querer que ela se torne uma lei universal.
Age de tal modo a tratar a humanidade seja em sua pessoa ou em outra, sempre como um fim, nunca como um meio.

Difícil, não?
Certa vez expus as máximas aos meus alunos, com um simples exemplo, não jogar papel para fora do carro, nem que seja o de uma bala. Ao que certo rapaz respondeu, que ele faria, mesmo porque muitos outros não jogam. Assim, ele não se considerava exemplo, usava de cinismo, "Ah!, não faz mal, pois nem todos jogam".
"Eu passo no sinal vermelho, posso fazer porque a maioria para".
E assim por diante, o mais absoluto cinismo, até o dia em que eles próprios sofrem as consequências...
Alguns rebatem, e se o que valer como regra para todos for o saque, a guerra, as humilhações, o roubo descarado de dinheiro público?
Essas são também situações justificadas com o mesmo cinismo, em guerra vale tudo, preciso me manter no poder, meu partido político tem essa chance e deve aproveitá-la. Utilitarismo rasteiro, fome de poder, certeza de impunidade.

P.S.:
O julgamento do STF (escrevo essa linhas em outubro de 2019) emprega essa mesma desculpa para liberar criminosos após 2a. instância, em nome da Constituição, o que significa na prática, impunidade. 
Se juízes poderosos podem, por que não eu?
A desproporção, injustiça, mentira, auto-engano comandam as decisões políticas. Ainda assim, creio que apresentar as máximas kantianas, refletir sobre elas ao menos em sala de aula, levantar o debate, já está valendo!


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