quinta-feira, 15 de setembro de 2016

"Deus não está morto": equivocado e prejudicial

O filme de Harold Cronk (2014) chegou às telas de cinema no Brasil, mas sua fama vem dos meios digitais, Youtube, de canais pagos de TV e da Netflix.
A divulgação do mesmo se dá como rastilho de pólvora, inclusive nas escolas, nas diversas disciplinas e séries.
O problema grave e que pode passar despercebido, é que o mesmo não passa de um panfleto, e, como é bem dirigido, atores razoáveis e bem claro em seus objetivos, a mensagem do mesmo se torna ainda mais contundente e de fácil assimilação.
Cartaz do filme, panfletário
Em breves palavras, um professor de Filosofia recebe seus alunos no primeiro dia de aula, sala cheia, e se declara ateu, como grande parte de filósofos (até aí tudo bem) e obriga seus alunos a defenderem o ateísmo sob o argumento de que a ciência prova que Deus não existe. Grave, gravíssimo: as aulas de Filosofia não podem se prestar à defesa doutrinária pessoal, seja ela qual for!
Logo surge o rapaz que defenderá o cristianismo, a existência de um único Deus, e, também ele apoia seus argumentos em provas científicas.

Lamentável, pois a ciência se caracteriza por técnicas, provas, experimentação, leis sobre a natureza, evolução, teoria atômica, biologia, ecologia, etc. entre outros ramos de saber verificável e suscetível de erro e de reavaliação. Por isso mesmo é preciso atenção: a ciência não tem nada, absolutamente nada a ver com religiões, com provas sobre a existência ou a inexistência de Deus.
Deus, fé, divindades, Bíblia, Corão, crenças pertencem às várias e diversas religiões. Não se prova Deus por meio de teorias científicas e nem que Deus não existe por meio de teses da Física ou da Biologia, sob o risco de submeter as crenças, a fé, ao crivo da ciência. Ora, as ciências mudam, evoluem, uma teoria comprovada pode ser derrubada por outra, é o que se constata na história da ciência. O conhecimento científico pode ser usado na prática por indústrias, tanto a de armas como a farmacêutica, por exemplo.
As ciências resultam de esforços de pesquisadores para explicar o cosmo, a natureza, os organismos, não servem para provar nem que Deus não está morto, e nem que ele está morto.
Outro grave problemas do filme é dirigir a fé em Deus para o cristianismo, e certo movimento, o do cristianismo norte-americano, fundamentalista e levar o público a desacreditar e, pior, condenar outras religiões, como o islamismo, o que é um absurdo.
E culmina na morte do professor ateu, supostamente convertido ao ser atropelado e vê ressurgir outro mundo, acompanhado pelo som estridente de um conjunto gospel e um público que lota e delira em um estádio vizinho, com as canções laudatórias feitas para seduzir e convencer.

Quando Nietzsche decretou "Deus está morto" o fez em nome de um tipo de reflexão filosófica e não religiosa; quando Richard Dawkins escreveu "Deus, um delírio", o fez para mostrar que o ateísmo não é prejudicial, nem vai acabar com religiões ou com as crenças, seitas, rituais, fé, não rasgou a Bíblia. Seu intento foi mostrar que libertos de credos ou religiões nos voltaríamos para nós mesmos, nossa existência finita, autônoma, livre e pela qual apenas nós, homens e mulheres, somos responsáveis. É uma questão de decisão pessoal.
Ao passo que a mensagem do filme, claramente, é de doutrinação: se você for cristão, está do lado do bem e da verdade, se não for, está do lado do mal e da mentira.
É assim que começam a violência, a discriminação, o fundamentalismo, o pensar único, o fanatismo. Facilmente se chega à Inquisição, sim, mesmo em nossos dias: terrorismo radical declarado do Estado Islâmico, e o terrorismo disfarçado de certas seitas cristãs fundamentalistas nos EUA.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Pensamento crítico distorcido e a tese capenga do "golpe"

Que movimentos e organizações como UNE, MST, ANDES, certos artistas e vários grupos recrutados nas redes sociais tenham aderido à tese de golpe, é inaceitável, porém compreensível.
Que professores de Filosofia embarquem nessa onda, não só é inaceitável, como incompreensível.
Recentemente professores têm se defendido com o argumento de que estão lhes retirando o "pensamento crítico". Sem generalizar, não todos evidentemente, mas voltou a crescer o número dos que ouvem o canto da sereia e aderem à tese do golpe, sob a batuta do pensamento único que há décadas se plantou em certos meios universitários.
Mas quem lhes destituiu do pensamento crítico, sem aspas, forem eles mesmos. Como diria Kant, eles são os únicos responsáveis pela defesa de uma linha única, adotada e prestigiada, disseminada entre eles, e plantada em seus alunos. Não permitem que os outros pensem diferente,afinal, adotar o que seu mestre manda é tão mais fácil!
Os jovens, há muito ouvem apenas palavras de ordem, conceitos e velhos chavões como se representassem o pensamento crítico e este fosse único, como se toda a realidade social, política e histórica se resumisse em direita conservadora e esquerda revolucionária. 
Os pobres são oprimidos pelo "grande capital", justiça social apenas pelo socialismo.
Mas, o que seria o socialismo hoje? Como repartir igualitariamente bens, como eliminar bancos, financeiras, como produzir, viver e trabalhar sem meios para tal? Se são necessários saúde, educação, bem estar, capacitação, estudo, lazer, moradia, o Estado pode provir tudo? De onde o Estado e os governos obtêm recursos? Do trabalho, empresas e trabalhadores, um não existe sem o outro.
No momento se regozijam ao gritar que a democracia foi aviltada, que as eleições não foram respeitadas, Dilma foi eleita.
Sim, fazendo como o próprio PT preconizou, "o diabo", marketing que falseou, iludiu, amedrontou os mais pobres, de um lado, e de outro era preciso conservar as mordomias do poder, as falcatruas, o dinheiro desviado da estatais. Estatais golpeadas, governo sem rumo, recessão, desemprego.

Pensamento crítico da parte dos professores de Filosofia exige discernimento, abertura, estudo aprofundado e sério de filósofos os mais importantes. Quais seriam? Deem uma olhada em sua estante...
Restringir o pensamento crítico à adoção das teses de que houve golpe à democracia é distorcer o exercício do pensamento crítico. Antes de mais nada, por favor, leiam a Constituição, o direito à liberdade de pensamento, a possibilidade de destituir do cargo os que passam por cima de leis.
Em seguida, exponham aos seus alunos o(s) filósofo (s) e as teses filosóficas que ele (s) defende(m). Verão que não há um sequer com visão unilateral, nenhum deles falseia justamente a crítica, quer dizer, pensar, refletir, defender ideias e conceitos pelo uso da razão.
E, ao defender com argumentos seu pensamento, suas propostas, sabe que há outros que pensam diferentemente. Não irá ofendê-los, ouvirá o outro, e prosseguirá na defesa de sua visão, de sua escola. Não porque tenha certeza de que possui a verdade, mas porque é filósofo, ama o saber.